No tempo dos seres mágicos

130 6 46
                                    

Há muito tempo, quando os cavaleiros reinavam sobre as planícies e reis autoritários dominavam as pradarias, vivia um povo de tradição milenar do qual pouco se sabe hoje em dia. Permanece hoje apenas vivo nos registros arqueológicos e na literatura escrita em línguas antigas, só faladas por alguns eruditos.

Aquele era um tempo muito diferente. Sem muita tecnologia, as pessoas dedicavam a vida ao trabalho no campo; com um perigo constante de invasões de tribos selvagens, se militarizavam demasiadamente.

Mas o povo sobre o qual discutiremos neste conto não era nenhum cavaleiro ou rei autoritário. Na verdade, há quem diga que nem sequer eram humanos. Meio humanos, meio animais, assim viviam os Goblins, tema desta história.

Mas antes de falar dos Goblins, temos que nos lembrar da perseguição a todos os seres mágicos, o que ocorria nos tempos antigos. Homens guerreiros poderosos decidiam, meticulosamente, quais criaturas místicas continuariam vivas e quais iriam morrer. Sem muita escolha, elfos, duendes e anões se escondiam, com muito medo de serem pegos e escravizados, prática comum dos humanos.

Mas os Goblins não eram como os outros seres mágicos. Feios e assustadores, viviam em cavernas ou pequenas cabanas construídas de pau e pele de animais. Com pouca inteligência, podiam ser encontrados em montanhas, pântanos, desertos, pedreiras, florestas ou cidades. Viviam em bando, tinham uma comunidade precária semelhante aos homens primitivos. Entre suas armas estava o machado, a clava, a zarabatana, além de algumas lanças e pedras.

O leitor já pode pensar que nunca gostaria de encontrar um Goblin por aí. Também pudera. Violentos e traiçoeiros, eram os humanos que tinham medo deles. Enquanto todos os outros seres mágicos estavam em vias de extinção, os Goblins continuavam à espreita, prestes a atacar a qualquer momento.

Mas esta história não é sobre os Goblins, e sim sobre um Goblin em especial. Seu nome era Dobin. Dobin sabia desde criança que não era como os outros de sua espécie. Desde cedo se identificava com os humanos; não queria, de forma nenhuma, participar da imensa violência da constante guerra que assolava sua região.

Dobin, como todos de sua aldeia, fora instruído a não procurar se relacionar com humanos. "Eles são perigosos", diziam todos. Mas ele, teimoso que era, sentia a necessidade de tentar buscar uma forma de romper essa regra porque, com toda a certeza, os homens tinham muito a lhe ensinar.

Dobin era um jovem solitário e melancólico. Sem muita identificação com os seres da sua espécie, sonhava em visitar uma aldeia humana, de modo que até esquecesse que era um Goblin. Mas os homens, que não eram nada bobos, evitavam a todo o custo todos os seres mágicos que, para eles, eram monstros. Dobin, por outro lado, sabia que ele não era nenhum monstro. Tinha certeza, também, que, para os Goblins, os monstros eram os humanos.

Já tinha 50 anos. Ainda era um adolescente. Sabia que viveria, no mínimo, mais três séculos, de modo que, talvez, quando fosse adulto, os humanos não teriam mais problemas com os seres mágicos. As sociedades humanas mudavam muito rapidamente, enquanto os Goblins continuavam os mesmos por milênios.

Ele se lembrava de quando tinha dez anos. Os humanos viveram uma guerra chamada de Cruzadas, movimentos militares de inspiração religiosa que partiram da Europa ocidental em direção à Terra Santa e à cidade de Jerusalém com o intuito de conquistá-las, ocupá-las e mantê-las sob domínio cristão. Esse foi um dos poucos períodos quando os homens deixaram de caçar os seres mágicos, pois estavam preocupados guerreando com outros seres da mesma espécie.

Nesse período, Dobin se encantou pela primeira vez pelos humanos. Naquela época, ele, ainda um bebê ingênuo, idealizava completamente aqueles seres bípedes sem compreender ainda que eles não eram perfeitos. Hoje ele sabia que os homens tinham seus problemas, mas ainda acreditava que eram melhores do que os Goblins.

