Era estranho ter uma noite tranquila depois de todo caos que passei nos últimos tempos, ter um sonho bom e acordar sem sentir aquele peso mórbido no peito.
O sol invadia o quarto sutilmente através da fina cortina que cobria a janela, o ar condicionado marcava 25°c e o livro, o que Gavin havia me dado, estava repousado no criado-mudo branco com detalhes em azul.
Jackson havia ficado ali comigo até que eu pegasse no sono e talvez, ter alguem ao meu lado depois de estar tanto tempo sozinha tenha trazido a meu cérebro cansado e estarrecido algum tipo de... paz.
Era tão... bom. Por Deus, eu estava me sentindo tão calma. Que maluquice, que coisa estranha é o ser humano. Uma hora eu estava pronta para me atirar do quinto andar e agora eu quero sair dessa cama de hospital e ver as pessoas na rua, parar em uma lanchonete e tomar um café e comer um pão com manteiga como meus pais faziam para mim em casa quando criança, algo bem do costume de meu pais natal, e por mais que aqui fosse difícil que as pessoas tivessem esse costume por aqui era algo que eu gostava de manter e agora... agora eu podia fazer isso, e eu quero, muito.
Uma risada estranha e leve sai da minha garganta e coloco a mão na boca, surpresa.
— Parece que você acordou animada.
Imediatamente olho para a porta e vejo Jackson recostado ali.
— Cara, você não dorme? — o olho e sorrio de leve, ele por sua vez retribui o sorriso e se aproxima.
Diferente de ontem a noite e da primeira vez que o vi, ele não está usando roupas casuais, está portando terno e... ha uma arma presa na cintura.
— Sabe que horas são. — diz ele, parando ao meu lado e não se senta na cadeira.
— Hm... — eu não sabia porque tinha olhado para tudo menos para as horas no relógio na parede que marcava três da tarde.— Caramba! Eu dormi tanto assim?
Ele assente com a cabeça.
— Sim. Mas pelo menos você parece ter acordado melhor.
Atencioso como sempre. Acho que vai ser fácil gostar dele, ser amiga dele. Mag tinha razão, eu gostei de conhecer ele.
— É até estranho, na verdade... eu estava tão deprimida esses dias que ate sorrir era desconfortável. Mas agora eu só me sinto — penso um pouco — neutra, eu acho. — sorrio fraco. — e até me sinto nostálgica.
— Ah é? Porque? — ele junta as mãos na frente do corpo.
— Lembrei dos meus pais e de que eles faziam sempre, toda manhã, leite com achocolatado e pão com manteiga para eu comer.
— Pão com manteiga e leite?— ele ergue uma sobrancelha.
— É. Sabe, no Brasil é meio complicado comer bacon e ovos toda manhã. — dou de ombros com um breve sorriso no rosto. — era caro. Ainda deve ser.
Ele solta uma risada sincera, talvez por divertimento do meu costume estrangeiro.
— Eu acredito em você. — ele troca a perna de apoio — quer dar uma volta? Você esta de alta desde as dez. Eu trouxe um vestido longo para você, caso não queira mostrar as... marcas.
Meu olhar corre para as minhas pernas e fico pensativa. As pernas melhoram rápido dos hematomas, já estavam firmes, mas as marcas do espancamento ainda estavam... ali.
Eu havia acordado tão bem depois de uma noite e um dia tão ruim, eu não podia deixar que isso mudasse por causa das marcas. E se não sumissem, eu teria que conviver com elas, não? Acho que sim.
— Eu posso ir... para casa? Eu tenho uma casa para voltar?
Ele nega com a cabeça e se senta na beirada da cama, o olhar agora muito mais sério que antes.
— Você não tem. A sua casa era alugada e bom, suspenderam o contrato e alugaram novamente. Todas as suas coisas foram para depósitos e eu não consegui recuperar basicamente nada além de suas roupas. Sinto muito.
Ótimo. Meu bom dia estava começando a se tornar um mal dia. Mas eu não podia julgar os donos da casa, acho que se fosse eu no lugar deles e minha inquilina sumisse por tanto tempo sem dar sinal de vida, bom, eu faria o mesmo.
Exasperada eu suspiro diante daquela situação. O que eu faria agora?
— Eu não sei se seria incômodo para você — Jackson começa a dizer, a voz parecendo menos confiante. — Mas eu ofereci minha casa para que você more até conseguir se realocar, seu emprego no hospital se manterá e você poderá voltar quando for liberada pela psicóloga. O governo também lhe dará um bom auxílio financeiro.
