Em casa
- Onde estava? Nunca mais faça isso! - minha mãe me abraça assim que entro em casa.
- Desculpa. Não irá se repetir – abaixo o meu olhar.
- Tudo bem - minha mãe deixa seu tom de voz mais suave.
- Posso vê-lo? - agora olho para os seus olhos.
- Deve - ela me solta - está no quarto - assinto e subo as escadas em direção ao quarto de meu pai.
Bato na porta à espera de um "entre", porém, me lembro que não vou ouvir, então entro. Pisco várias vezes antes para dissipar as lágrimas que formaram.
- Como está? - vejo ele deitado olhando para o teto. Assim que ouve minha voz, olha pra mim e depois de volta para o nada - vim vê-lo, saber se precisa de algo - ele me lança um olhar de deboche, enquanto que sento ao seu lado.
Sei que é por causa da minha demora. Se eu quisesse mesmo, teria vindo direto da escola.
- Eu tive um desvio - nem me olha - já parou pra pensar que se eu não me importasse não estaria nem aqui? Você não foi o melhor pai do mundo! - me irrito com a sua ignorância - eu já vou - suspiro e me levanto, porém, ele segura meu pulso. E ainda me lança um olhar, se eu estiver interpretando corretamente, de pedido de desculpas. Não aguento e o abraço.
Ele é meu pai e eu o amo. E mesmo ele nunca demonstrando, sei que sente o mesmo por mim também. Agora eu consigo enxergar. No entanto, meu coração e consciência ficam em batalhas constantemente.
E com minhas descobertas, quero perguntá-lo, mas sei que agora não é o momento, por sua condição. Entretanto, nesse quarto, nesse momento, minha consciência ganhou a batalha.
- Pai? - ele me olha e dá um sorriso de lado - quem é Melinda Solis? - sua expressão vai do calmo para o irado. Vejo uma mistura de decepção com raiva em seu olhar. Todavia, arisco em continuar - me encontrei com ela. Por que eu e a filha dela somos tão parecidas? Temos a mesma marca de nascença - já é impossível segurar as lágrimas - Você mentiu pra mim! - pego a minha mochila que eu havia jogado perto da porta e retiro as fotos para mostrá-lo - o senhor traiu a mamãe! - mostro a foto dele abraçado com a mulher - seu olhar ganha mais intensidade, mostrando que eu devia parar.
Mas sou eu teimosa, como meu pai.
- Você é pai da Priscilla Solis? - mostro a foto da garota com a marca no braço igual a minha e de meu pai - eu preciso de uma explicação! - sua fúria aumenta, sinto até um pouco de medo. Ele se levanta, pega meu braço brutalmente e me empurra quarto a fora.
- Me solta! Está me machucando! - tento me soltar, mas é inútil com sua força somada a ira. Quando chegamos na porta, ele me olha nos olhos, me solta e fecha a porta na minha cara.
- Seja homem e admita! - bato na porta. Agacho e começo a chorar. Onde eu estava com a cabeça?
- Eu posso explicar - minha mãe aparece no início do corredor. Minhas lágrimas sessam com a surpresa - mas tem que me prometer que...
- Me diga! - me levanto, tentando soar determinada - agora!
- Vamos pro seu quarto primeiro - ela olha pra baixo e vai em direção ao meu quarto, enquanto que eu a sigo, fitando seu ombro.
- Quero a verdade! - fecho a porta assim que eu entro, enquanto que minha mãe se senta na minha cama.
- V-você tem...
- O que? - incentivo a continuar, visto que ela parou de falar.
- Uma irmã - ela grita em desabafo.
- Você sabia esse tempo todo? - meu coração, antes acelerado de ansiedade, para abruptamente por um segundo. O que mais me chateia, não é eu não saber, mas sim, eu ser a única a não saber e Malala ainda concordar!
- Tenta me entender...
- Entender o que? Como pôde viver esse tempo todo sabendo da existência de uma filha?
- Você não está entendendo...
- Realmente! Não entendo e nunca vou entender! - berro e saio do quarto. Não aguento olhar para a cara dela.
Começo a seguir o rumo do corredor, pensando. Sei que tem muitas outras coisas para serem ditas. Mas não aguento! Me sinto sufocada, minhas pernas ameaçam a falhar, me trair e me jogar no chão. Sinto meu corpo frio, como se fosse feito de gelo. Já não enxergo mais nada, meus óculos embaçados pelas lágrimas que não têm dó de cair. E minha garganta em um nó, prendendo a passagem para eu respirar e me impedindo de falar.
Quero ir embora dessa casa, mas receio não conseguir de alguma forma. Meus amigos seriam uma boa saída, se eu estivesse com o meu celular, no entanto, está na minha mochila, no quarto de meu pai. Que agora, provavelmente, não me quer ver nem pintada de ouro.
Se eu voltar, posso dar de cara com a minha mãe e eu não quero isso. Se eu continuar pra frente, vou dar de cara com uma janela diferente dos outros cômodos. E de baixo dela, há uma "escadinha", igual a que fica de baixo da varandinha do meu quarto.
Com as decisões em minhas mãos, decido seguir em frente. A janela não dá para abrir, mas dá para quebrar. E, com esse pensamento louco, jogo o vaso ao meu lado nela, fazendo um buraco perfeito para eu passar. A adrenalina corre em minhas veias.
Desço e começo a correr até eu avistar o jardim. Acelero o passo e, ao ficar no centro, me jogo na grama para as minhas lágrimas poderem cair sem que ninguém possa vê-las. Me sinto em paz aqui.
O canto dos pássaros ao meu redor me encanta os ouvidos. O farfalhar da grama alta me faz cocegas, de um jeito muito agradável. A luz do sol me incomoda, então tiro meus óculos e tampo meus olhos com o braço e apenas absorvo o final de luz do sol que recarrega minhas energias.
Esse era o meu jardim quando pequena, afastado da casa, com a energia carregada de positividade. Porém, meu pai fechou os portões, nunca soube o porquê. E para compensar, fez outro na frente da casa, mais próximo. No entanto, não é o mesmo.
E agora, esse está todo maltratado, abandonado. Todavia, continua sendo o meu cantinho. Antes, eu não era capaz de contrariar meu pai. Agora, vou reabrir os portões com ou sem o consentimento dele. Vou cuidar e deixar como me lembro.
A raiva dá espaço para o alívio. Me sinto calma, racional, novamente. E as lágrimas são trocadas por um ataque de riso. Acho engraçado o fato da casa - eu diria uma mansão - ter um jardim abandonado nos fundos, onde eu precisei quebrar a janela para chegar.
Adormeço enquanto meus pensamentos estão com certa alegria, antes que minha decepção, raiva e indignação volte.
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A Descoberta De Quem Sou
Teen Fiction🏅 Menção Honrosa - Deuses Literários 🏅 Vitória França é uma garota de 17 anos, filha de Theo França e Malala, tem duas amigas, Ágata e Miranda, e um namorado, Thomas. Uma vida perfeita, amigas para todos os desafios, um namorado dos sonhos e uma f...