Traumas que Ainda Assombram

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Delilah

― O que eu devo fazer? ― perguntei colocando sobre a mesa minha tesoura especial para canhotos, sem saber exatamente onde colocar as mãos já que eu estava costurando antes de ele entrar como se o cômodo lhe pertencesse.

George me deu um olhar torto e um sorriso:

― Não sei, continue trabalhando suas mãos mágicas, eu vou apontar com o celular e tudo o que você tem que fazer é me cumprimentar e agir legal, como se fosse algo natural.

"Agir legal" era a coisa mais baixa na minha lista de características, mas acenei e continuei mexendo minhas agulhas enquanto ele fingia entrar novamente e exclamava:

― Hey, Delilah!

― Olá, George ― dei um tchauzinho para a câmera como se ela não me fizesse sentir desconfortável.

― O que você está fazendo aí?

Com o lançamento do álbum novo e a preparação para o início da turnê se aproximando rapidamente, todos da banda e da equipe pareciam a ponto de surtar para garantir que tudo estivesse perfeito quando a data chegasse. Menos George. Ele estava tranquilo e divertido como sempre, invadindo a casa de Ian como se fosse sua própria.

― Algo especial para a festa de lançamento do Forgive ― respondi dando polegares para cima, o que já havíamos combinado que era o meu sinal de chega. Porque essa era minha vida agora, com os garotos sempre me cercando e colocando meu rosto nas redes sociais como se tivéssemos uma relação muito mais amigável que profissional.

― Vamos deixar Delilah trabalhar agora e eu vou responder algumas perguntas, sim? ― disse ele para a tela do celular enquanto saia do meu ateliê me dando uma piscadela antes de fechar a porta atrás de si.

O que realmente me perturbava naquela história, não era ter minha imagem estampada nas redes e sim o pensamento de que Caroline, que sabia do meu amor pela Lantern, pudesse vê-las e vir atrás de mim.

Aquilo era paranoia, ― Ian morava em um condomínio fechado, pelo amor de Deus ― e eu tinha plena consciência disso, mesmo enquanto eu furava meu dedo com um alfinete por estar distraída com esses pensamentos que não levavam a lugar nenhum.

Pegando meu caderno de desenhos, saí da sala, subi na minha vespa e fui até um parque próximo para tentar espairecer. Desenhei alguns modelos bonitos para o desfile que Theo tinha me prometido, mas eu ainda me sentia instável, então liguei para a única pessoa que me amava incondicionalmente:

― Mamãe?

― Oi, Delilah, querida ― ela pareceu surpresa, então: ― Está tudo bem?

― Esta ― respondi porque estava. ― Você está ocupada?

― Não ― eu quase podia ouvir o sorriso em sua voz. ― Você ligou no dia certo, estou de folga.

Dei um pequeno suspiro de alívio:

― Isso é bom porque eu só liguei por estar com saudades.

― Eu também, querida, nunca ficamos longe uma da outra por tanto tempo ― ela deu uma risadinha. ― Com exceção daquele acampamento de verão.

E eu ri também porque era inevitável. Eu havia voltado para casa depois de um mês no acampamento com a parte de trás do cabelo raspada e o que sobrou dele verde como limão. Não tinha sido um verão de boas escolhas para mim.

― Isso só prova o quanto eu preciso de você, mamãe, se em um mês sozinha eu fiz aquilo, imagine em um ano?

― Delilah, você tinha doze anos na época! Hoje já é uma mulher adulta e a mulher que eu criei tem total capacidade de se cuidar sozinha ― disse suavemente.

― Obrigada, mamãe ― respondi com um pouco da minha confiança renovada. ― Você sempre faz tudo ficar melhor.

― Tudo vai ficar bem, querida, sempre fica!

E dessa vez, eu acreditei nela.

Ian

Eu ouvi o baque, o som do vidro quebrando e do metal se retorcendo. Gritei, mas nenhum som saiu da minha garganta e tudo que eu pude fazer foi assistir Inez sangrar e morrer diante de mim.