— Jackson... eu... eu não quero atrapalhar e até o auxílio cair em minha conta, não tenho como pagar estadia e alimentação. — eu digo, de fato preocupada. Eu não quero ser um peso ou um incômodo para ele. — Não é sua obrigação me ajudar, não mais.
— Meu trabalho é ficar de olho em você, isso não quer dizer que eu tenha que ficar te escoltando ou algo assim, mas o FBI chegou à conclusão de que seu caso não é comum, quem fez isso com você fez com outras que ainda não encontramos, esse psicopata ainda está a solta e eu não vejo maneira melhor que te proteger do que estar sempre perto de você. Minha casa é segura, eu garanto, e não será uma prisão ou gaiola, não se sinta presa lá. Pode ir e vir quando quiser, será como sua casa também.
Por um tempo eu fico pensativa. Era uma proposta muito séria e ele ainda teria que lidar com minhas oscilações de humor, principalmente depois da última noite em que eu estava a ponto de fazer um mal irreversível a mim mesma e hoje que pareço ter acordado em um dia comum, de uma vida comum.
— Eu não quero incomodar, de verdade.
Ele suspira e me encara, sério.
— Você não será incômodo. Eu não sei o que está pensando, mas sou um cara solitário, você não me atrapalharia em nenhum romance ou algo assim, não tenho namorada e quando tenho casos casuais jamais são em minha casa, assim como também não tenho muitos amigos. Será uma estadia tranquila, eu prometo. E vou respeitar completamente seu espaço, você terá seu próprio quarto com seu próprio banheiro e chave para trancar o quarto, se quiser trocar a fechadura, tudo bem. Só preciso te manter por perto e segura, caso esse... essa pessoa apareça.
Por algum motivo sinto meus olhos marejarem e imediatamente o vejo reagir, levantando-se e ficando completamente sem jeito.
— Caramba. Assustei você? Porque está chorando? — ele se aproxima vagarosamente. — merda.
Ele murmura e me arranca uma risada. Jackson franze o cenho, claramente confuso.
— O que foi? — ele questiona com um sorriso sem graça nos lábios. — fiz algo engraçado?
Eu assinto com a cabeça e paro de rir, apesar de ainda sorrir.
— Você se explicou todo. Foi bonitinho. — o olho nos olhos. — Você salvou minha vida, Jackson, não tenho porque não confiar em você. O que está me propondo é... nossa, eu nunca vi nada parecido.
— Estou fazendo meu trabalho. — ele diz de forma casual, mas o sorriso se manteve. — Então... vamos? Eu peço para levarem o livro para casa, reparei que parece estar gostando bastante dele.
Eu olho para o livro em cima do criado-mudo e em seguida volto a olhar para ele.
— Ah, sim. O Gavin me deu. Tem ocupado a minha mente.
Olho para minhas roupas, o traje hospitalar não era o tipo de look no qual eu sairia na rua. Tentando passar a ele a sensação de que estou 100% bem, permito que meu antigo humor surja, e não somente para passar a ele a sensação mas para obrigar-me a lembrar de quem eu era antes de... tudo isso.
— Acho que sair por aí com toda minha parte posterior do corpo exposta não é muito favorável. — ofereço a ele uma risada baixa.
Jackson franzino cenho e quando percebe sobre o que eu estou falando, ele arregala levemente os olhos e ri, balançando a cabeça.
— Gosto desse seu humor. E tem razão, não seria viável. Vou pegar o vestido e então você se troca para irmos.
Eu assinto com a cabeça e ele sai do quarto tão rápido quanto entrou.
Pelo menos estávamos nos dando bem e isso facilitaria em muito a convivência. Pelo trauma, talvez eu devesse me sentir apreensiva de morar com ele, é o natural a se acontecer quando se passa pro que passei e sai com vida. No entanto Jackson me passava uma segurança incomum, e eu não sabia dizer se era pelo que ele demonstrava ser ou simplesmente pelo fato de ele ter sido o responsável pelo meu resgate.
Olho para a janela mais uma vez e respiro fundo, imaginando e ansiando em por os pés para fora daquele quarto, em finalmente estar... livre.
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Fragmentada (PAUSADA)
RandomHá exatos 257 dias, Julie Andrews, de 19 anos, não vê a luz do sol. Confinada em um quarto sem janelas, a enfermeira mantém a mente ocupada, buscando uma forma de não enlouquecer. Ou coisa pior. Sem qualquer contato com o mundo fora daquele quarto...