O menino azul

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Já era outono naquele pequeno vilarejo sem nome. Em pouco tempo viria o inverno. Os aldeões precisavam realizar a colheita, coletar lenha e preparar os mantimentos para o rigoroso frio que viria.

Era todo ano a mesma coisa. Nada mudava. Trabalhar até o sol se por. Depois dormir até o sol nascer. As estações do ano ditavam o ritmo da vida.

No Pequeno Vilarejo sem Nome, vivia uma criança, que também não tinha nome. Nomes não eram necessários naquelas terras. Mas vamos chamá-lo de Azul. Por que azul? Você entenderá mais tarde.

Azul sentia tédio. Muito tédio. Tudo que queria era um pouco de lazer e diversão. Esperava poder ir até as grandes cidades onde coisas de verdade aconteciam. Aquele não era o caso do Pequeno Vilarejo sem Nome.

Um dia, Azul decidiu que não queria mais viver assim. Queria, de algum modo, ter uma vida de verdade. Assim, tomou uma decisão: iria se divertir.

Quando ninguém estava olhando, Azul saiu de sua choupana na tundra para ir visitar a taiga na região mais próxima. Apenas pinheiros. Assim era a vegetação perto do Pequeno Vilarejo sem Nome.

Observava o sol. Sempre se punha e nascia no mesmo lugar. Como o sol era chato. Não procurava nunca inovar.

Lá chegando, sentou-se no chão e passou a cantarolar antigas canções que ouvia na sua infância. Canções sobre um mundo melhor. Quando menos esperava, encontrou um garoto azul: completamente azul. Sua roupa e pele eram completamente azuis; um azul da cor do céu.

– Venha visitar o mundo azul, garoto – disse o menino desconhecido – É uma terra onde tudo dá. É um lugar onde só há diversão e felicidade.

Sem pensar duas vezes, o garoto acompanhou o menino desconhecido em direção a partes mais profundas da floresta. Toda aquela região continha nada além do mais puro vazio. Nada além do próprio nada.

Caminharam por um tempo indeterminado. No Pequeno Vilarejo sem Nome, o tempo não existia. Havia apenas o presente. Apenas o agora.

– Sejam bem vindo ao mundo azul, garoto! – disse o menino desconhecido.

De fato, lá tudo era azul. As árvores, as pessoas, os animais. Tudo. Mas não era um mundo homogêneo. A questão é que o azul não é um só. A diversidade nos tons de azul são tão grandes quanto a diferença entre verde e vermelho.

Lá, o garoto aprendeu a conhecer o azul. Aprendeu a diferenciar o turquesa do marinho, o celeste do bebê. Aprendeu que, ainda que todos fossem azuis, cada um era azul de um modo diferente.

Inicialmente, todos se questionavam sobre o porquê do garoto não ser azul. Ele não era como os outros. Precisava, acima de tudo, dizer que vinha de outro mundo; o mundo não azul.

Mas rapidamente foi acolhido. Foi pintado da cor do mar, seu tom de azul preferido. Ele era um deles. O garoto, que não tinha nome, decidiu por ele: seria kike. Era assim que se chamava aquela cor na língua dos azuis.

No mundo dos azuis, não havia nada além da felicidade e da diversão. Nada além da alegria. Sábado de manhã, o garoto de sua casa e e ia explorar todos os tipos diferentes de azul na região.

Aos poucos, o menino sem esqueceu do Pequeno Vilarejo sem Nome. Tudo aquilo parecia ter acontecido muito tempo atrás. Como em uma outra vida.

Ele ainda se lembrava, ainda que com dificuldade, do Pequeno Vilarejo sem Nome. Se recordava de alguns detalhes sobre sua antiga vida. Mas isso pouco importava.

Não importava. O mundo dos azuis era perfeito. Lá, era proibido qualquer tipo de sentimento negativo e dor. Se, em algum momento, o menino tivesse qualquer problema, haveria mais diversão e mais alguma coisa a fazer. O tédio era uma palavra desconhecida entre os azuis.

O menino cresceu. Passou anos com os azuis. Agora sabia reconhecer cada tonalidade da cor e falava perfeitamente o seu idioma. Sua língua tinha um modo interessantes de tratar as cores. Havia apenas duas: azul e não azul.

O tempo passou. Não se lembrava de quase nada de sua antiga vida. Um dia, porém, sem mais nem menos, uma lembrança de sua infância lhe veio à mente. Pensou no tédio que sentia. Pensou na saudade de sentir-se entediado.

– Vá! – disseram seus amigos – Mas volte logo.

O menino, que agora já era um homem, teve curiosidade em conhecer o seu pequeno vilarejo. Ele iria ver sua mãe, seu pai, seu irmão, que o esperariam. Quanto tempo poderia haver passado? Provavelmente apenas um dia ou dois.

Saiu do Mundo Azul. Ao chegar na floresta, se surpreendeu ao não ver a antiga floresta onde morava. Provavelmente ele estava em outro lugar. Continuou.

Saiu adiante e viu a maior aglomeração de pessoas que já havia presenciado. Todas olhavam para um pequeno aparelho portátil de vidro. Vestiam roupas estranhas. Andavam em grandes carroças de metal com quatro rodas. Não havia mais árvores. O céu noturno não brilhava mais.

O que tinha acontecido? Perguntou para a primeira pessoa que viu pela frente:

– Onde está o pequeno vilarejo que estava aqui?

– Que vilarejo? Aqui não há nada.

Desesperado, o menino azul procurou alguém que sabia algo sobre o Pequeno Vilarejo sem Nome. Ninguém sabia. O que havia ocorrido?

Se deu conta, mais tarde, que 300 anos haviam passado. O Pequeno Vilarejo sem Nome não existia mais. Kike chorou. Foi a primeira vez que lágrimas saíram de seus olhos, pois no Mundo Azul o choro não era permitido.

As lágrimas caíram. Tudo que queria era voltar ao Pequeno Vilarejo sem Nome. Tudo que queria era sentir tédio novamente.

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