Pensei, de subito, que após a meia noite tudo que havia de errado voltaria ao eixo. Tolice minha.
O ano passado se foi como uma onda de tsunami: Penentrou com suas águas vorazes dentro das estruturas que me eram tão familiares e as puxou para o fundo do mar. Sim, o mar – logo para mim que mal sei nadar. De onde, provavelmente, nunca mais as recuperarei.
Passado o tempo desde o tsunami, já havia me acostumado com a paisagem sem os prédios que ergui. Passou tempo desde o tsunami, já havia erguido uma moradia que me parecia boa e sólida. Um vento mais forte soprou na praia aquela noite e só então percebi o quão frágil era meu abrigo. Então notei que, passado o tempo desde o tsunami, ainda não conseguia andar com os pés na água.
Sentado na praia, naquela noite, lembrei sem querer de como era tudo antes da tormenta. Como a cidade era iluminada e cheia de vida, como eu sorria entre as paredes que eu tinha certeza que nunca cairiam, como tudo tinha um cheiro agradável que transmitia agitação misturada com certeza. Como todos os dias eram cheios de diversão nas ruas e como os fins de semana eram coloridos com pipas e fitas por todo o céu. Eu senti um abraço conhecido e notei que estava dormindo e acordei assustado e culpado, porque já tinha decidido esquecer de como era a cidade e substituir essas memórias ternas com a sujeira que existia por baixo: Do esgoto que escorria debaixo da rua, da água que invadia as ruas durante as chuvas inesperadas e como eu ignorava que, depois de cada tempestade, surgiram rachaduras nas bases, calçadas, escadas, cercas, no passeio público e no copiar.
No final das contas a cidade estava afundando em si mesma e inconscientemente eu estava "aproveitando cada segundo antes que isso aqui vire uma tragédia".A tragédia veio antes que eu pensava.
As bases, calçadas e tudo mais podiam ser consertadas, tudo podia ser remediado. Contornado.
Numa tarde a calamidade invadiu.
Eu imaginava que fosse só uma maré de ressaca e quando percebi era uma imensa onda surgindo no horizonte. O chão tremeu, o tempo parou. Apertei contra o peito tudo que deu tempo de salvar e fui levado pelas águas sujas. Não pensem que foi rápido, não, foi lento e agonizante. Machucou muito e abriu feridas profundas.
Em algum momento, eu não lembro exatamente qual, a água salgada que veio do mar me parecia mais com minhas próprias lágrimas. O pânico, a ansiedade, o medo. Prédio por prédio desabando em torno de mim. Estridentes marquises em romper alardioso. Haviam duas vozes e uma delas foi junto de todo o resto para o fundo do mar, por um momento, desejei que nunca mais retornasse.
A cidade me pareceu claustrofóbica, barulhenta e problemática. Quando o mar arrastou tudo senti um alívio nos primeiros três segundos, seguidos por um pranto que ainda me assombra. Sobrou, neste ilha, apenas eu e a areia – as vezes penso que eu mesmo me fui com o oceano e o que sobrou foram apenas meus sapatos.
Eu encontro meus sapatos, mas não me encontro. Me procuro, desaparecido. Espalho cartazes em uma ilha inabitada. Até hoje não me encontrei e sigo andando pela praia com meus sapatos nas mãos, na esperança de me encontrar.
Você foi a tormenta que varreu tudo o que eu tinha de certo para mim, deixou só os calçadaos e a areia.
(A)Mar, tão grande, tão vasto, tão profundo e, igualmente, tão assustador.
Fazia muito tempo que não chovia e eu havia esquecido de como era ter medo da água, mas foi só uma estação. Quando as tempestades voltaram me fizeram reviver tudo de novo, tudo que eu tinha prometido esquecer. Me senti solitário de novo naquela ilha vasta e vazia. Minha companhia foi com a tormenta para o fundo do mar, na verdade, ele causou minha tormenta.
O ano mudou e o mar silencioso nunca pareceu tão imenso e eu, em conformidade, nunca pareci tão minúsculo.
Havia uma cidade aqui, não importa o quanto eu ignore, havia uma cidade que foi engolida pelo mar. O que eu posso fazer é esperar, que a vida retorne para a ilha que um dia vai brilhar novamente e seu céu vai estar colorido com pipas e fitas mais belas que as de outrora, dançaremos no ar. Eu e você que eu ainda não sei que é.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Rabiscado e Rimado
PoetryPoemas de autoria de Edgar F. Netto. Uma simples sinopse não comportaria As palavras que quero depositar, E tentando tornar noite em dia poucas palavras tentarei rimar...