― Ian, Ian ― chamaram-me chacoalhando meus ombros. ― Acorde, você está tendo um pesadelo.

Abri os olhos para ver a Princesa do Oregon pairando acima de mim.

Precisei de um minuto para respirar fundo e tirar aquela imagem perturbadora da minha cabeça. Eu estava deitado no sofá, percebi, devo ter dormido enquanto assistia um filme qualquer na tela plana, enquanto fingia que não tinha uma música presa na minha cabeça, implorando para sair, mas que de alguma forma, parecia incapaz de chegar até os meus dedos.

― Você está bem? ― Ela perguntou quando eu não disse nada.

― Estou ― respondi quietamente, a voz ainda rouca pelo sono.

― Sabe, ― disse ela após um momento ― eu costumava ter pesadelos também, depois do que aconteceu, e sempre me ajudava falar sobre eles.

Eu não queria falar sobre nada, mas em vez de dizer isso a ela, o que saiu da minha boca foi:

― Eu só queria ter uma forma de saber que estes sonhos não são reais ― eu me sentei e esfreguei os olhos, tirando da frente meus cabelos que estavam ficando longos demais. ― Acho que eles me assustariam menos dessa maneira.

Meus pesadelos começaram após a morte de minha irmã e eram muito piores quando eu ainda vivia na casa dos meus pais. Sair quase expulso de lá certamente não foi minha escolha e mesmo que racionalmente eu não quisesse, meu coração ainda doía por pisar novamente em uma terra que eu estava proibido de voltar.

Minha relação com meu pai sempre foi difícil. Inez era sua imagem e semelhança, destinada a cuidar de nossa fazenda desde quando ainda usava fraudas, Isabelle era a caçula, a princesinha da família, da ponta de suas tranças até as unhas do pé que ela começou a pintar de rosa assim que teve idade suficiente e eu era o rebelde, o que se rebelou contra as raízes por desejo de seguir seu sonho. Ele nunca escondeu seu desgosto por meus ideais, mas o acordo foi selado pela morte de sua favorita, ele mal podia olhar em meu rosto depois do acontecido e aproveitou para se livrar de mim assim que a oportunidade surgiu e tantos anos depois eu ainda estava banido de meu próprio lar.

― Bem ― começou ela me lembrando de sua presença e da nossa conversa em andamento ao se levantar da sua posição ajoelhada e se sentando ao meu lado no sofá confortável. ― É um fato conhecido que as pessoas não conseguem ler quando estão sonhando, que tal isso?

Dei um sorriso sem conseguir evitar para o seu tom de sabe-tudo:

― Você acaba de afirmar para mim que não é tão fã do Lantern quanto sua amiga garantiu, pois qualquer fã de verdade sabe que eu tenho dislexia e não consigo ler nem acordado ― provoquei de brincadeira.

Ela empinou o nariz em minha direção, claramente ofendida:

― Meu favorito sempre foi o George ― e depois com um tom mais pacificador: ― De qualquer forma, para mim sempre funciona checar partes do corpo, se algo está deformado então não é real.

― Tenho certeza de que isso pode ser ofensivo para alguém, mas ― engoli em seco: ― obrigado ― aquela era uma palavra que eu não costumava usar com frequência, mas sentia que precisava no momento, ela havia me ajudado, afinal, e não havia sido estranha ou invasiva sobre isso. ― Por me acordar e pela conversa.

― Não por isso ― ela se levantou, esfregando as mãos como se seu trabalho ali estivesse terminado. ― Lembre-se do que eu falei e espero que você consiga se livrar dos pesadelos como eu consegui.

Ela sorriu e saiu, me deixando atordoado e encarando a direção que ela havia escolhido por um longo tempo.

Talvez ela não fosse tão ruim assim.

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Sinto muito pela demora em postas, florzinhas do campo, era pra eu ter postado semana passada, mas fico tão doida com a faculdade que esqueci completamente. Perdão.Nesse capítulo a gente conseguiu conhecer um pouco mais do Ian e entender os traumas que ainda o assombram, será que é um começo pra Ialah?

A Chance de DelilahOnde histórias criam vida. Descubra agora