A história que vou contar para vocês aconteceu muito tempo atrás. Naquele tempo, nem os avós dos meus avós estavam vivos, muito menos os avós deles. Aquela, meus amigos, era uma época muito diferente da de hoje em todos os sentidos. Não havia cidades nem grandes aglomerações de pessoas, de modo que todos ou quase todos viviam no campo. Ocupavam-se de afazeres triviais, os quais poucos consideram importantes hoje em dia. A escrita era conhecida por apenas alguns eruditos; a grande maioria da população se expressava unicamente pela oralidade.
Mas a maior diferença entre hoje e aqueles tempos é o modo como os animais se relacionavam com os seres humanos. Enquanto agora os bichos são apenas um objeto de decoração, outrora ocupavam o centro da vida das pessoas. Basicamente, a Terra girava em torno da fauna que existia em cada região.
Mas mais surpreendente ainda do que a presença dos animais no cotidiano, era o estranho dom que dispunham: eram capazes de falar. A razão pela qual hoje em dia apenas o homem é dotado do dom da linguagem aconteceu graças ao castigo dado aos animais pelos deuses. Mas esta história fica para outro dia.
Hoje vou falar para vocês sobre uma adorável criança de idade indeterminada. Naquele tempo, pouco importava quantos anos tinha alguém, já que a contagem do tempo simplesmente não existia. Naquela época, as horas apenas passavam sem que houvesse preocupação alguma em medi-las.
A criança não tinha nome. Naquele tempo, animais e humanos não recebiam nome algum. A população do vilarejo a que nos referimos era tão pequena que não havia necessidade de nomear os seres, pois todos conheciam um ao outro tão bem como a si mesmos.
A criança da qual vou falar hoje gostava de caminhar pelos bosques nas suas redondezas. Ela não imaginava, porém, como sua vida seria duramente impactada por esse ato banal de perambular pelos arredores de sua moradia.
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Um belo dia, em busca de um pouco de oxigênio, saiu de casa relativamente mais cedo do que o usual. No tempo a que nos referimos, o ar nas florestas era tão limpo como o mais verde bosque tropical da atualidade.
A criança, longe de seus pais, pôs-se a saltitar livremente pelas entranhas das árvores. Feliz em sua inocência, nem se deu conta do perigo que estava por aparecer. Sem mais nem menos, escutou uma estranha voz que vinha dos galhos:
– Olá, bela criança? Como vai?
– Quem é você?
– Ora, você não respondeu à minha pergunta.
– Estou bem...
– Não consigo te ver.
– É porque eu sou muito feio. Mas se você me prometer não ir embora, eu apareço.
O animal apareceu. Era diferente de tudo que a criança já havia visto. Tinha duas asas e um pequeno corpo peludo. Pequeno, escuro e ossudo, o animal transparecia a maior tristeza que havia no reino dos animais.
– Que tipo de animal você é?
– Sou um morcego.
– Nunca vi um morcego. Vocês são estranhos.
– Mas não é para mostrar meu belo corpo que apareci. Eu só saio da minha caverna muito de vez em quando. Os raios de sol me ofuscam. Mas vim aqui para te oferecer uma proposta.
– Qual proposta?
– A proposta de uma vida melhor.
– A vida já é perfeita do jeito que está.
– Você entendeu errado. Eu te ofereço a chance de sair daqui.
– Ir para onde? Não há mais lugar nenhum para ir.
– Você pode conhecer outros mundos, sair da pequena bolha que existe onde você vive.
– Que bolha? Esse é o mundo real.
– Pois te ofereço a oportunidade de conhecer o mundo como ele de fato é.
Dizendo isso, o morcego ofereceu à criança uma pequena pílula rosa. Disse:
– Tome essa pílula e você conhecerá a realidade.
A criança tomou-a e se afastou da floresta. A princípio, não notou nada demais. Mas em seguida, se deu conta de um estranho silêncio vindo do seu vilarejo, bem como dos bosques mágicos. De algum modo, os cachorros, gatos, leões, elefantes e girafas não pronunciavam mais do que alguns grunhidos e barulhos esquisitos. O que aquela pílula mágica havia feito? Ela havia acordado a criança para a realidade!
Foi assim, meus amigos, que os animais deixaram de falar.
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Contos fantásticos
Kısa HikayeExperimente nessas páginas histórias que não passam no mundo real. A maioria delas passam em uma época distante da nossa, embora não seja especificado quando. Aqui você encontrará todo tipo de ser mágico, bem como várias sociedades ficcionais. Seja...