__________________________________________________________

Em um dia quente de primavera, quando os Goblins saíam para caçar coelhos e lebres, Dobin resolveu, pela primeira vez, conhecer uma aldeia humana. Mesmo ciente de que poderia ser morto, ele decidiu que queria tentar ter a experiência de seguir seu maior sonho: ter um amigo humano.

Os homens há muito haviam perdido o hábito primitivo de caçar e coletar. Há muito tempo dedicavam-se à agricultura, tradição muito mais rentável e eficiente. Os Goblins, por outro lado, tinham mãos tão ásperas e pouco habilidosas que não podiam se dedicar a uma atividade tão delicada como lavrar o solo.

Dobin saiu da caverna onde morava com sua grande aldeia. Os Goblins, muito preocupados com a segurança, dificilmente largavam as suas enormes tocas – assim eram chamadas suas casas – exceto quando iam pilhar riquezas e sequestrar criancinhas. Antes de ir embora, um Goblin de meia idade lhe perguntou:

– Aonde vai, meu caro Dobin?

– Vou seguir meu sonho!

– Você pode fazer isso, mas não se esqueça das suas origens.

– Pode ter certeza que nunca esquecerei.

Sem ter certeza de sua resposta, Dobin saiu em direção à floresta onde morava. Verdes, altas e imponentes; essa era a descrição das grandes árvores perto de sua toca. Naquela época do ano, estava relativamente quente, mas também fazia muito frio em outros momentos. Dobin não tinha certeza se preferia a neve ou as flores, já que ele sempre ficava na caverna. A única coisa que ele queria era conhecer outros ares, outros mundos e outros seres. Estava cansado de conviver sempre com os mesmos indivíduos, a mesma sociedade, a mesma cultura. Assim, com borboletas no estômago, nosso protagonista, em busca de aventuras, partiu em direção ao desconhecido.

__________________________________________________

Dobin caminhou por muito e muito tempo. Suas pequenas pernas estavam fatigadas e desgastadas graças à falta de uso. Raramente andava mais do que alguns metros. Além disso, sem nunca ver o sol, seus olhos diminutos ficavam cansados ao olhar diretamente para a luz do dia.

Ele, de forma nenhuma, se arrependia de ter ido embora. Com a vontade de conhecer humanos, se aventurava para lugares cada vez mais distantes de sua caverna. Nada o fazia mudar de ideia.

Mas quando menos esperava, encontrou uma criança humana. Vestia roupas simples como qualquer camponês, sua pele era branca como a neve, seus olhos eram azuis como o céu e seus cabelos, amarelos como o sol. Sua alma transparecia a mais pura inocência e ingenuidade. Aparentemente nunca tinha visto um Goblin.

– Por que sua pele é verde? – perguntou a criança.

– Ora, acho que comi muitas ervilhas quando tinha a sua idade – brincou Dobin.

– Por que você é tão baixo?

– Não devo ter comido o suficiente.

– Por que suas orelhas são tão pontudas?

– É para poder ouvir melhor.

– Você é um duende?

– Não, sou um Goblin.

– O que são Goblins?

– Olha... Somos como vocês. Mas somos verdes, mais baixos e temos orelhas pontudas.

– Você é meu novo amigo! Vou te levar para minha aldeia.

Dobin e a criança conversavam animadamente sobre o céu, as árvores e as estrelas. Ele contava, com felicidade, sobre toda a sua experiência na sua caverna e com sua tribo. Quando chegaram na aldeia, um povoado com casinhas feitas de madeira e recheadas de palha, os moradores gritaram, assustados:

– Meu Deus! Um Goblin. Mulheres e crianças, fujam! Homens, peguem suas armas.

– Calma, ele é apenas meu novo amigo – disse a criança.

Mas ninguém ouviu o amigo de Dobin. Lembrando-se da guerra que havia com os seres mágicos, pegaram um arco e flecha e atiraram em seu coração. O coitado, sem poder pensar, morreu na hora. Mas em seus últimos segundos de vida, estava feliz; tinha realizado seu sonho de fazer amizade com um humano.

________________________________________-

Assim termina a trágica história do nosso amigo Dobin, um Goblin que não era como os outros de sua espécie. Mas ainda que quisesse ser humano, para estes, ele era apenas mais um ser mágico.

Contos fantásticosOnde histórias criam vida. Descubra agora