12. Uma pequena ponta de luz em meio ao caos

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 Eu não me lembrava em que momento, exatamente, havia pegado no sono.
 Sentia meu corpo mole, talvez efeito dos remédios para amenizar a dor em minhas pernas, ainda enfaixadas e inchadas.
 Aquele era o segundo dia no hospital, Mag sempre vinha me visitar quando podia e passava uma ou duas horas contanto sobre tudo que aconteceu no hospital enquanto eu estive naquele lugar.
 Conforme ela falava, me sentia aliviada. Eles jamais esqueceram, ela dizia, jamais deixaram de ajudar a polícia, mesmo quando parecia que tinham se esquecido e apenas seguido em frente, nunca deixaram de se importar.
Saber daquilo aquecia uma pequena parte de meu coração, agora dormente pela dor.
Era sempre muito difícil descrever, mas, eu ainda conseguia sorrir.
Aquilo era um bom sinal, não?
Gavin havia comprado um livro para que eu passasse meu tempo. Um tipo de fantasia chamada O Feitiço dos Espinhos, era um bom livro.
Havia o começado na noite anterior, e logo na primeira página a história prendeu a minha atenção, era um mundo bem diferente do que eu já tinha visto em livros de fantasia.
Sempre me encantava o fato de como os escritores de fantasia conseguiam criar mundos inteiros, tão parecidos e ao mesmo tão diferente do mundo real. Aquilo dependia de muita criatividade e tempo livre, a complexidade de criar um universo, inúmeros personagens com personalidades e histórias diferentes e fazê-los se colidirem, criarem uma nova história juntos.
Aquele tipo de talento não deveria ser descartado e muito menos esquecido. Deveria ser melhor aproveitado e com toda certeza mais valorizado pela sociedade.
Quando olho para o relógio, fugindo de meus pensamentos, vejo que já são 4 da manhã.
Ok. Eu não teria muito tempo.
Encaro o livro, com a capa ilustrada, representando a personagem de belas feições, cabelos castanho mel e olhos azuis e pensei que jamais saberia o final daquela gloriosa história.
O quarto estava levemente frio, mas aconchegante. Aquele leve ar gelado do ar condicionado não era nada comparado ao frio que passei naquele quarto mofado, com apenas uma coberta fina para me esquentar.
Meus pés tocaram o chão, também frio, e um arrepio percorreu todo o meu corpo. Eu ainda podia sentir muitas coisas físicas, dor, frio, calor, fome. Mas, aquilo parecia tão... insignificante.
Tudo aquilo era um monte de nada, eu não me importava mais.
Lembro-me das vezes que fui corajosa e acreditei que eu ficaria bem.
Não passava de tolice.
Mesmo que eu os visse; as pessoas que me ajudaram, que ainda estavam ajudando, eu me sentia sozinha, sem vida. Eu podia ver a vida em seus rostos, imaginar momentos juntos com meus amigos novamente.
Lembro-me de Kayla, minha melhor amiga, que agora estava a quilômetros de mim. Enquanto caminho até a janela e a abro, lembro-me de quando saímos juntas, sempre rindo e nos divertindo, sempre atraindo olhares sedutores dos homens nos locais que íamos para dançar.
E, as vezes, acabávamos com um deles na cama.
Meu pé direito encontra a janela, em seguida, o esquerdo.
Mais memórias me invadem, as mesmas que me invadiram quando comecei a perceber que estava sem saída, completamente perdida. Tão, tão afundada naquela dor que o fundo do poço parecia o céu. Eu já estava muito abaixo da terra, muito além do alcance de qualquer pessoa.
E quando meu corpo caísse, seria um impacto rápido demais para que eu sentisse qualquer coisa.
A este ponto era praticamente impossível parar as lagrimas, a dor que só aumentava a cada lembrança.
Eu era tão feliz, tão ...
Eu era.
Lembro-me dos dias no orfanato, mesmo não tendo muito, eu estava sempre sorrindo, sempre fazendo amizade. Eles eram iguais a mim, cada um com sua história, mas iguais, de certo modo.
A imagem de Kayla falando comigo pela primeira vez, assim que consegui o estágio invade minha mente. O sorriso dela sempre fora iluminado, ela sempre fora uma pessoa cuja energia era revigorante.
Mag também me recebeu muito bem, foi paciente e muito amorosa. Rígida, as vezes, mas um doce.
Todas as boas lembranças me visitam, como se meu próprio eu ainda resistisse, ainda tivesse um pontinho de esperança de que eu seria salva. Curada.
Minhas mãos apertam o traje hospitalar na altura do peito com força, abafo um soluço choroso e encaro o chão abaixo.
