JACKSONQuando disse à Matthew que começássemos do zero, eu queria dizer que deveríamos ir até o hospital. E assim fizemos.
— Cara, já pensou em pintar o cabelo de preto?
Mais uma vez com esse papinho idiota. Ele sempre dizia que se eu tivesse o cabelo preto, meus olhos verdes destacariam e eu poderia ficar com muito mais mulheres.
Ofereço a ele uma palavra de baixo calão e seguimos nosso trajeto.
Ao chegar lá, solicitei a presença da chefe de enfermagem do hospital Hayes Grace, onde Julie trabalhava.
Não demorou muito até uma mulher, muito linda por sinal, se aproximar.
— Margaret Müller. O que tem a tratar comigo?
Mostro o distintivo para ela.
— Jackson Chadwick. Agente do FBI, creio que não se lembre de mim. Da última vez foi meu parceiro, Matthew — aponto para ele, que coloca dois dedos na testa e faz um sinal de "olá". Bem informal.— que a interrogou. Somos responsáveis pelo caso de sua ex-estagiária, Julie Andrews.
Margaret tem a pele morena, os cabelos formam cachos levemente rebeldes presos em um rabo de cavalo. Seus fios começam castanhos no couro, e conforme arrasto o olhar até as pontas vejo que as mesmas são mais claras, chegando há um tom de bronze. Combina com ela.
— Encontraram alguma coisa sobre ela?— pode jurar que os olhos dela tremeram.
— Ainda não. Por isso resolvemos conversar com você novamente.
— Eu já disse tudo o que sei da primeira vez. Ela era uma ótima menina, esforçada e muito gentil com os pacientes. Eu não sei quem pensaria em fazer mal a ela.
— Sequestradores não pensam se alguém é bonzinho ou não, moça. — Matthew disse, com as mãos no bolso.
— Só precisamos repassar algumas coisas. Da última vez que estivemos aqui, o chefe do hospital permitiu que interrogássemos vocês sempre que precisássemos. Bem, precisamos agora.
— Venham até minha sala então, por favor.
Ela colocou as mãos nos bolsos do jaleco e seguiu pelos corredores.
A sala dela ficava no segundo andar, quase no fim do corredor.
— Sentem-se.
Ela apontou para as cadeiras. Nos sentamos.
— Qual foi mesmo a última vez que a viu? — perguntei. Matt estava com um bloco de notas em mãos e uma caneta, pronto para anotar o que fosse dito naquela sala.
— Em uma quarta feira. Ela ficou de plantão comigo e mais alguns médicos. Ayla, da pediatria e Gavin, da ortopedia. Estávamos cuidado de um garotinho, 11 anos. Ela foi embora de madrugada, sozinha.— ela fez uma leve pausa.— Acredito que eram três da manhã. Ayla ofereceu carona para ela, mas Julie recusou. Ela não gostava de pedir ajuda. Talvez por que sempre se virou sozinha.
Seu olhar encontrou a mesa e um retrato ali. Eu não conseguia ver a foto. Mas, a julgar pelo fato de estarmos falando de sua estagiária e ela desviar o olhar para o retrato, acredito que seja uma foto dela com a Julie, provavelmente.
Seu olhar se ergueu e pude perceber, pela forma como seu tórax inflou, que ela respirou fundo e soltou o ar bem devagar. Uma forma de não demonstrar a tristeza que seus olhos claramente revelavam.
— Depois disso, no dia seguinte, fiquei sabendo o que aconteceu. Ela tem feito falta.
— Havia mais alguém com vocês?
Ela entrelaçou os dedos e fixou o olhar em algum canto aleatório da sala.
— Sim. Sim. Mas não por muito tempo. Kayla, uma de nossas enfermeiras, estava conosco no plantão também. Mas ela não ficou muito tempo, estava se preparando para uma transferência.
— Ela foi embora mais cedo, então.
— Sim. Ela viajou para Boston às onze da noite. No outro dia, ficou devastada com a notícia.
— Entendo. — passei a mão no maxilar, pensando.
— Não havia ninguém mesmo que poderia oferecer algum mal à ela?
Margaret negou com a cabeça.
— Não. Todos aqui gostavam dela. Como eu disse, era uma menina gentil.
— Obrigado pela conversa, senhorita Müller.
Ela também agradece, dizendo que está disponível caso precise.
— Por favor, se tiverem qualquer notícia sobre ela, podem me avisar? Nós, aqui do hospital, somos a única família que ela tem.
