Capítulo 15

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[Terceira parte do registro de Stephano]

06:20-

Acordei no banheiro do meu quarto, nem me lembro do que aconteceu ontem. Minha cabeça não estava mais doendo e estava sem enjôo. Mas estava com fome. Rapidamente escovei os dentes, escovei o cabelo, me arrumei e corri para fazer o café da manhã. Katherine e as crianças ainda estavam dormindo, o que era ótimo. Hoje foi um dos únicos dias que Jean Marco dormia no seu próprio quarto (no qual era uma verdadeira bagunça, pois ele não quer arrumar o quarto).
Enfim, preparei uma xícara de café e umas panquecas. Enchi uma caneca e comecei a tomar, mas é claro o demônio apareceu. Ele fez sua pior tortura. Simplesmente me encarou sorrindo enquanto zumbidos e sons muito agudos eram ouvidos. Eu olhava para ele, quanto mais eu olhava para ele, mais altos os sons ficavam.
Fui interrompido pela imagem de Valquíria, olhando para mim com preocupação. Tomei um gole e sorri para ela, voltando minha mente à realidade.

06:30-

Por mais que eu quisesse sair de casa cedo, minha esposa quis conversar comigo. Talvez ela tenha me encontrado dormindo no banheiro ou me ouvido durante a noite. De qualquer maneira, ela parecia muito preocupada comigo.
"Querido." Ela disse, segurando minha mão "Preciso falar com você."
Valquíria estava esperando no carro, então não nos ouviria.
"Você ainda muito estranho. Recentemente te ouvi no banheiro, algo como uns murmúrios e coisas assim. Está tudo bem?" Ela me perguntou.
Ela sempre sabe quando estou mentindo, mas não poderia falar para ela sobre o experimento. Aquilo era algo que eu precisava tratar, mas tinha que contar a ela.
"Bem, apenas não consigo dormir. Não deve se preocupar comigo, estou bem." Sorri para ela e me despedi. Ela estava bem preocupada, mas ficaria mais ainda se soubesse que eu poderia me matar.

07:10-

Chegando lá, já sabia que receberia más notícias. Acontece que ontem, Shakur havia se enforcado no banheiro do apartamento dele. Ao ouvir isso, sabia que depois era sua irmã e depois eu.

Eu tentava consolar Clarence, mas ele não parava de chorar. Ele é o tipo de pessoa que não leva a morte com muita facilidade, claro, mas especialmente suicídios. Eu não queria deixá-lo sozinho, chorando por dias, mas era inevitável. Eu queria tentar evitar, mas não sabia como.

Não demorou muito para Valquíria fazer alguma piada enquanto tentava consolá-lo. Que peste.

O dia ia piorar. Eu sentia isso. Oni olhava para mim como se quisesse falar "Por que você não morre logo?". Por algum motivo, ele achava ótimo matar e torturar pessoas, até seu único filho. Já foi acusado de muitos homicídios, muitas pessoas do grupo já o viram ele cometer mortes e bater no filho, mas sempre que éramos pegos, Oni nos ameaçava a morte. Sempre acontecia. Agora estava tentando um novo jeito de morte, uma droga que fazia a própria vítima se matar.

A hora do almoço estava próxima. Se eu comesse algo passaria mal, então não conseguiria comer nada. Não faria nenhuma diferença, morreria mesmo assim.

20:50-

Valquíria está em um encontro com um garoto do grupo, não tenho palavras do quão chateado Jean ficou. Era raro ele gostar de uma garota como ela, na escola dele ele não tem amigos e não consegue se enturmar. Pobre garoto.

Eu juro, não conseguia comer. Eu estava faminto, mas me sentia horrível. Apenas tomando água e uns antiácidos, nada melhorava.

Nem consegui jantar. Eu e Katherine iríamos olhar A Laranja Mecânica, algo que não fazemos a muito tempo, olhar um filme adulto, só nós dois.

Jean foi chorar e jogar no quarto, como sabia que não teria mais chances com a Valquíria e as crianças estavam muito cansadas, então foram dormir. O filme é muito violento e pornográfico, mas é incrível. Sempre quis olhar filmes históricos com alguém que eu amava, Katherine foi ver comigo De Volta para o Futuro e foi aí que começamos um relacionamento sério.

Ela ainda não sabia. Mas ela sabia que tinha muita coisa de errado com minha mente. Depressão, stress pós-traumático, TOC... Às vezes tentava me suicidar quando era adolescente, mas assim que conheci ela nunca mais precisei.

Esfreguei meus olhos, me sentia péssimo. Não comi o dia inteiro e estava com vontade de vomitar.

O filme acabou e já eram 10 da noite. Mandei uma mensagem para Valquíria para vir imediatamente para casa, ou o pai dela me matava.

Enfim, nós dois fomos para cama, apenas esperei ela adormecer para que eu possa tentar entender o que sentia.

03:40-

Há um quarto bem no andar de cima da nossa casa, uma casa que era dos meus avós, onde minha mãe praticava o violino e tinha encontros com meu pai. Eu raramente ia naquele quarto, mas eu precisava.

Arranhava minhas unhas no papel de parede quebradiço para não poder me ferir. Ainda bem, era tão em cima o quarto que ninguém poderia me ouvir. Esmurrei meu punho em um espelho, os cacos cortando minha mão e dedos. Olhei para o meu espelho no que sobrou do espelho, eu tinha lágrimas nos olhos e sangue na minha mão direita. Andei direto para o quarto e achei o velho violino da minha mãe.

Lembro dela me ensinando, eu tinha cinco anos. Foi dois anos antes deles morrerem junto com minha irmã. As únicas lembranças que tenho dos meus pais e minha irmã são o suéter e o violino.

Tirei-o da caixa junto com umas folhas, As Quatro Estações de Antonio Vivaldi. Coloquei-as em um suporte e encostei o violino no meu ombro, segurando o arco com minha mão direita. Começando a tocar, esqueci dos meus problemas. Era como ter cinco anos de novo, sem demônios, sem mortes, apenas a alegria de tocar um instrumento com minha mãe.

Esqueci que meu tempo estava acabando. Esqueci da minha fome. Às vezes é bom se desligar do mundo real e se concentrar apenas na sua própria saúde mental, mesmo que a minha fosse limitada.

A Voz Oculta (A Portadora dos Sonhos 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora