22.

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Aquele era o mesmo corredor iluminado pela lua cheia. O mesmo piso de pedras, as mesmíssimas janelas que se erguiam, esplendorosas, até o teto. A mesma paisagem obscura iluminada por tochas, a mesma vista das montanhas que se elevavam atrás do palácio de torres góticas. Os empregados andando de um lado a outro, as cortinas de veludo escuro, tal como a capa que Hades insistia em usar.

Também era a mesma capa – a que o mantinha bem aquecido. Havia algo de monótono na cena, mas uma sensação estranha o acompanhava enquanto atravessava o corredor até a saleta de jantar. De fato, nada parecia diferente depois de tantos meses.

Porém, quando Hades empurrou a porta amadeirada, sentiu que nada era o mesmo.

Uma tradição ocorria. Como sempre, foi o último a chegar, chamando atenção, arrancando olhares. Cumprimentou a todos, sorrindo. As botas batendo no piso, o cabelo bem penteado para trás, as vestes bem passadas caindo perfeitamente em seu corpo. Nyx lhe lançou saudações calorosas, Tânatos fez uma piada qualquer, Hypnos limitava-se a ralhar com o gêmeo e Hécate, como sempre, mantinha o nariz enfiado em um livro qualquer, sem dar atenção a ninguém.

Mas ela, Perséfone, com os cachos presos, trajando aquele esplendoroso vestido verde, sorriu para ele de um jeito singelo. Hades sentou-se na ponta oposta, devolvendo o sorriso enigmático e, embora estivessem separados pelas cadeiras e guloseimas que empanturravam a superfície amadeirada, nunca pareceram tão próximos.

Sim, as coisas estavam diferentes. Aquele já não parecia mais um castelo sombrio. Agora tinha luz.

Agora tinha ela.

Havia também aquela palpitação louca, as mãos suadas, trêmulas, nervosas.

Sensações.

Sim, Perséfone lhe enchia de sensações. E saber que causava o mesmo nela o deixava atordoado, de certa forma, porque nunca imaginou ser retribuído.

Mas lá estava, a sensação do contentamento, da felicidade, do objetivo alcançado.

Perséfone era a mesma – mas também estava diferente, ele notou. Havia uma nota tímida nos olhos verdes. Vez ou outra os desviava, com as bochechas avermelhadas. Então ela sorria minimamente, sem mostrar os dentes, mas com a feição adorável de quem fora pega em flagrante o admirando.

Nos momentos em que safiras oliva e ônix cruzavam, sorriam para o outro, sem graça de mais para dizerem qualquer coisa. Mas não precisavam. Tais pequenos gestos diziam tudo por eles.

— Você fica patético suspirando assim. — Tânatos comentou para o deus, com um bolinho em mãos, achando a situação toda muito hilária. É claro que Hades nunca escondeu a paixão que sentia por Perséfone, mas aquilo já estava um pouquinho exagerado. Nunca vira o deus dos mortos com o queixo apoiado nas mãos sustentando aquele olhar todo abobalhado, sem fazer questão de disfarçar. Notou como Perséfone estava vermelha.

Céus!

— Eu sei. — Hades limitou-se a responder, ainda sem tirar os olhos da garota, que parecia prestes a ter uma síncope. Ela, toda envergonhada, deixou um pedaço de torta cair pateticamente do garfo.

Nesse momento, Hades suspirou novamente, de forma ridícula e apaixonada, como se essa fosse a visão do paraíso. 

— Você está deixando a menina sem graça. — alertou, de um jeito risonho, sem realmente se importar. Falavam baixo, para que ninguém na mesa escutasse.

— Não posso evitar. A culpa é dela.

— Culpa dela? — arqueou as sobrancelhas escuras.

— Claro. É a mulher mais linda que já vi, não tem como não olhar.

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