12.

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A temperatura amena rompeu o frio invernal sem expectativas de chegada naquela manhã de segunda-feira. Era a primeira vez que realmente fazia calor no Submundo, tanto que Perséfone deixou de lado os xailes, optando apenas por uma toga de alças que serviria para passar o dia.

Caminhando pelos corredores extensos, ela não pode deixar de estranhar aquela sensação de liberdade nova. Mesmo que estivesse há algum tempo no Mundo Inferior, tudo continuava novo e irreal. Ninguém a proibia de fazer as coisas e podia ir aonde desejasse. Para uma pessoa que passou a vida inteira sendo controlada com punhos de ferro, esse sentimento de autonomia, de manumissão, não poderia ser melhor. Certamente, ficaria mal-acostumada se as coisas continuassem assim.

Ainda era cedo, praticamente fim de madrugada. O sol nascia no mundo dos humanos, contudo, na terra dos mortos o céu continuava estrelado, com a lua brilhando em todo seu esplendor, cintilando grandeza e iluminando as montanhas que se erguiam atrás do suntuoso palácio de torres góticas. Os empregados dormiam e o corredor permanecia mergulhado em solidão.

Não era um hábito dela estar de pé tão cedo. Geralmente só acordava com o movimento dos empregados, que passavam cochichando em frente aos seus aposentos; contudo, de algum modo, Perséfone acabou abandonando o conforto dos lençóis antes do horário, sentindo-se particularmente agitada. A ideia de esperar por horas até que todos estivessem de pé não lhe era agradável, por isso imaginou que seria mais divertido passar seu precioso tempo na biblioteca, trabalhando com a pintura inacabada que pretendia entregar a Hades.

Exatos dois dias transcorreram desde a conversa sobre Menta e o peculiar encontro com Hécate. As duas não dialogaram muito nesse meio tempo, quase nem se encontraram e a feiticeira parecia estar sempre ocupada ou interessada demais em algum livro grosso, exibindo uma fisionomia de desgosto – estava começando a desconfiar que a cara de Hécate era naturalmente assim. Claramente, ainda havia um longo – muito longo – caminho a ser trilhado até que elas verdadeiramente se entendessem – se é que isso aconteceria algum dia –, porém, o fato de terem dado uma trégua não deixava de ser um bom avanço.

Foi com esses pensamentos que a moça adentrou a biblioteca, pronta para mais uma sessão de pintura. Recolheu os materiais escondidos atrás de uma das prateleiras, depois afundou no sofá localizado ao centro. Estava na metade do esboço quando seus olhos captaram a silhueta parar no corredor para espiar o interior do cômodo.

— Que surpresa agradável, querida! — a familiar voz preencheu o silêncio. — Como vai?

— Bom dia, Nyx! — a jovem deusa respondeu com um sorriso largo, depois fez um gesto para que Nyx se sentasse ao seu lado. A mais velha atravessou o cômodo alegremente, o barulho dos saltos contra o piso de mármore e a chama dos castiçais bruxuleando nos orbes púrpuros. Como sempre, carregava uma daquelas bandejas, dessa vez carregada com biscoitos achocolatados. — O que faz de pé tão cedo?

— Acabei me deitando antes do horário, noite passada. — Ela afundou ao lado de Perséfone, oferecendo alguns biscoitinhos. A mais nova aceitou de bom grado, mordendo uma lasquinha do chocolate. — Estava morta de fome. Não resisti e fiz alguns.

— Você que fez? Ficaram ótimos!

— Fico feliz que tenha gostado. — abanou a mão na frente do rosto, como se não fosse nada. — Teria feito um chá se soubesse que te encontraria aqui na biblioteca.

Perséfone deliciou-se com mais alguns biscoitos. O cômodo foi preenchido pelo cheiro do chocolate e o vapor subia até as narinas, causando uma deliciosa sensação de aconchego. Estavam quase terminando quando, pela primeira vez, a Noite percebeu os objetos em seu colo.

— Não sabia que se interessava por pintura, querida.

— Não é bem minha praia — revelou, franzindo a testa, lambendo os dedos sujos. —, mas estou tentando.

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