As coisas acontecem porque precisam acontecer. Não é possível que seja diferente. Se algo está pré destinado a ocorrer, ocorrerá. Não é nada mais simples do que isso.
A minha história estava pré destinada a ser assim. Desde que eu nasci, já deveria ser assim. Não há nada que eu possa fazer para mudar.
Mas quem eu sou? Apenas um pobre homem. Apenas um pobre prisioneiro que tinha tudo para dar certo. Mas deu errado. Mas na verdade, acho que o certo e o errado são apenas uma questão de perspectivas.
Eu nasci em 1870 em uma das famílias mais abastadas da Inglaterra. Dizer que éramos ricos era um eufemismo. Eu tinha tudo que eu queria. Como uma criança, se eu precisasse de um brinquedo, meus pais me davam sem nenhum problema. Na verdade, eu sempre os quebrava por pura birra. Fazia isso para meus pais me darem outro.
Estudei nas melhores escolas do meu país. A mensalidade custava dez vezes o salário médio na época. Mesmo assim, eu não gostava de estudar e cabulava todas as minhas aulas por pura diversão. Quase reprovei em matemática, mas meus pais deram uma quantia para meu professor para ele me passar. Outros professores tinham medo de me dar notas baixas, devido à influência da minha família. Se eles fizessem alguma bobagem, teriam que ser ver com meu pai, que não deixava barato para quem fizesse algo de errado com seu filho.
Me lembro de ter doze anos e decidir aprender violino. Minha mãe contratou a maior violinista da Europa. Ela saiu da Suíça, onde morava, para me ensinar. Eu disse que queria estudar por cinco anos a professora foi paga adiantado. Meu instrumento também foi comprado de um marceneiro especializado que vivia na França. Porém, um mês depois eu desisti de estudar música, e minha mãe teve que pagar tudo, já que não pôde devolver o dinheiro.
Outra proeza que fiz na infância foi quando, aos catorze anos, tive vontade de viajar pelo mundo. Meus pais, que não me negavam nada, me presentearam com uma viagem pelos cinco continentes. Passei dois anos conhecendo diversos cantos inóspitos do planeta, aprendendo várias línguas e me esbanjando com o dinheiro que tinha.
Quando me tornei adulto, não sabia fazer nada. Minhas dezenas de serviçais cozinhavam, passavam e até me vestiam. Eu nunca tinha trabalhado um dia sequer da minha vida e também nunca cheguei a concluir a escola.
Minha vida adulta foi pura curtição. Sempre ia nos bares mais caros de Londres nos quais me deitava com as mais belas prostitutas. Nenhuma mulher decente sequer quis se relacionar comigo. Na verdade, eu que me afastava delas, já que elas poderiam estar comigo por interesse.
Assim fui vivendo a minha vida. Acreditava ser o máximo, mas não passava de um fracassado. Só me dei conta disso depois.
Meus pais, já velhinhos, se incomodavam com a grande quantidade de dinheiro que eu desperdiçava e queriam, é claro, que eu estudasse e conseguisse uma profissão. Meu pai, advogado, tentou me levar para conhecer as leis e minha mãe, médica, quis me ensinar o funcionamento da anatomia humana. De nada adiantou. Eu continuei o mesmo de sempre.
Quando fiz 30 anos, já estava cansado de tudo. Só queria descansar. Mesmo assim, ter muito não me bastava. Eu queria conquistar algo mais. Queria ter algo que ninguém mais tinha.
Àquela altura, meus pais já haviam morrido, me deixando com uma enorme herança para eu administrar. Eu, é claro, não cuidei dela sozinho; não tinha condições para isso. Me faltavam os conhecimentos de economia, finanças e matemática. Assim, contratei um homem muito talentoso para cuidar dos negócios da minha família que, na época, movimentavam toda a Inglaterra.
Me dei conta que eu queria ser alguém diferente, especial. A princípio, não contei nada a ninguém. Todos considerariam isso algo bobo, já que, para todos, eu já era alguém diferente e especial, devido às minhas riquezas. Assim, decidi meu verdadeiro sonho: iria conquistar a vida eterna.
Estávamos em 1900. A Inglaterra, a rainha dos mares, dominava todo o planeta. Apenas ser inglês me fazia ser respeitado em qualquer lugar do mundo. Assim, com meu passaporte, podia visitar qualquer parte do Império Britânico, o que era praticamente metade do planeta terra.
