Perséfone sentiu-se particularmente renovada enquanto caminhava pelo corredor, buscando a sala de jantar, onde as refeições sempre eram servidas. Cantarolando baixinho, fitou a paisagem atrás das janelas com um evidente bom humor, pensando que as coisas não poderiam estar melhores.
Seu corpo começava a se acostumar com o peso espiritual do Submundo, de forma que acordar já não era tão insuportável. Além disso, a nova rotina a manteve entretida nas duas semanas que transcorreram. No inicio do sequestro, jamais imaginou que sobreviveria a duas semanas inteiras naquele lugar, porém as coisas estavam sendo mais divertidas do que esperava.
Os últimos dias foram regados por passeios noturnos, partidas de xadrez e tardes no jardim. Ela não recordava um único momento no Olimpo em que se divertiu tanto quanto nas ocasiões em que esteve com Hades.
Admitia que ele era uma negação com jardinagem (realmente não tinha salvação), mas não era isso que a impulsionava a continuar o instruindo sobre o assunto. Perséfone gostava de estar com ele. Suas conversas eram sempre agradáveis e – pasmem! – os dois combinavam, mesmo que fosse de um jeito bem bizarro.
Afastando os pensamentos, ela atravessou a porta esperando ser recebida pelos cumprimentos calorosos de Nyx, Tânatos e Hypnos, mas o que encontrou a surpreendeu.
A mesa continuava imponente ao centro, carregando diversas iguarias e o aroma de bolo e café preenchia o ambiente bem iluminado. De onde estava, tinha uma ótima visão das montanhas que se erguiam no horizonte, atrás da janela.
As coisas estariam perfeitamente normais, se não fosse pela sala vazia e silenciosa.
Confusa, a jovem deusa sentou-se no lugar de sempre e resolveu esperar. Imaginou que todos estivessem atrasados, contudo, após meia hora, perdeu as esperanças de que alguém viesse lhe fazer companhia. Encarou os pratos adiante e colocou a mão na barriga, agradecendo internamente o fato de não ter ninguém ali para escutar o desvergonhado barulho vindo de seu estômago.
Olhando para os lados – e ainda tentando se convencer de que não tinha qualquer problema comer antes de todo mundo –, acabou se servindo com um pedaço de torta, chá e doces variados; eram tantos que seu pequeno prato quase não suportou a quantidade.
— Pelos deuses. — Gemeu depois de morder uma trufa recheada.
Se o pecado assumisse uma forma sólida, com certeza seria a de um doce.
— Está tão bom assim?
Perséfone engasgou com a bomba e tossiu, cuspindo um fino borrifo de creme confeitado.
— Hades. — Soltou, surpresa, virando a cabeça na direção do deus. Ele estava escorado no batente com o semblante cansado, embora conservasse um sorriso firme como se divertisse as custas dela. — Você está com uma cara horrível.
Ele deu de ombros, desencostando para adentrar a sala. A deusa menor ainda mantinha a vergonhosa e enorme trufa em mãos.
— Não dormi bem. — Escolheu a cadeira ao lado dela. Eles nunca sentaram tão perto durante as refeições. Geralmente ficavam nas pontas das mesas, ela em uma extremidade, ele na outra.
— Deixa-me adivinhar... — olhou para cima, como se pensasse. — Passou a noite inteira trabalhando?
— Como sempre.
— Estou começando a considerar que você é viciado nisso.
— Talvez eu seja. — falou simploriamente, depois a encarou com aquele brilho nos olhos que ela nunca conseguia saber o significado. Foi intenso, de certa forma. — Você está muito bonita.
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Florescer
RomanceApós tanto tempo sozinho, fadado a uma eternidade de trevas, Hades esperava por qualquer coisa, menos que o amor fosse florescer em seu coração. › História sobre o rapto de Perséfone.