— Claro. — digo me levantando, seguido por Matt.— tenha um ótimo dia de trabalho.
Assim que saímos da sala, vamos atrás de Ayla e Gavin.
Ayla é a primeira que encontramos.
Aparentemente, o chefe da ortopedia, Gavin, está em cirurgia.
A pediatra nos leva até seu consultório e nos oferece café. Eu dispenso. Matt, cara de pau e folgado como sempre, aceita.
Ayla tem os cabelos ruivos, em corte chanel, olhos verdes e sardas espalhadas pelo rosto. Não é alta.
— Sejam diretos, por favor. Tenho uma cirurgia muito complicada em 15 minutos.
— Queremos falar sobre a Julie.— Matt toma a frente, novamente com o bloco de notas nas mãos.
— Eu sei. — ela diz, simplesmente.
— Sabemos que a última vez que ela foi vista estava de plantão com você, Gavin e a Margaret. Além de Kayla, outra enfermeira.
— Ah, sim. Bem, o que querem saber então? Já disse tudo o que sabia para ele da última vez. — seu olhar se voltou para Matt e eu pude jurar ver uma ponta de malícia e o canto de sua boca se erguer levemente.
Filho da puta sem vergonha. Não aprende mesmo.
Ignoro esse fato e respiro fundo.
Então a conversa começa.
Ela reconta tudo, detalhe por detalhe do que se lembra. Responde nossas perguntas de maneira formal.
Como ela mesma disse, em 15 minutos tinha uma cirurgia, então nosso papo não durou muito tempo.
Mas foi o suficiente.
Agora, só faltava o Gavin.
Ele foi mais difícil conversar. Ficamos na sala de espera por uma hora e meia, aguardando até que ele terminasse a cirurgia.
Quando ele se finalmente chegou, sorriu estendeu a mão em cumprimento.
— Eu gostaria de dizer que é um prazer revê-los, rapazes. Mas quando vocês aparecem, já sei que tenho mil perguntas a responder. Venham, sejamos rápidos e práticos.
Mais uma sala. Mais duas cadeiras. Basicamente as mesmas perguntas são feitas á ele.
— Ela era genial. Não posso reclamar daquela garota. — ele sorri e faz um gesto simples com a mão esquerda.— Aprendia rápido. Tinha um talento incrível para acalmar pacientes e seus familiares. Mesmo ainda sendo estagiária, eu sempre a levava em minhas cirúrgias. Suas mãos não tremiam um segundo sequer. Uma profissional exemplar, sem sombra de dúvida. Quem quer que fizesse mal àquela criatura adorável, merece a pior das punições.
— Ele terá. — afirmo.— Mas primeiro precisamos achá-lo, o que não tem sido uma tarefa fácil.
— Acredito que nada no trabalho de vocês seja fácil. Quer dizer, eu concerto ossos. Vocês procuram criminosos. Acho a segunda parte mais complexa. Juntar provas, achar o culpado... coisa demais. Ortopedia é bem mais prática.
— Tenho que discordar.— deixo que um leve sorriso se forme em meus lábios. Me levanto em seguida e estendo a mão para ele.
— Obrigado pela atenção.
Ele também se levanta e aperta minha mão.
Assim que chegamos até a porta, ouço a voz dele novamente.
— Agente.
Olho para trás.
— Coloque esse filho da puta atrás das grades.
***Chegamos em menos de 15 minutos.
Havia uma viatura em frente ao local. A placa comercial dizia "bakers' cafeteria"
Era um estabelecimento simples, mas bem organizado aparentemente. Sua entrada era convidativa e charmosa. Ah, e o cheiro! Brownies e bolos saindo do forno.
Anotado para onde eu viria comprar qualquer coisa de confeitaria da próxima vez.
Me aproximo do policial.
— Agente Chadwick. Soube que tem algo para mim sobre o caso Julie Andrews.
Ele faz que sim com a cabeça e pede para o acompanhar, seguindo para dentro daquela lanchonete que cheirava brownies e bolos e tortas salgadas. Uma mistura de cheiros que fazia aquele lugar ser completamente aconchegante.
— A senhora Dawson diz ter visto um sequestro bem aqui. Nos ligou basicamente desesperada. Quando vi as imagens... bem, você já deve estar ciente já que está aqui.
— Sim. Pode pular essa parte da explicação.
O policial fez um sinal para uma senhora de cabelos castanhos levemente grisalhos, que, por incrível que pareça, não a deixavam velha.
