Rachel&Hazel

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R A C H E L.

[23 de Dezembro de 2020 - 14h32, New York]

 Passei os últimos dois dias e meio com aquela ideia constante rondando meus pensamentos. Até havia sonhado com aquilo! E eu precisava resolver isso de alguma forma.

 O meu plano no dia 20 era ter ido direto até a casa dos Solace, logo depois de sair da oficina das xícaras e falar com Will sobre Nico. Sério, depois de quase uma semana ouvindo ele falar do menino do caderno 24h por dia, acho que eu poderia reconhecê-lo em qualquer lugar. Além de que, depois do meu amigo ter conhecido Nico, falar da beleza do garoto tinha virado seu mais novo hobbie - não que ele admitisse. Como ele poderia não perceber? 

 Infelizmente, quando me encaminhava para o apartamento dele, um carro preto parou na minha frente. No primeiro momento, me assustei e quis sair correndo, aí reconheci o brasão dourado e horroroso na frente do carro e minha vontade de fugir só aumentou. Não tive tempo suficiente pra isso antes da porta da frente se abrir, um motorista sério como uma estátua sair e abrir a porta do banco de trás, indicando que eu deveria entrar. 

 Com um resmungo, entrei no carro e fui envolvida por um abraço cheio de penas. 

- Está me sufocando, mãe. - tossi, fugindo do abraço. 

 A mulher a minha frente usava um casaco de plumas brancas de aparência caríssima e um par de joias de diamante. Ela se afastou de mim, mantendo as mãos finas e geladas no meu ombro antes de dizer: 

- Elizabeth!

 Revirei os olhos. 

- É Rachel, mãe. 

 Ela bufou de forma elegante - sim, isso é possível aparentemente. 

- Eu escolho o nome da rainha para você querer usar esse nome horroroso e comum. 

Suspirei e olhei bem para ela. 

Mamãe tinha já seus 47 anos, mas passava tanto botox que parecia ser mais nova. Nós duas tínhamos os mesmos cabelos enrolados daquele tom escuro de vermelho - que ela alisava-, os mesmos olhos verdes - mas os dela eram um pouco mais distantes -, a mesma pele alva. E as semelhanças paravam por aí. Ela sempre foi uma clássica dama da nobreza inglesa, descendente de escoceses, que se casara com um empresário americano rico que não ligava para nada além de dinheiro. Eles dois nunca se separaram propriamente, apenas moravam em países diferentes há alguns anos e ela voltava para me visitar de vez em quando e para implicar com meu estilo de vida. Era uma maravilha

 Nós já havíamos sido próximas quando eu era pequena, há bastante tempo. Mamãe me tratava como uma boneca real e acho que eu nunca gostei mas não tinha coragem de falar, até que... Tive. Desde então somos esse desastre. O problema dela é viver naquele mundinho de conto de fadas inglês e esquecer da vida real, achar que eu não tenho vontades e que sou uma princesinha. Já doeu muito entender que o que ela realmente ama é o ideal que criou para mim e para minha vida, e não eu. 

- Olhe só essas roupas! - reclamou. - E esse cabelo? Quando foi que viu um pente da última vez? - eu recuei do toque de sua mão nos meus cachos. - Por Deus, você está cheia de tinta! Por onde andou? E nenhuma maquiagem? Trouxe um batom para você, Elizabeth, que sua prima da Inglaterra amou! E um vestido também, para bailes. 

 E ela continuou falando, falando e falando, me sufocando com aquele mar de coisas que não eram o meu mundo, me perguntando como eu estava apenas para me cortar depois de segundos ao perceber que meus assuntos - a vida que eu gostava de levar com minha arte, meus protestos e meus amigos - não eram de seu interesse. Eu gostaria de desaparecer, me juntar ao couro claro dos bancos, me tornar só mais um objeto insignificante aos olhos dos outros. 

Do you dare?Onde histórias criam vida. Descubra agora