16.

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A noite estava mais fria que o habitual. O vento que cortava o céu estrelado batia contra as janelas do castelo gótico e sacudia as belíssimas romãzeiras do jardim. No conforto do escritório, atrás de uma enorme pilha de pergaminhos velhos, Hades trabalhava como um condenado, os olhos ônix passeando pelas folhas amareladas.

Para ele, aquela era uma noite como qualquer outra: tediosa e cansativa, cheia de afazeres. A lareira o mantinha aquecido e iluminava parcialmente o cômodo nuvioso, tão sombrio quanto sua áurea.

Nyx, porém, destacava-se ali de forma quase burlesca, vestida em um vestido lavanda. Ela deu duas batidinhas na porta antes de adentrar, pegando o rapaz de surpresa.

— Nyx. — levantou-se para cumprimenta-la — Pensei que estivesse dormindo. O que faz aqui essas horas?

— Trouxe um chá, querido. — mostrou a bandeja que sustentava duas xícaras fumegantes. — Meu sono está um pouco leve, mas nada demais. Hypnos logo resolverá esse problema. Dizendo ele é a idade, aquele moleque impertinente. Me chamando de velha, acredita? Venha, sente-se comigo, meu bem.

Ele afirmou com a cabeça, rindo, e a acompanhou até o sofá escuro. Afundou ao lado da mulher, que o serviu com o líquido quente.

— Obrigado. — disse antes de aceitar a xícara e bebericar.

— De nada, querido. Mas não estou aqui apenas para tirar-lhe a paz com minhas besteiras. Precisamos conversar sobre um assunto sério.

— O que lhe perturba?

— Estou um pouco preocupada, Hades. — O deus arqueou as sobrancelhas, surpreso e confuso com a revelação. Nyx, por outro lado, mantinha-se impassível. — Sabe, com o rumo que as coisas entre você e Perséfone estão andando.

— O que quer dizer?

— Quero dizer que você está demorando muito. — apertou a xícara, lembrando-se da última conversa que tivera com a moça na biblioteca. —Sondei um pouco a situação e, ao que parece, a garota acha que tudo isso não passa de amizade e nós dois sabemos que esse não é o seu objetivo.

— Sei o que pensa, mas não posso acelerar as coisas, Nyx. Só vou assusta-la se me declarar de repente. Preciso de mais tempo para conquistar Perséfone.

— A questão, querido, — o fitou longamente. — é que não temos tempo. Olhe a quantidade de trabalho que está tendo. As pessoas estão morrendo lá em cima, Hades, ou acha mesmo que não sei o que está acontecendo?

Ele não disse nada. Ela, então, continuou.

— Recentemente Hécate fez uma visita ao templo dela e me contou o que viu na última vez que visitou o mundo dos mortais. — Ótimo, era só o que faltava. Ele apertou as têmporas, pensando como Hécate conseguia se meter onde não devia. — Está um caos, Hades. Não dou um mês até Demetra surtar de vez e acabar com as colheitas. Ela não vai sossegar enquanto não encontrar Perséfone.

— Não precisa me dizer o que já sei, Nyx. Quanto a isso, — pausou, sem saber ao certo se contava ou não sobre seu encontro com Zeus. Resolveu que seria melhor guardar segredo. Afinal, de que adiantaria deixa-la preocupada? — os problemas serão resolvidos em breve. Me encarreguei pessoalmente disso.

— Por que sinto que está se metendo em problemas?

— Talvez porque eu esteja.

Ela encheu os pulmões de ar, um tanto perplexa. Não sabia ao certo o que pensar.

— Ainda assim, — continuou, incerta. — acho que você deva ser um pouco mais... Hm, como poderia dizer isso... direto.

— O que quer dizer? — questionou com evidente interesse. As bochechas dela esquentaram. Embora já tivesse dois filhos e uma bagagem de experiencias, falar sobre questões do coração não era bem a praia da deusa.

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