11. Jackson

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O tempo parecia passar mais rápido, talvez pela sensação de liberdade. O cheiro do hospital, que a muitas pessoas incomodava, a mim trazia um conforto familiar.
Era como nos meus sonhos enquanto estive em cativeiro. O cheiro e o ambiente eram exatamente como eu me lembrava.
Algumas enfermeiras que trabalharam comigo vieram me visitar. Algumas que eu sequer lembrava o rosto me desejaram melhoras e disseram que eu superaria aquilo.
O médico que estava cuidando de mim foi inteligente em solicitar um psicólogo. Eu tinha minhas dúvidas se adiantaria, se eu queria um psicólogo.
Me sentir daquela maneira... era como se eu ainda estivesse naquele quarto. Era tão dolorosamente péssimo não me importar comigo mesma, tão dolorosamente horrível me sentir morta.
Já havia perdido a conta de quantas vezes chorei nessa cama, meus olhos provavelmente estavam inchados e avermelhados.
Desde que Gavin saira do quarto já haviam se passado cerca de quatro horas. Ele dissera que o homem que me tirou de lá estaria ali à noite. Bem... o relógio marcava seis da tarde. Talvez ele chegasse em breve.
Não quero deixar este mundo sem conhecer a pessoa que me salvou.
Uma batida suave na porta foi o suficiente para me tirar de meus próprios pensamentos.
O rosto que me encarava me deixou imensamente feliz.
— Meg! — Meus olhos se encheram de lágrimas. Eu estava tão feliz por ver Margaret.
Ela era uma das melhores pessoas que já conheci.
Minha chefe caminha até mim e me abraça.
— Desculpe não vir mais cedo, eu estava bem ocupada.
Ela se afastou sutilmente e se sentou na beira da maca.
— Como está se sentindo? — ela perguntou e eu respirei fundo.
— Aliviada, de certa forma. Minha cabeça ainda está processando os acontecimentos.
— Sinto muito pelo que aconteceu a você, de verdade. E imagino que não queira tocar no assunto, não queira mexer nas memórias daquele período lá.
Ela tinha razão. Eu não queria.
— Sabe, o homem que a salvou parece ser uma ótima pessoa.
Encarei minhas mãos, que tocavam uma a outra ansiosamente.
— Eu me lembro de escutar sons de tiros. Mas mal me lembro do que vi, do que senti.
Margaret me observava com atenção. Eu sabia que era por que naquele momento ela estava sendo tanto amiga quanto profissional.
— Vai gostar de o conhecer. Não estranhe o fato de o ver usando uma tipóia.
Franzo a testa por um momento até minha mente processar a informação e formar a suposição.
— Ele levou um tiro?
Minha garganta ficou seca.
— Sim. Mas foi de raspão no braço esquerdo, não se preocupe, ele está bem. Pedimos que usasse a tipóia apenas para não forçar o braço machucado.
— Mais alguém se feriu?
Não consegui controlar a preocupação que meu olhar com toda certeza expunha nesse momento.
— Um policial com um tiro na perna, somente. Ele também ficará bem. — Meg fez uma leve o pausa e segurou minhas mãos, que ainda tocavam uma a outra rapidamente.— Julie, não é culpa sua. Estavam exercendo a função deles.
Virei o rosto para outra direção. Qualquer direção que não fosse o rosto preocupado dela.
— Eu sei.
Foi tudo que consegui dizer.
— Eles não sabem quem fez isso comigo, sabem?
Perguntei enquanto meu olhar encarava a janela e os prédios do lado de fora. Uma revoada de pássaros passou perto da janela.
— Ainda não. Os capangas foram todos mortos. E a pessoa que fez aquilo... não estava lá e se esteve, não deixou rastros.
— Ele esteve.— disse, quase sem fôlego.
O choro estava entalado na garganta.
Margaret segurou minha mão com um pouco mais de força e acariciou-a com a palma da mão.
— Acho que horas antes, ele estava lá. Ele me bateu, fez isso com as minhas pernas.— meu olhar se voltou para onde minhas pernas estavam, encarando o lençol azul-bebê.— Nesse momento, só quero conhecer a pessoa que me tirou daquele inferno.
Pude sentir uma lágrima escorrer pelos meus olhos e as limpei rapidamente com as costas da mão.
Sinceramente eu não sabia como ainda tinha tanta lágrima assim dentro de mim. Eu estava com dor de cabeça de tanto chorar antes de Meg vir me ver. Não iria chorar de novo, não agora.
Antes que ela tivesse tempo de falar algo para mim, eu a cortei, mudando o assunto.