Ela se aproximou.
Do lado de fora, Matthew estava vendo marcas de pneu. Ele entendia muito de automóveis, e saberia o tamanho e o tipo da roda só de olhar as marcas no asfalto. Sabendo isso, provavelmente, com uma probabilidade bem alta, ele saberia o carro que a levou também.
Assim que a mulher chegou próxima a mim, ela ofereceu um sorriso pequeno, triste. Era um cumprimento apenas. Afinal, quem ficaria feliz de ter visto um sequestro?
— Beth Dawson.— Ela estendeu a mão. Sequer parecia intimidada com nossa presença, como normalmente acontecia onde fôssemos, mesmo que a pessoa não tivesse culpa de nada. Ótimo.— Agente Chadwick, não é? Ouvi você se apresentar. Os sons aqui não passam despercebidos.
— Considero isso algo muito bom, senhora.
— Ora, não me chame de senhora, sim? Ainda sou muito nova. Pode usar "você" mesmo. — assinto para ela com um leve sorriso de canto.— o policial Scott me disse que você estava responsável pelo caso da garota que eu vi ser sequestrada. Tenho pena da pobrezinha. — ela desviou o olhar.— Jamais imaginei que veria algo assim na minha frente.
— Sinto muito por isso.— foi tudo que consegui dizer.
Então, prossegui:
— Tem gravações para me mostrar, não?
— Sim, claro. Por aqui.
Ela começou caminhando até os fundos do estabelecimento.
Subimos umas escadas. Viramos à direita. Entramos em uma sala com várias TV's.
— Aqui. — ela mexeu em alguns controles. Era um sistema simples, mas eficaz.
As imagens mostravam perfeitamente o veículo, os homens encapuzados e o lindo, magro, e frágil rosto de Julie.
Mas as imagens não pegaram a placa da Blazer 1996 preta.
— Há mais imagens, agente. — disse o policial Scott.
Ele pegou seu aparelho celular e me mostrou mais imagens. Evito sorrir.
— Acredito que eles não saibam que há câmeras escondidas nos semáforos e postes daqui. É um local com bastantes acidentes, então a prefeitura optou por colocar câmeras escondidas. Pouquíssimas pessoas sabem disso.
— Foi a melhor coisa que fizeram. — olho para ele. — Agora além de termos a placa, podemos achar a garota com o trajeto deles. É tudo que precisávamos. Obrigado, vocês foram incríveis.
— Só tem um problema. As câmeras só estão espalhadas num raio de um quilômetro. Depois desse último vídeo, não sabemos para onde foram. E também, a placa é clonada, essa identificação bate com um Prius 97, em um desmanche municipal.
— Merda.
Suspiro. Estava bom demais para ser verdade.
Mas uma luzinha aparece em minha mente.
Se tinha uma coisa que a enorme maioria dos serial killers faziam era deixar suas vítimas em lugares abandonados. Haviam muitos em NY, nunca sabíamos onde começar a procurar. E os que vasculhamos, não havia nada.
Mas...
O policial recebe um chamado urgente e diz que precisa se retirar.
Ficamos apenas eu e a senhora Dawson na sala.
— Você mora nessa vizinhança?
Ela assente.
— Há 15 anos. Por que?
Sorrio.
— Sabe se existe algum lugar abandonado aqui perto?
— Sim. Há uns dois quilômetros daqui. Só não sei informar a direção certa.
Perfeito.
— Isso basta. Obrigado.
Desejo a ela uma ótima tarde de trabalho e pego o walkie-talkie saindo da sala.
— Matt.
— Fala. Ah, aliás, descobri que carro levou ela.
— Eu também. Peça reforço, não acho que vamos precisar de muito. Peça que rastreiem essa área em um raio de 2,5 quilômetros.
Assim que ele vai responder, apareço na sua frente. Ele afasta o aparelho de sua boca.
— Achou ela?
— Quase. Sei que ela está perto. Só precisamos saber o local exato.
Pego minha Colt 1911 e recarrego a mesma e encaro meu parceiro, com um sorriso no rosto.
— Pronto para mais um resgate?
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Fragmentada (PAUSADA)
RandomHá exatos 257 dias, Julie Andrews, de 19 anos, não vê a luz do sol. Confinada em um quarto sem janelas, a enfermeira mantém a mente ocupada, buscando uma forma de não enlouquecer. Ou coisa pior. Sem qualquer contato com o mundo fora daquele quarto...