23.

985 55 71
                                    

Nem é necessário dizer que Hades estava nas nuvens.

Ele até poderia caminhar saltitando por aí, de tanta felicidade, mas a boa educação que recebera o impedia de fazê-lo. A lembrança do beijo era tão vívida em sua mente que as vezes se pegava sonhando acordado com o gosto dos lábios dela, sentindo a maciez, os toques, os suspiros. As coisas até poderiam estar bem – muito bem, por sinal – se não fosse por um pequeno detalhe: Perséfone passou a semana inteira o evitando, no sentido mais literal que isso possa soar.

Já não conversavam nos desjejuns – ela vivia enfiando comida demais na boca de propósito só para não ter que tocar no assunto – e saía da saleta o mais rápido possível para não ser abordada. Quando estavam juntos – talvez não tão juntos quanto Hades gostaria, já que a garota insistia em seguir Nyx para todo e qualquer canto – mostrava um interesse anormal nas próprias unhas, sempre com os lábios crispados e os olhos fixos no chão.

Ele queria muito saber o que se passava naquela cabecinha e isso seria fácil se, ao menos, ela fizesse o favor de falar.

Perséfone, porém, não parecia inclinada a qualquer contato.

— Dê um tempo a ela. — foi Hypnos quem disse, no escritório, depois que Hades o convocou para uma reunião de urgência. Quando a palavra urgência foi proferida, não imaginou que o assunto envolvesse os dramas românticos de seu senhor. Hypnos tentou não rir, ainda fazia força para não achar a situação hilária, mas era impossível controlar, dada as circunstâncias – circunstâncias envolvendo um Hades muito mal-humorado, tudo por causa de uma garota, como se fosse um adolescente. — Deixe-a processar o que aconteceu.

— Já se passou uma semana. — resmungou, cansado e irritado, com um copo de gim em mãos. A bebida dos humanos não fazia muito efeito em divindades, mas lhe pareceu conveniente beber algo enquanto conversavam sobre o desastre que vinha sendo sua vida amorosa. — Tenho certeza de que ela teve muito tempo para processar tudo.

— Você está sendo precipitado, Hades. — meneou a cabeça, servindo-se também com gim. — Ela é uma garota inexperiente. Deve estar uma pilha de nervos, quase surtando, coitada. Tenho certeza de que foi o primeiro beijo dela.

— Sei disso. — bebeu o resto do líquido em um gole só, depois cruzou os braços, rabugento. — Mas não quero que seja o último. E somos adultos. Precisamos conversar como adultos, não ignorar o que aconteceu.

Hypnos pensou que, apesar de toda essa fala, Hades estava longe de estar agindo como um adulto.

— Vá em frente, então. — deu de ombros, os sábios orbes brilhando com a luz vinda dos castiçais. — Mas não diga que não avisei.

Dito e feito.

Quando ele tentou aborda-la pela milionésima vez no corredor, tudo o que Perséfone fez foi inventar uma desculpa muito idiota para livrar-se de sua presença.

E ela conseguiu.

Felizmente – não para a deusa das flores, é claro –, Hades era um cara persistente. E quando estava determinado a algo não havia nada nem ninguém que pudesse pará-lo.

Desistir nunca esteve em seus planos. Ainda mais envolvendo o amor de sua vida.

Então, em uma manhã de segunda-feira, ele praticamente madrugou na porta do quarto dela, escorado na parede, mais do que determinado. Os empregados que andavam de um lado a outro – e cochichavam, fofoqueiros como eram – não sabiam ao certo quem estava sendo mais infantil nessa história toda: Hades agindo como se estivesse na puberdade ou Perséfone correndo dele como o diabo corre da cruz.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Jun 06, 2021 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

FlorescerOnde histórias criam vida. Descubra agora