06.

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Tudo pareceu um sonho distante quando Perséfone acordou. Ela piscou algumas vezes e rolou pelo colchão macio, em meio as cobertas, buscando uma posição mais confortável.

Nos livros, quando acordam, os personagens passam por aquele momento de desorientação, sem saberem onde estão. Isso nunca ocorreu com Perséfone. Ela sabia exatamente onde tinha ido dormir.

Ainda assim, foi esquisito acordar e ser engolida pela escuridão. Estava habituada a despertar com a espiritualidade de Apolo e o som das liras dos sátiros. Dessa vez, não havia nada além do tenebroso silêncio do Submundo.

Olhando os arredores, notou não estar mais na saleta de Hécate. Aquele era um cômodo grande, com decoração pomposa e paredes em tons pasteis. A única iluminação era a chama irradiando da lareira, localizada a poucos metros da cama com dossel, aquecendo parcialmente o quarto; a chama era amarela demais e havia no ar um cheiro de rosas que não sabia se conseguiria se acostumar. Ela sentou, afastando as cobertas com os pés e lembrou-se de como Hades a segurou com facilidade na noite anterior, guiando-a pelos corredores até a deusa da magia, mesmo machucado. Com toda certeza foi ele quem a levou até ali.

Não pode deixar de imaginar se ele se sentia melhor. Encolheu os ombros, novamente com a culpa entalada na garganta.

Não entendia os motivos que levaram Hades a fazer o que fez. Por mais que tentasse, sua mente não era capaz de formular uma resposta coerente. Não fazia sentido o rei do Submundo, um dos Três Grandes, querer justamente ela – a provável divindade mais insignificante do Olimpo – ali.

Precisava esclarecer as coisas com Hades logo, saber o que ele pretendia, o porquê de estar ali ou ao menos tentar um acordo.

De pé e caminhando pela penumbra, aventurou-se a conhecer mais o quarto. Sentou em uma das poltronas para ver se era confortável. Depois abriu as gavetas do tocador. Deu uma longa olhada no espelho, desgostosa, observando que estava descabelada, ainda com arranhões em alguns pontos do corpo, mesmo depois de ingerir a poção de cura. Atravessou uma porta aberta e identificou o banheiro. Era grande, todo em mármore e a banheira ao centro foi feita com a mais pura prata.

Retornando ao quarto, curiosa, continuou a caminhada pelo cômodo. Abriu o armário, esperando encontrar gavetas e cabides vazios, contudo, o que viu a deixou boquiaberta. Haviam inúmeras peças – uma quantidade exorbitante de roupas, cada uma mais bonita que a outra, bem passadas, dobradas e organizadas por cor. Tirando um vestido do cabide, notou ser exatamente do seu tamanho, como se tivesse sido feito exclusivamente para ela.

Escutou passos vindos do corredor e, em um movimento desesperado, atirou-se na cama em um baque surdo, depois puxou a coberta até o queixo, apertando as pálpebras com força. Seus ouvidos captaram o som abafado. O tom encorpado ficou ainda mais audível a medida que se aproximava. Era uma mulher. Pela movimentação, soube que estava acompanhada.

— ...O que quero dizer, querido, é que suas atitudes foram precipitadas.

— Não me venha com sermões. — A deusa da primavera, reconhecendo o dono da voz, sentiu um frio atingir o estomago. — Sabe que não tive outra escolha.

— Hades, — um suspiro escapou pelos lábios femininos. — você sempre teve várias escolhas. E, sinceramente, fez a pior delas. Imagine o caos que será quando sentirem falta dessa menina!

Estavam falando dela. As pontas de seus dedos gelaram e a moça engoliu o seco, esforçando-se para não mover um músculo.

— Tenho tudo sob controle.

— Sabe que não é verdade. A mãe dessa garota deve estar fazendo o maior escarcéu lá em cima! — Hades não respondeu. — Você está arriscando tudo o que tem, por acaso pensou nisso?

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