A história do estranho jovem na estrada

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Sou mulher, mas não tenho um esposo. Sou camponesa, mas sei ler. Desde criança sempre estive dentro das minorias, vivi toda a minha existência sendo uma exceção. Ser diferente não é nada fácil, mas nos permite perceber melhor nosso lugar no mundo.

Mas essa história não é sobre mim. Por mais diferente que eu seja, nada em mim se compara com aquele homem que conheci na estrada em direção ao meu vilarejo. Isso foi quando eu saía de uma bela taverna para voltar para casa.

Isso tudo aconteceu muito tempo atrás quando eu ainda era uma jovem imprudente. Naquele tempo, os árabes ainda não controlavam a Península Ibérica, e o nome Carlos Magno não era conhecido por ninguém nem no reino dos francos nem fora dele. Naquela época, as árvores eram mais verdes; o céu, mais azul e a primavera, mais florida.

Eu, uma moça inocente, tinha ido visitar minha avó no reino dos ostrogodos. Enquanto voltava para casa, parei para tomar um pouco de hidromel em uma região por perto. Me diverti, dancei, conheci vários homens e, quando me dei conta, já estava escuro.

Quando a noite caiu, eu, diante da beleza do luar, parei para voltar para casa. Mal esperava o que poderia encontrar pela frente. Naquele tempo, os esplendores da velho civilização romana ainda permaneciam vivos, de maneira que a estrada que percorri mantinha a aura dos tempos antigos.

Mal caminhei meia hora e encontro um jovem que parecia ter a minha idade; vestia roupas surradas e tinha a pele carregada de hematomas. Seu cabelo estava sujo, e sua pele, suada. Seus olhos ardiam a mais triste melancolia. Era possível sentir a tristeza no fundo de sua alma. Seu rosto transparecia a mais profunda dor que um ser humano poderia sentir.

– O que fazes por aqui tão sozinho? – perguntei.

– Silêncio – sussurrou – Eles podem me ouvir.

– Eles quem?

– Eles.

– Não estou entendendo.

– Moça, em nenhum momento faça o que eu fiz...

Dizendo isso, adormeceu. Quando acordou, já era dia. Eu, apesar de mal conhecer o rapaz, sentia uma profunda curiosidade por ele, de modo que queria conhecê-lo, entendê-lo e percebê-lo. Permaneci acordada até o amanhecer, quando o raiar do dia o acordou.

– Obrigado por esperar-me – disse ele – A maioria não espera.

– Sou uma boa cristã.

– Eu te contarei a minha história – falou – Mas em troca você precisa me fazer um favor.

– Que favor?

– Só te direi depois de te contar.

E, assim, o jovem começou sua história:

"Venho de um pequeno vilarejo perto das montanhas. A minha casa era pequena, meu gado, reduzido, e minha renda, modesta. Quando criança, eu não conhecia nada além da mais sórdida miséria e, por isso, comecei a trabalhar bem cedo. Fiz todo tipo de trabalho na área rural e não pude aprender a ler.

Mas dentro de mim me incomodava não ser como os nobres cavaleiros que ouvia nas histórias dos mais velhos. Fascinado, eu sonhava em um dia salvar donzelas indefesas, lutar contra os malfeitores e, como um justiceiro, fazer alguma diferença no mundo. Mas eu, por mais que me esforçasse, não deixava de ser um pobre camponês.

Um dia, cansado de ser um João Ninguém, decidi tomar uma atitude: me tornaria cavaleiro. Mas o preço que paguei por isso foi muito caro.

Em primeiro lugar, tentei ser cavaleiro do modo tradicional. Conversei com vários nobres para ver se me aceitavam para passar pelo treinamento. Mas como você bem sabe, não é possível se tornar cavaleiro sem antes passar por uma longa preparação. Eles me diziam: "não se escolhe ser cavaleiro. Nasce-se assim".

Depois de muitos 'nãos', decidi eu mesmo me tornar cavaleiro. Mas como faria isso? Isso exigia muitas riquezas e conhecimento aos quais eu não tinha acesso. O segredo que encontrei foi apelar para o sobrenatural. Foi aí que cometi o erro que transformaria minha vida em um inferno.

Em uma noite de lua cheia, fui a uma encruzilhada e pedi às forças do mal que me tornasse cavaleiro. Chamei uma, duas, três vezes. Não aconteceu nada.

Uma semana depois, recebi uma resposta de um homem muito bem vestido em minha porta. Me disse:

– Nós ouvimos seu clamor. Faremos o possível para atendê-lo.

– Quem é você?

– Nós somos muitos e temos muitos rostos. Somos todos filhos de lúcifer.

– Vocês são... o diabo? E Deus?

– É como um jogo de xadrez. Somos peões que lutamos para defender o rei. O que você deseja, camponês?

– Desejo tornar-me cavaleiro.

– Seu desejo será atendido.

Dizendo isso, foi imediatamente embora. Não entendi nada.

No mês seguinte, eu recebi uma proposta de um nobre que vivia perto da região onde eu morava. Bateu na minha porta e disse: estamos recrutando camponeses que querem tornar-se cavaleiros.

O que eu poderia fazer? Saí da minha vida miserável e fui seguir meu sonho. Em dois meses, aprendi a ler e a escrever, manusear uma espada e usar uma armadura. Estava pronto para lutar. Assim, estava pronto para viver minha vida protegendo donzelas indefesas, matando bandidos imprudentes e salvando belas crianças.

Passei os últimos três anos na minha vida nos campos em busca de aventuras e felicidades. Vivi como um grande cavaleiro que sempre sonhara ser. Nada poderia dar errado.

Eu me tornei famoso. Todos queriam conhecer o cavaleiro de origem camponesa que aprendera a arte de lutar tão rapidamente. Mas eu era invencível. Nem o mais hábil espadachim ou arqueiro podia me derrubar.

Mas um belo dia, quando eu acordei em meu palácio, tudo estava em chamas. Alguém havia incendiado o castelo onde eu morava sozinho com meus criados.

Quando saí, uma multidão enraivecida me esperava. Eu não entendia o que havia feito, mas esperto que era, fugi.

Corri por dias, mas uma hora me encontraram. Apenas uma dúzia de homens me viu, mas fizeram muitas maldades comigo. Eu nem consigo explicar tudo que foi feito. Mas eles tiveram piedade. Disseram: 'podes ir embora, mas não finja ser cavaleiro porque não o és.' Tiveram compaixão, coisa que eu não tive com meus inimigos.

E aqui estou eu."

– Qual o favor que você quer que eu faça?

– Conte às pessoas que me atacaram a minha história. Elas precisam saber que eu não sou um cavaleiro.

Dizendo isso, o jovem deu um último suspiro e morreu.

Eu estou escrevendo essa história para cumprir a promessa do Estranho Jovem na Estrada. Se o que ele dizia era verdade, você, leitor, já sabe o que aconteceu.

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