05.

821 81 16
                                    

Perséfone, desesperada, arrastou o corpo para trás a medida que o cachorro apertava as patas na terra fresca. A boca de Cérbero espumava, tornando a expressão canina ainda mais diabólica. Os seis orbes lhe encaravam como se quisessem sugar o canto mais sombrio de sua alma e os dentes, pontiagudos, permaneciam para fora, prontos para dilacerar o que estivesse a frente.

Os olhos animalescos literalmente queimavam como fogo e ela, por dois segundos, vislumbrou a própria morte.

— Perséfone!

A voz de Hades ecoou pelo Submundo. Embora corresse, estava distante do socavão. Perséfone quis acreditar em uma esperança, quis acreditar que viveria. Então percebeu que era tarde demais. Cérbero queria devora-la, membro por membro, e a fisionomia ameaçadora só ressaltava esse fato. Com a respiração pesada, agarrou a primeira coisa que viu por perto – uma pedra mediana, que serviria para usar a seu favor ou ao menos tentar.

Estava quase jogando no monstro, porém, mais uma vez, o deus dos mortos gritou, ofegando graças ao cansaço.

— Não se mova! — ela arregalou os olhos e pensou que ele só podia estar maluco. — Não faça nada!

— Como assim "não faça nada"? — a criatura monstruosa rosnava, rumando em sua direção. — Hades, ele vai me matar!

— Vai ser pior se você se mexer!

O que seria pior que morrer devorada por um cachorro de três cabeças? Ela não conseguiu conter as lágrimas, pensando em tudo. Lembrou da mãe, da família, dos amigos e da infância feliz que teve no Olimpo. Demetra ficaria arrasada. Então era isso. Seria morta cruelmente por um monstro. E nem teve a chance de se despedir.

— Cérbero! — nessa altura, ainda correndo, Hades estava mais próximo; uma das cabeças virou na direção dele, soltando uma rajada de ar pelas narinas; o estomago da deusa revirou com o odor. Cheirava a enxofre. Era sufocante. — Saia de perto dela agora!

A ordem foi prontamente ignorada. Cérbero continuou a aproximar. A moça engoliu o grito e apertou os olhos, esperando pelo pior, quando os três focinhos alongados alcançaram seu corpo – um no braço, outro no ombro e o terceiro no rosto.

Hades prendeu a respiração e estagnou no lugar. As três cabeças de Cérbero farejavam a pele de Perséfone. Enxergou um fulgor assassino nos olhos animalescos. Em geral, o cão era gentil, mas ai daquele que tentasse ultrapassar os domínios ao qual foi encarregado de proteger. Ele só deixava que entrassem na caverna se Hades permitisse antecipadamente, o que não foi o caso. De qualquer forma, nem mesmo o deus ousava se aproximar daquele socavão.

Precisava pensar rápido.

— O que ele está fazendo? — a voz feminina ecoou frouxa e o cachorro repuxou os três lábios para trás, rosnando outra vez. O cheiro do cão era nauseante e a moça recusou-se a abrir os olhos.

— Farejando seu medo. — Ah, droga. — Ele... prefere ingerir as pessoas amedrontadas.

— Não está ajudando! — o cão grunhiu e ela apertou os lábios em uma linha reta, chorando incontrolavelmente.

— Não demonstre medo, Perséfone! Você precisa ficar tranquila!

Como poderia acalmar-se estando literalmente entre a vida e a morte? Puxou o ar com força, engoliu o choro e sentiu os pulmões arderem. Enquanto isso, Hades agiu, aproveitando que o cachorro estava concentrado na moça para se aproximar.

— Cérbero. — Tentou ao máximo esconder qualquer vestígio emocional. Cérbero era um cão explosivo e não foi surpresa para ninguém o fato de Hades ser o único a conseguir sua confiança. Ele precisava de um mestre pouco emotivo e que não hesitasse em momento algum. Hades era o único a preencher todas as qualidades.

FlorescerOnde histórias criam vida. Descubra agora