Quinto andar.
Uma queda.
Um impacto.
Um adeus.
Fecho os olhos, meu corpo relaxando e se aliviando de toda àquela dor.
Estava ansiosa para acabar com aquele sofrimento, com tanta merda.
Hesito por um momento.
Minha mente vaga para as lembranças ruins, abandonando completamente o breve momento de alegria que tive com as memorias boas.
É como se eu ainda estivesse lá, acordando quase todos os dias com marcas no corpo.
Abusada.
Ferida.
Usada.
Balanço a cabeça e dessa vez o soluço choro escapa.
O choro silencioso desapareceu, dando lugar ao choro desesperado.
Minhas mãos arranhavam meu tórax na altura do osso externo de forma rápida e frenética. O desespero, a dor, tudo atingindo minhas costas como uma avalanche.
Ainda de olhos fechados, crio coragem e inclino meu corpo para frente.
Não havia nada além daquele momento, da tormenta em minha mente barulhenta que me assola com aqueles dias.
Não havia mais nada além de...
Calor?
Abri os olhos assim que fui puxada da janela com um tipo de força delicada. Meu corpo sendo resguardado em braços fortes e quentes, aconchegantes.
Eu não tinha vontade de lutar contra aquilo, contra mim, ou contra a pessoa que me puxara, evitando que meu corpo encontrasse o chão há sabe se lá quantos metros do andar onde estou.
— Julie! — brandou uma voz masculina. Eu jamais me esqueceria daquela voz.
Meu corpo foi colocado de volta na maca e mãos macias, e ao mesmo tempo ásperas e delicadas seguraram meu rosto, cada mão em uma lateral do maxilar enquanto os dedos encontravam minha nuca.
— Está me ouvindo? — chamou ele novamente.
Eu sabia que estava olhando para seu rosto, mas... não o via. A visão embaçada, — enevoada, na realidade. — não me deixava ver claramente.
Provavelmente não estou com nenhuma expressão no rosto, e sequer percebi quando parei de chorar e me arranhar.
— Estou. — ouvi minha voz sair fraca, e, finalmente minha visão clareou.
Jackson estava sentado na maca, os olhos verdes levemente arregalados e com o que me parecia preocupação.
— Está machucada? — a voz dele saiu suave.
Fiz um aceno com a cabeça em positivo.
Meus olhos cansados vagueiam pelo quarto. Não havia ninguém.
Ele viera me visitar as 4 da manhã?
— Por que está aqui? — perguntei, minha voz quase sussurrada.
Eu estava tão cansada.
— Vim ver você. — ele tirou as mãos do meu rosto e as repousou nas pernas. Um suspiro escapou de seus lábios. — E que bom que eu vim. Evitei que você...
Ele não ousou terminar, e eu sabia por que. A palavra tinha peso. Para mim não tinha mais.
— Que eu me suicidasse.
Aquilo saiu tão naturalmente errado, tão...
Suspirei.
— Eu não quero mais estar aqui, Jackson. Estou exausta.
Os olhos dele encontraram os meus, e, por um mísero instante, senti algo.
— Eu entendo, mas se matar, se jogar daquela janela não é uma opção. — apesar da gentileza na voz, o olhar dele era firme.
— Não é você quem decide. — o tom de minha voz tinha gosto de veneno em minha língua.
— De fato, não. Mas realmente acha que vale a pena?
Desvio o olhar.
— Não quero ter essa conversa. Você não entende, jamais entenderia.
Jackson abriu a boca para falar algo, provavelmente para retrucar ou dar alguma resposta profissional.
Mas ele não disse nada, apenas me encarou e encarou por longos segundos.
Com um movimento singelo ele me abraçou, permitindo-me sentir o calor dele outra vez.
Era estranhamente reconfortante.
— Você não está sozinha, Julie.
Por que ele estava me reconfortando, por que simplesmente ajudar uma causa perdida?
— Por que está sendo atencioso? — perguntei, devolvendo o abraço, sem saber exatamente o porque. — Você nem me conhece.
Jackson me soltou e sorriu suavemente.

— Meu trabalho é ajudar pessoas, Julie. Além disso, você parece ser o tipo de pessoa que, antes de ter passado por todo aquele inferno, era uma pessoa alegre. É triste ver esse tipo de luz se apagar.
Fiquei em silêncio, o encarando.
Eu simplesmente não sabia o que dizer, o que fazer.
Nenhum homem tinha aquele tipo de atitude.
Jackson não ousou sair do quarto até que uma enfermeira ficasse de vigia e tomasse todas as precauções para que nada naquele quarto fosse uma provável arma que eu pudesse usar.
O sol já havia invadido o quarto quando adormeci novamente, sem saber exatamente como me sentia e o que pensar daquela conversa.

Fragmentada (PAUSADA)Onde histórias criam vida. Descubra agora