Dezoito

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Parecia errado. Era tudo o que pude pensar depois que Alfonso saiu do meu apartamento. O fechar da porta provocou uma dor no meu peito. Ele disse que ligaria, beijou-me quase castamente, então desapareceu. Fiquei parada por alguns minutos, olhando para a porta, antes de virar para verificar os horários dos ônibus.

Porque eu não era a garota que se consumia por caras. Não era tão patética. Não. Eu não era. Mas, mesmo quando loguei meu computador, seu rosto continuava nos meus pensamentos.

Eu me levantei e fui ao meu armário, tentando decidir o que vestir. O que você usa para enfrentar o homem que fez sua vida um inferno vivo depois de quatro anos de distância? O que você pode usar que é uma bofetada no rosto para suas opiniões sobre como uma mulher deve se vestir como um "foda-se" silencioso? Mas, ao mesmo tempo, ser um pouco respeitosa a uma visita a alguém está morrendo em um hospital?

Enfim peguei algumas roupas e deixei de lado o que usaria: uma saia justa preta até o joelho e uma camisa de manga três quartos de comprimento, rosa claro. Sapatos pretos saltos baixos. Tomei banho, amarrei meu cabelo, apliquei um pouco de maquiagem, peguei minha bolsa e mala e fui até a rodoviária.

Eu podia sentir o cheiro dos cigarros de Alfonso enquanto saía do prédio. Sabia que ele estava na varanda fumando, mas me recusei a olhar para trás. Se eu olhasse, poderia correr de volta. E isso não poderia acontecer. Levantei meus ombros e continuei andando, um nódulo no tamanho de um punho na garganta.

O passeio de ônibus foi longo e destruidor de nervos. Tentei manter-me focada, calma. Seriam algumas horas. Era tudo o que eu precisava passar e poderia pular no próximo ônibus de volta para a cidade. Eu era a única no controle dessa vez.

Mas isso não impediu o embrulho no estômago, a dor de cabeça de tensão, a sensibilidade a ruídos altos ao meu redor. Isso não impediu os fantasmas do passado.

O ônibus levou a um hotel, que levou a um táxi que me deixou fora do prédio robusto de janelas brancas e brilhantes. Olhei para ele, me sentindo pequena. Sentindo, irracionalmente, que se eu entrasse lá nunca iria sair

Respirei profundamente e caminhei para a porta giratória em direção à recepção. Eu estava quase pronta. Chegar lá era a pior parte. Chegar lá me encheu de ansiedade, medo. Isso seriam alguns minutos. Falar o que tinha de falar. Ir embora. Eu poderia ir embora a qualquer momento. Ninguém poderia me impedir.

O elevador me deixou no andar. Entrei no piso de linóleo desgastado, mas imaculado, com os meus saltos fazendo um barulho que parecia ser ensurdecedor para os meus próprios ouvidos. Uma das enfermeiras de uniforme olhou para cima e me ofereceu um pequeno sorriso.

—   Anahí Mary? — A voz da minha avó me chamou, estridente e descrente. Ela levantou-se da cadeira, fora do quarto do meu pai, vestida com um terninho cinza simples, mas caro, com um único diamante redondo no pescoço. Seu cabelo cinza-loiro perfeitamente puxado de seu rosto em um coque. Tudo sobre Joanna Portilla gritava elegância simples e sofisticada. Ela tinha a casa e o carro para combinar com seu guarda-roupa.

—  Vó, — eu disse, minha voz tão fria e traída como sentia.

Já fazia muito tempo que a vi. Dois anos. Eu ainda ostentava o marrom escuro com o qual tingi meu cabelo naquele ano, e vestindo nada além de roupas masculinas largas de brechó, tentando desesperadamente me desligar do meu velho eu. Meu rosto estava queimado e eu estava magra de viver nas ruas.

Eu estava uma bagunça.

Levei oito meses depois de conseguir um teto e comida para voltar ao meu estado mais natural. Cortei meu cabelo, engordei um pouco e comprei roupas que serviam. Eu me refiz.

For a good time, call...Onde histórias criam vida. Descubra agora