Solace

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[25 de Dezembro de 2020 (Dia de Natal) - 14h59, New York]

Droga.

Cacete, eu sou um ser-humano horrível.

Por onde eu começo a explicar? Acho que tem que ser algumas horas antes de tudo desabar.

Acordei naquela manhã de Natal com a pior dor de cabeça do mundo - consequência de ter passado a noite chorando. Meus olhos ainda estavam inchados e eu tinha dor nas costas por ter dormido no chão da sala. Minha casa estava completamente vazia e, nossa, nunca tinha desejado tanto ter a companhia dos meus irmãos. Ou de papai. Ou até mesmo de Jacinto - ele dava bons conselhos e fazia um bolo de limão muito bom.

Levantei melancolicamente e caminhei até a cozinha, me sentindo péssimo.

Olha, você precisa entender que não era meu plano. Eu não queria que tivesse terminado como terminou. Mas eu estava triste e adolescentes tristes sempre fazem besteira.

Quando cheguei na cozinha, abri o armário e encontrei as garrafas de bebida dos meus pais.

Nunca gostei de bebidas alcólicas e nunca tinha ficado exatamente bêbado. Algumas vezes, em festas que Leo e Percy me arrastavam, eu tomava alguns drinks e ficava "alto" (acho que esse é o termo que eles usam). Odiava a sensação de não lembrar direito do que eu tinha feito ou falado e de não conseguir controlar meu próprio corpo - falei isso para Austin uma vez e ele riu da minha cara. Porém, naquele momento, isso era tudo que eu precisava. Tudo que eu queria era estar imerso em pensamentos mais leves que não me fizessem querer deitar no chão e chorar.

Peguei uma das garrafas - sinceramente? Não faço ideia de qual bebida específica era - e comecei a beber do gargalo mesmo. Depois de um tempo, troquei o vestido da noite passada pela saia e a camisa que Leo tinha indicado para que eu vestisse em um "segundo beijo" e coloquei um pé do all star laranja e o outro pé com um chinelo qualquer.

Quando me dei conta, estava indo em direção ao melhor café da cidade. Sempre ia lá quando estava mal. Acho que acabei com a garrafa no meio do caminho e não estava conseguindo guiar direito meus passos. Entrei no estabelecimento e teria caído de cara no chão se alguém não tivesse me segurado.

- Will?

Droga, eu reconhecia aquela voz. Reconheci os braços forte de lutador de boxe e as cicatrizes que eu observara durante três anos. Reconheci o perfume amadeirado e finalmente ergui o olhar para observar o rosto preocupado, os olhos escuros como duas jabuticabas e o maxilar forte de Paulo Montes.

Ele estava igualzinho da última vez que eu o vira, no ano anterior. Menos o cabelo, que tinha deixado crescer em um black power.

Dei um passo para trás, surpreso.

- Paulo? O que faz aqui?

Ele sorriu.

- Vim visitar minha mãe. Ela está morando aqui agora. - explicou. Acho que quase caí de novo porque ele se apressou pra colocar o braço ao redor da minha cintura e me guiar até uma cadeira perto do balcão. - Você andou bebendo?

Dei um sorriso enviesado.

- Só um pouquinho.

Ele ergueu a sobrancelha.

- Mas você sempre odiou bebidas. Aconteceu alguma coisa?

Desviei os olhos para o balcão de madeira escura e comecei a tamborilar os dedos ali.

- Digamos que eu estraguei tudo. Como sempre.

Paulo colocou a mão no meu ombro. O calor familiar me fez querer abraçá-lo.

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