— Estou com uma dor de cabeça infernal.
Meg entendeu imediatamente que eu não queria mais falar. Nem sobre o que aconteceu e nem sobre o que poderia acontecer com meu caso.
— Irei buscar um remédio para você. Só um instante.
Seu polegar acariciou uma de minhas mãos. Ela se levantou e saiu.
Eu tinha levado tempo para chegar onde estou hoje.
Meus pais vieram para cá quando eu tinha apenas 1 ano. Saímos do Brasil para tentar uma vida melhor aqui, já que meu pai tinha uma oportunidade de emprego nos Estados Unidos.
Era uma chance de ouro, se bem me lembro. Ele não recusou, e quem recusaria a chance de melhorar a vida?
Quando eu tinha oito anos eles morreram em um acidente de carro.
Não me lembro mais de seus rostos, não tenho mais uma foto com eles. Tudo isso se perdeu quando fui levada para o orfanato.
Jamais fui adotada. Ninguém queria uma criança, todos queriam um bebê.
Sorte a minha que o orfanato bancava os estudos em uma escola pública da região.
Me lembro de ser apaixonada por biologia. Eu amava estudar a composição do corpo de um animal ou ser humano, principalmente de um ser humano.
Aos 15 decidi que queria trabalhar na área da saúde. Ser médica não era para mim, mas, eu não precisava ser médica para trabalhar e auxiliar em cirurgias. Eu poderia ser enfermeira, e, futuramente instrumentista.
Agora eu já não tinha mais tanta certeza sobre isso. Na realidade, eu não tinha certeza alguma.
— Ouvi dizer que você pediu para que eu viesse aqui.
Uma voz masculina invadiu meus ouvidos e fez com que eu ergue-se o olhar de minhas mãos para a porta, que era a direção de onde vinha a voz.
O homem era alto, provavelmente com 1,80 ou mais. Os cabelos são de um loiro escuro. Os olhos, verdes como grama.
Sua voz era rouca e firme, mas ao mesmo tempo muito suave.
Eu apenas o encaro, sem saber exatamente o que dizer.
Como Meg me disse, ele usava uma tipóia.
— É... eu pedi sim. Sinto muito pelo braço.
Ele direcionou o olhar para o braço e sorriu levemente.
— Já estive pior.
Eu queria agradecer a ele, mas meu olhar não saia da tipóia. Minha mente não fugia do fato de que ele quase morreu tentando me salvar. Eu entendia que era o trabalho dele, mas...
— Você quase morreu hoje.— foi o que saiu de minha boca. Minha preocupação, por algum motivo, falou mais alto que minha gratidão.
— Eu sei.
Disse ele enquanto se aproximava da maca e puxava uma cadeira para sentar perto de mim.
A suavidade na voz dele não foi embora, continuava ali, persistente.
— E como não está assustado?
Franzo a testa enquanto olhava para ele.
Parecia ser um homem corajoso.
— Eu estou. — disse ele se recostando não cadeira, o suspiro que veio a seguir foi fraco.— mas salvei você. Valeu a pena.
De fato. Era corajoso.
— Como está se sentindo?— perguntou ele. — Você é bem forte. Quando te encontrei, achei que estivesse morta.
— Eu estava quase.— desviei o olhar.— Mas acho que estou bem.— mentira. Eu sabia que estava mentindo.— Me sinto aliviada.
— É bom saber. A Margaret disse que o médico que está cuidando de você irá te liberar em uma semana. — a forma como ele fala é tão formal. Ele deve estar acostumado a esse tipo de situação.— manterei você informada sobre o caso.
— Não.
Ele pareceu confuso.
— Eu não quero nenhum contato com esse caso. Não quero me lembrar do que aconteceu. — disse enquanto balancei a cabeça em negativa. O homem a minha frente parecia ser apenas alguns anos mais velho. Ele deve ter uns 26 anos, no máximo.
— Tudo bem. A escolha é sua. Mas se a pessoa que fez isso com você for presa, irá querer saber?
Eu fiz um simples aceno positivo com a cabeça.
— Certo. Tudo bem. — ele passou a mão livre no queixo e se levantou da cadeira.— Até qualquer dia então, Julie.
O homem caminhou até a porta, e só aí me dei conta de que não sabia como ele se chamava.
— Espere.
Ele esperou e olhou para mim.
— Eu não sei seu nome.
Ele colocou a mão livre no bolso da calça social, fazendo parte do paletó do terno que ele usava ficar atrás do braço. Seu sorriso foi doce.
— Jackson. Jackson Chadwick.

Fragmentada (PAUSADA)Onde histórias criam vida. Descubra agora