2.1 - Limites ultrapassados

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 A identificação do sorridente homem desconcerta Yujin. Sua aparência é igual a do anjo, contudo, seu comportamento é o oposto. A estudante de literatura assume que o acha bastante belo, um feito raríssimo em sua vida, pois o medo de relacionamentos a impede de ter qualquer opinião sobre o que lhe atrai em alguém. Entretanto, seus gestos, suas ações e expressões parecem ser falsas, o que lhe dá uma ponta de decepção. Talvez estivesse começando a desenvolver algo pelo homem que, desde o domingo, ia ao seu trabalho diariamente.

 Sempre com um interesse novo, ele a cumprimentava esbanjando alegria e pedia alguma edição que comumente era de difícil acesso. Os livros eram antigos, em poucas quantidades ou não permitidos a quem não tivesse a autorização do senhor Min.

- Vai, Yu, por favorzinho... O que custa pedir pro dono?

 O pedido do rapaz cujos cabelos pretos tinham um corte que deixava a parte de trás longa enquanto a frente tinha uma franja que cobria parte de sua testa foi acompanhado por um choramingo de sua parte. Insistentemente, Kim Taehyung se aproximava de Yujin sem sua permissão. Usando de apelidos para com a bibliotecária, o jovem animado se atreveu algumas vezes a tentar contato físico. Toques no braço da garota enquanto falava ao seu lado sobre o livro estar muito alto para ela alcançar sem ajuda de uma escada eram uma mania dele.

 Desconfortável com essa intimidade não consentida, Yujin se acanhava cada vez mais quando o via entrar pelas grandes portas de madeira da biblioteca e ir em sua direção. Até tentou confessar que não se sentia à vontade com essa amizade repentina e forçada, mas em todas as vezes ele tinha algum assunto diferente para comentar, não deixando que a garota expressasse em palavras a sua reclamação.

- Eu não posso... - sussurra enquanto arrumava o balcão bagunçado por Yoongi mais cedo.

- Por quê? - cruzou os braços parecendo estar muito chateado com a recusa da garota em lhe ajudar - Soube que o velhinho gosta de você, então ele te deixaria pegar o livro. - persiste em seu pedido, usando das artimanhas que conseguia no momento - Aí você poderia me emprestar por uns dias, nem precisa de muito, só dois dias bastam. - juntou as mãos em um gesto de súplica fazendo um beicinho - Por favor, Yujinie...

 Soltando os papéis desorganizados ao lado do computador escondido pela alta bancada da frente da mesa, o suspiro cansado da bibliotecária sai mais alto que ela esperava. Estava exausta desta situação impertinente, desse rapaz que não conhecia os limites de seu espaço pessoal, do caos que encontrava o balcão de seu querido trabalho quando chegava por culpa do rebelde Yoongi, de não ter tato com pessoas, de não entender como as aparições súbitas do anjo acabaram assim que Kim Taehyung surgiu em sua amada biblioteca... e estava exausta de ter sempre o mesmo sonho todas as noites.

 "A grama alta cobria o chão úmido pela ausência de sol. Pedras quebradas, pilares destruídos por toda parte, árvores da mata fechada que farfalham com o vento gélido. A fraca luz lunar que passa pelas brechas da parede de pedra com partes demolidas, deixa pequenos focos claros nos raros espaços descampados. Tudo era tão escuro e ao mesmo tempo tão claro. Claro como a noite e escuro como o dia, uma contradição que sentia a cada vez que se levantava do banco áspero e frio.

 Olhava ao redor como se estivesse descobrindo o local, ainda que já soubesse onde estava. Não tinha a localização exata, porém, acostumou-se com a paisagem abandonada, deixando de ser, em parte, um lugar desconhecido.

