Os dias seguintes foram entediantes. Perséfone não fez muito mais do que ficar no quarto, deitada, com o corpo cansado. Ainda não tinha se acostumado totalmente com o peso espiritual, de forma que seus membros sempre pareciam pesados ao fim dos dias. Hades disse que logo se adaptaria, mas, sinceramente, ainda tinha dúvidas.
Estava na banheira, tentando relaxar, com os olhos fechados e a sensação da água quente sobre a pele. O vapor umedecia o rosto oval e os cachos foram presos em um coque no alto da cabeça. Não queria correr o risco de adoecer, por isso vinha evitando molhar o cabelo antes de dormir.
Os deuses tinham a vida eterna, mas isso nunca significou que estavam livres da morte. Todo cuidado era pouco, ainda mais em um local com clima tão peculiar.
O frio era constante, mas as coisas realmente pioravam no momento do jantar. As manhãs possuíam temperatura amena, que caía com o decorrer das horas.
Perséfone saiu do banheiro com passos largos, molhando o piso até o quarto. Abriu as gavetas do armário e escolheu um vestido com mangas. Ele era confortável e bonito, de tonalidade abacate, que serviu para contrastar sua pele bronzeada e os olhos. Soltou o cabelo e o penteou, sentada em frente ao tocador.
Suspirou pesadamente, perguntando-se se Hades viria busca-la para o jantar. Ela não o viu durante todo o dia, o que era, no mínimo, estranho, já que ele considerava as refeições como um momento quase sagrado.
De qualquer forma, ainda faltavam algumas horas até que a sala de jantar estivesse organizada. Até lá, ficaria no quarto fazendo absolutamente nada.
Perséfone odiava a monotonia. Ela se colocou de pé e caminhou pelo cômodo, inquieta, buscando nas gavetas algo que pudesse mantê-la entretida. Não encontrou.
Inconscientemente, seus olhos voltaram-se para a porta que levava ao corredor e uma ideia brilhou em sua mente, mas tratou de afasta-la. Seria imprudente de sua parte – e, se tinha algo que evitava desde o incidente com Cérbero, eram as imprudências. O próprio Hades alertou para que não zanzasse sozinha por aí.
Suspirou, outra vez, cansada e afundou na cama dossel, em meio os travesseiros, com o cabelo esparramado pelo colchão macio.
Estava com saudades de casa. Não se encontraria tão melancólica se, ao menos, estivesse entretida com algo. Quatro dias se passaram desde que chegou ao Submundo, quatro longos dias, e ela duvidava que fosse ser liberta tão cedo.
Ao escutar passos vindos do corredor, sentou e tratou de ajeitar o cabelo com a ponta dos dedos. Desamassou o vestido e, quando as batidas soaram, ela correu para atender.
Não era Hades.
— Hypnos. — disse, não exatamente surpresa. O deus da tranquilidade foi quem a acompanhou para as refeições, mais cedo. — Boa noite.
— Boa noite, minha senhora. — ele sorriu pequeno, um sorriso educado e gentil. — Com todo respeito, está muito bonita.
As bochechas dela formigaram diante do comentário. Não esperava por um elogio vindo de Hypnos, já que ele era sempre tão quieto.
— Você também.
— Agradeço. — respondeu, sincero, oferecendo o braço. — Vim busca-la para o jantar.
Ela aceitou, fechando a porta atrás de si, sendo arrastada pelos corredores.
— Sabe, — quebrou o silencio, recebendo a atenção do rapaz. — pode dizer ao Hades que já aprendi o caminho até a sala de jantar. Não há necessidade de me buscar sempre.
— Ah, mas ele faz questão de que alguém venha lhe fazer companhia. — respondeu, achando graça na observação da moça. — Quer ter certeza de que está bem.
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Florescer
RomanceApós tanto tempo sozinho, fadado a uma eternidade de trevas, Hades esperava por qualquer coisa, menos que o amor fosse florescer em seu coração. › História sobre o rapto de Perséfone.