Junto com o homem talentoso que cuidava dos negócios da minha família, eu me mudei para a Índia, até então parte do domínio inglês. Dessa vez, decidi não ficar nas grandes cidades e, em vez disso, ficar nas regiões rurais em busca de um pouco de sabedoria. Talvez lá eu encontrasse a minha vida eterna.
Foi lá que me deparei com a minha sórdida miséria que eu já presenciei na vida. Me dei conta de que lá havia pessoas que sequer tinham o que comer. Eu não tive compaixão com elas. Tinha certeza de que elas não conseguiram nada na vida porque eram preguiçosas e não se esforçaram o suficiente.
Eu me esforçava para dar algumas esmolas para os fazendeiros miseráveis. Eles mereciam um pouco, mas não muito. Fazia questão de calcular sempre a medida certa de dar a eles porque eles poderiam se acostumar mal.
Foi lá que eu conheci o homem que me fez imortal. Era um velho senhor que fez questão de não me dizer seu nome. Até hoje me lembro de suas palavras, pronunciadas em um inglês macarrônico:
– Você tem certeza de sua escolha? Você pagará um preço muito alto por ela.
– Tenho. Quanto você deseja? Posso te dar todo o dinheiro do mundo.
– Não quero dinheiro. Já tenho tudo o que preciso. Acho que o dinheiro não é necessário para ter uma boa vida. Ninguém que conheço tem condições, e todos são muito felizes. Além disso, vou morrer em pouco tempo. Logo em seguida, vou viver uma bela vida fora do meu corpo material.
Parei para pensar no porquê do homem que tinha o poder da imortalidade querer morrer.
– Tudo que você precisa é dessa erva – me disse, me oferecendo, logo em seguida, uma certa gramínea cujo gosto eu já não me recordo – Mas lembre-se: você vai se arrepender.
Na hora, não lhe dei ouvidos. Eu era um jovem arrogante. Hoje já sei que os pequenos momentos que passei com esse jovem senhor foram os mais felizes da minha vida. Foram, na verdade, os únicos instantes nos quais fui feliz.
– Venha jantar comigo – ele disse – Não se preocupe. Você não terá que pagar nada.
Ele me chamou para entrar em sua choupana de palha. Lá, me disse para provar a mais fina culinária indiana, caracterizada pelo extenso uso de temperos e vegetais.
– Você não precisou de dinheiro para provar essa deliciosa refeição.
Mas na hora pensei que ele estava brincando. Hoje me arrependo de não ter vivido mais tempo como esse senhor hindu. Me custa muito pensar que nunca serei como ele.
Me despedi e tentei oferecer-lhe uma enorme quantia de rúpias. Ele não aceitou.
Quando voltei para casa, eu ainda era o mesmo. Igualmente arrogante, embora imortal. No começo, minha imortalidade não estava clara. Eu ainda aparentava ser um jovem como todos os outros.
E assim vinte anos passaram. Cinquenta. 100. Todos esses dias são, para mim, como um piscar de olhos. Eu me deparei com a Primeira Guerra Mundial, a Crise de 29, Nazi-Fascismo, a Segunda Guerra Mundial e ainda todos os conflitos gerados pela guerra fria. Em 2008, vivi uma outra crise e, em 2016, o Brexit. Agora aqui estou eu em 2021 durante a pandemia do coronavírus.
Eu pude me proteger das guerras mundiais e das crises graças à minha herança, mas por volta dos anos 1960, a riqueza da minha família começou a acabar. Depois eu descobri que o homem que cuidava dos meus negócios roubava parte do meu dinheiro. Fiquei com muita raiva, mas ele já havia falecido. Passei por maus bocados. Nos anos 90, pela primeira vez, senti fome.
Eu já era um homem velho. O que o velho senhor não me disse é que a vida é para sempre, mas a saúde, não. Assim, eu sofro de todas as doenças que um senhor de 150 anos teria. Meu corpo dói. Eu não sinto mais vontade de viver.
Eu tentei trabalhar. Mas ninguém quis aceitar um homem inválido como eu. Hoje, na Inglaterra, todos exigem qualificação, coisa que eu não tenho.
Agora passo todos os meus dias olhando para o teto, já que nunca aprendi a mexer no computador. Tento ler, mas minhas vistas doem. Tudo que eu quero é morrer para ter um pouco de paz. Mas sei que viverei o resto dos meus dias em completa aflição... O velho tinha razão. O velho tinha razão...
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Contos fantásticos
Short StoryExperimente nessas páginas histórias que não passam no mundo real. A maioria delas passam em uma época distante da nossa, embora não seja especificado quando. Aqui você encontrará todo tipo de ser mágico, bem como várias sociedades ficcionais. Seja...