 Em um piscar, surgia em sua frente o ser de longas asas pretas e roupas brancas largas. As mangas da camisa em forma de túnica cobrem até a metade das mãos. A barra sem costura da calça se dobrava na terra levemente molhada. Os fios desgrenhados balançavam junto ao vento que alternava a intensidade, de um singelo toque na pele que se arrepia com o contato a uma ventania que leva as folhas dos galhos fracos em um pequeno vórtice.

 As palavras tão escutadas na noite doem em seu coração. 'Precisa morrer para o bem de todos' ressoa nos ouvidos desesperados por escutar uma resposta àquelas declarações. Curtas frases ditas seriamente por aquele de olhos que parecem carregar a morte são repetidas em sua cabeça. Um looping torturante que para quando desperta."

- Ei, tá tudo bem? - segura o braço da garota, que por reflexo se afasta, fazendo com que os olhares assustados se encontrem em um meio de procurar explicação e pedir perdão - O que foi?

 Não havia maneira de explicar a um desconhecido que tanto lhe atraía quanto repelia com seu jeito invasivo e beleza desnorteante o sentimento de horror, medo e culpa que a consumia a cada noite em um sonho que poderia ser considerado um pesadelo.

- Foi algo que eu fiz?

 Yujin gostaria de dizer que sim, que a razão de estar defensiva a todo momento é ele e sua sósia com asas que lhe seguem aonde ela estiver. Mas sua reação é negar com a cabeça e nada mais. Calada, volta às suas funções anteriores, ignorando a presença do homem que a encara firmemente, analisando cada movimento, cada piscar, cada respiração que a estudante dá. O homem de sapatos lustrosos não estava convencido, e teria insistido se o rapaz que vive de roupas pretas não tivesse aparecido, emburrado como sempre.

 A cara de poucos amigos que Yoongi carregava chega a ser engraçada para Taehyung. Os únicos sorrisos do jovem que escolhia ser como um adolescente revoltado eram irônicos, maldosos ou arrogantes. E nos poucos dias em que visitou o enorme acervo percebeu que a relação entre a tímida bibliotecária e o grosseiro garoto não passava de uma junção forçada. Talvez o avô do garoto ache que a companhia de Yujin possa arrumar, nem que seja uma pequena parte, o jeito rebelde do neto.

- Hora da troca de turno. - Yoongi fala fingindo animação e puxando a cadeira giratória para se sentar - Já pode voltar pros livros da sua casa. - senta de frente para o encosto vermelho macio com o típico sorriso sarcástico.

 Sem se despedir de nenhum dos dois jovens que lhe perturbam, a garota pega sua bolsa e sai a passos rápidos daquele lugar que costumava ser seu porto. As incontáveis estantes repletas de livros dos mais variados gêneros, o silêncio tranquilizante em qualquer área, a ideia de se sentir em paz. Não sentia mais isso. Yujin queria fugir desse lugar o mais depressa possível. Mas sua fuga necessitada foi interrompida por um chamado e uma mão agarrando seu pulso. Kim Taehyung a fitava de uma forma diferente da usual. Não era aquele olhar sem emoção, havia algo nele que a garota ainda não viu.

- Quer que eu te acompanhe?

 Franzindo o cenho, Yujin demora a entender a pergunta do homem nem um pouco ofegante pela corrida do interior da biblioteca até ela. Somente a companhia de Jimin foi aceita ao longo desses anos, isso é algo completamente fora de seu comum.

 Desvencilhando-se de Taehyung, a estudante permanece o encarando perplexa. Ela arruma a alça transpassada da bolsa de escritório e tenta relaxar o corpo.

- Não me toque sem minha permissão. - fala de cabeça baixa, quase em um murmúrio.

- O quê? - o jovem de sobretudo azul escuro se aproxima com o intuito de ouvir melhor as palavras da garota, que se afasta, mantendo a distância entre eles e o deixando confuso.

- Não me toque sem minha permissão... - a voz se eleva, atingindo um tom audível e determinado - se quiser me acompanhar.

O anjo da MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora