2.0 - Concretização

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 Após o momento perturbador durante o encontro com o amigo, Yujin vai para seu trabalho na biblioteca. Esse emprego foi a forma que encontrou de pagar os custos da faculdade sem necessitar do financiamento dos pais. As ofertas de lojas de conveniência não a atraíram tanto quanto a de bibliotecária, ainda mais quando se leva em conta a infinidade de obras que ela teria acesso.

 E por tanta dedicação em sua função, chegando sempre no horário, mantendo a organização, limpando impecavelmente o interior e conseguindo novos clientes, em pouco tempo ganhou a graça do dono da biblioteca e sua permissão para adentrar seu escritório, podendo ler os exemplares raros que obteve ao longo de seus muitos anos.

 Faz um ano que iniciou esta rotina, descansando somente nos curtos dias de folga que seu patrão insiste em dar. Sem muitos incômodos, com exceção dos professores carrascos, segue sua vida, dia após dia, ansiando sua futura formatura e carreira literária. O desejo de ser escritora surgiu há alguns anos quando leu as primeiras páginas de um livro sobre anjos na terra. A maneira com que a narrativa foi escrita a extasiou, foi como um amor à primeira vista.

 Jimin não perdeu a chance de zoar a amiga quando ela afirmou ter sentido seu coração acelerar ao ler trechos tão envolventes que parecia até que estava dentro do livro. Ao contrário de Yujin, ele preferia algo que movimentasse mais partes do corpo e que pudesse expressar facilmente o que sentia. A dança o cativa desde criança, então, suas habilidades atuais vêm de muitos treinos ao longo de vários anos. Treinos que o ajudaram a se manter consciente em meio às suas crises. É algo intrínseco à sua natureza, ele faz parte da dança, e a dança, dele.

 As grandes portas de madeira são abertas sem muito pesar, pois, apesar da aparência, são surpreendentemente leves. Os leitores que vagam sem rumo à procura dos livros de seus interesses não espanta a jovem. Seu colega de trabalho, Min Yoongi, está atrás do balcão no centro da biblioteca como forma de punição, então ele não se esforçava para atender às solicitações dos usuários da vasta coleção do senhor Min, seu avô.

- Boa noite, senhorita "nunca chega atrasada".

 O cumprimento irônico do neto do dono da biblioteca não atinge Yujin, que já está acostumada com o sarcasmo massivo do rapaz cujo tom de pele é quase igual ao dos papéis espalhados pela bancada.

- Podia ter arrumado isso. - o sussurro da garota é ouvido pelo outro, que sorri maldoso para ela.

 Não chegavam a serem amigos, eram como conhecidos apenas. A bibliotecária por paixão não se sentia confiante o bastante para agir normalmente perto do garoto de fios descoloridos. Ele a intimidava, como fazia com todos, a única é exceção seu avô. Contudo, não era bullying ou assédio, somente sua postura de arrogante mandão revoltado que lhe deixava mais retraída.

- Foi mal, estava ocupado com outras coisas. - espreguiçou-se fazendo barulho, o que desconcentrou alguns leitores perto deles.

 Yujin encara chateada o jovem rebelde, mas desvia o olhar para algo, ou melhor, alguém atrás dele.

 O anjo misterioso estava entre as imensas estantes a observando. Suas asas negras imóveis ocupavam todo o espaço vazio do corredor, impossibilitando a passagem de quem quer que quisesse atravessar aquele caminho.

 De alguma forma, Yujin conseguia sentir de perto sua presença, como se ele estivesse a poucos centímetros de distância, e não mais de quatro metros adiante como sua vista delatava. O olhar tenebroso que lhe dava era extremamente assustador, assemelhando-se àquelas orbes vazias dos crânios que pareciam contar que a morte estava à espreita.

- O que foi? Viu um fantasma? - sorriu irônico novamente, pondo as mãos nos bolsos do moletom azul escuro gasto que era muito maior que o tamanho do dono.

O anjo da MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora