Capítulo 11

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Ele atirou. Ainda não acredito nisso. Ele atirou. O homem que tinha tudo, atirou. O homem que podia mais, atirou.

Mas por minha sorte, o que é raro demais, não chegou nem perto do seu crânio. Eu o salvei. Eu o salvei. Eu estava em débito. Mas eu o salvei.

O disparo acertou o chão, no mínimo um copo de suco que caiu na água. Eu arranquei a arma que um dia me salvou de sua mão e a joguei na água. Nós nos encarávamos com expressões diferentes. Ele estava com lágrimas nos olhos e simplesmente chocado e eu estava com lágrimas nos olhos e furiosa.

-No que... Você estava pensando... -ofeguei.

Ele não disse nada.

-Você... NÃO PODE FAZER ISSO COMIGO! CONOSCO! VAI DEIXAR A SUA ESPOSA E CRIANÇAS SOZINHAS?! É ISSO QUE VOCÊ QUER?! DEIXA O SEU EGO DE LADO POR UM INSTANTE EU PODIA TER TE PERDIDO MAS NÃO PERDI! NUNCA MAIS ME DEIXE SEU DESGRAÇADO! -gritei e me agarrei no suéter dele, chorando e com raiva- VOCÊ NUNCA DEVIA TER ACEITO AQUELE EXPERIMENTO! PENSE EM VOCÊ PRIMEIRO POR UMA VEZ NA VIDA!

Logo, senti um tapa na minha cabeça. Algo que já estava acostumada a sentir.

-Calada. -ele falou. - Cale a boca por um segundo.

Silêncio. Nos dois chorávamos e olhávamos um para o outro. Queríamos entender o que cada um tinha feito. Onde erramos. O que fizemos de errado. Tudo isso parecia muito estranho.

De repente, ele me abraçou firmemente e chorou, mas eu chorei também. Eu temia nunca mais sentir aquele abraço novamente, aqueles olhos verdes penetrantes e alegres, aquele sorriso que derrete qualquer um. Ficamos ali, ele apertava meus ombros.

-Estou aqui... -ele soluçou- Não vou a lugar algum.

Tirando o dia do enterro da minha mãe, eu nunca vi um adulto chorar assim. Um homem chorar não e "feminino" ou "coisa de viado", é exatamente como as mulheres choram. Algo tão horrendo e cruel dentro dele o queria que fizesse isso. Como um bonequeiro controlando uma marionete. Ele não queria isso. Eu sei que ele não queria.

Sentamos em um banco perto do rio, mas eu recusava me largar dele. Eu o abraçava tão firmemente que as pontas dos meus dedos ficaram brancos.

-Me perdoe. -ele suspirou e limpou as lágrimas na manga do suéter- Foi algo ridículo, eu sei.

-Eu sei, sei o que te causou... -sorri para ele- É tudo culpa daquele japonês idiota.

-Pois é... Muito obrigado. Por me salvar.

Uma pausa.

-Steph... -disse- Por que está sempre com esse suéter?

-Era do meu pai. -ele respondeu- É a minha única lembrança dele.

-E da sua mãe? Alguma lembrança dela?

-O violino. Eu não sabia tocar quando pequeno, foi ela quem me ensinou a tocar... -ele sorriu e massageou eu cabelo. Era ótimo saber que ele não morreu. Eu geralmente não gosto da sua arrogância ou dos tapas que ele me dá, mas nunca me senti mais feliz de ter alguém por perto.

-Eu estava em débito com você... Agora paguei minha dívida. -sorri para ele.

-Cala a boca. Somos amigos. Não há "débito" ou "dívida". Protegemos uns aos outros por que sabemos que é o certo. Se fizesse isso por causa de "débito", não seria amizade. Pense nisso.

Com isso, ele beijou minha testa e me abraçou firmemente. Eu ainda estava chorando. Eu não queria nunca mais que ele fizesse isso (mas ele não iria por que eu taquei a arma dele no rio).

Caminhamos todo o caminho até a casa dele, acho que passamos uma meia hora conversando e gritando um com o outro. Quando ele abriu a porta, Jean Marco estava chorando e correu para abraçá-lo. Assim que ele me levou para o sofá, Katherine andou até ele com lágrimas nos olhos azuis dela. Ela não tinha coragem de dar um belo dum tapa na cara dele. Nem se quisesse. Ela o amava demais, aquilo seria muita agressão para os dois. Ela segurou o rosto dele e o beijou, mas tinha lágrimas nos olhos. Ela estava feliz que ele não havia morrido. Todos estávamos.

Jean olhou para mim e me abraçou fortemente, depois me deu um beijo. Ele me agradeceu demais por ter salvo o irmão mais velho dele, era incrível ser vista como uma heroína pelo menos uma vez na vida.

-Muito obrigado... -Jean sorriu. Eu passei a mão no cabelo dele, os fios eram macios e suaves, assim como o do irmão dele.

Katherine estava abraçada em Stephano o mais firme que conseguia, sorrindo calorosamente. As crianças estavam dormindo, então não precisariam saber o que tinha acontecido. Era melhor assim.

Bem, depois de todo esse drama, Katherine me abraçou e me agradeceu com todo o coração por ter salvo o marido dela. Com certeza, Katherine era a melhor esposa que alguém poderia ter.

A noite acabou melhor do que eu esperava. Eu e Jean Marco passamos a noite tentando virar The Legend of Zelda enquanto Stephano e Katherine foram para o quarto das crianças, para que pudessem saber que o pai ainda estava vivo. Alguns dos meus colegas antigos tinham pais que eram mortos na cadeia ou fugiam por causa de crimes, mas nunca de um pai que se suicidou, ainda mais com crianças tão novas. Fico feliz que esteja vivo, nem sei o que faria se não estivesse.

Como sempre, Jean era péssimo jogando, mas acho que dessa vez ele fazia de propósito para eu ajudar ele. Ele é um fofo.

E o meu pai? Ele me disse que cobriria o turno da madrugada do amigo dele e que não voltaria. Pois é.

Jogamos Zelda, Mario, Metroid, Portal, tudo o que era jogo nós jogamos, mas depois da meia-noite, começamos a cansar. Jean desligou o console e nós conversamos sobre assuntos interessantes, como piercings e tatuagens, assuntos sociais recentes, por que Steph quase se matou, coisas assim. Era tudo muito interessante. Era incrível falar com ele. Finalmente alguém queria falar sobre isso comigo.

Quando já estávamos cansados o bastante, ele pegou um cobertor e assim dormimos, aquecidos e alegres por uma morte a menos na estatística.

A Voz Oculta (A Portadora dos Sonhos 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora