AVISO: Suicídio não é uma solução. Se você se sente como a Julie, busque ajuda.
Eu estava em uma sala vazia, com as paredes brancas. Não haviam portas, nem janelas. Meus pés descalços tocavam o piso gelado.
A sala era enorme, uma vastidão branca cegante.
Talvez eu tivesse morrido. Talvez a sala vazia fosse meu céu, ou meu inferno.
— Está sozinha aqui?
Uma voz soou às minhas costas. Fina e triste. Uma voz de criança. Uma menina.
Olho por cima do ombro.
Ela era loira. Olhos azuis com alguns detalhes em verde. Seu vestido era quase tão branco quanto a sala, exceto pelos poucos detalhes em azul claro. Os traços delicados se assemelhavam demais com os meus, quando eu tinha a idade daquela garotinha. Chega a ser assustador.
— Achei que estava. Mas você está aqui.
Respondi para ela enquanto me aproximava sutilmente e meus joelhos tocavam o piso gélido.
Nesta posição eu ficava do mesmo tamanho da garotinha.
— Está assustada?— ela pergunta.
Seus olhos, apesar da tristeza neles, eram curiosos. E quanto mais eu a olhava, mais eu me via nela.
— Eu não sei. Sabe que lugar é esse?— indago.
Apoio minhas mãos em minha coxas.
— É a sala vazia. É aqui que nossos medos ficam.
Franzi o cenho.
— Qual seu nome?— ousei perguntar.
Eu não sabia como ela havia entrado ali. Não havia porta pela qual ela pudesse passar.
Ela sorriu e correu pela sala.
— Eu sou você, sua boba.
Minha cabeça girava como um carrossel com defeito. Como se algum curto circuito o tivesse atingido, mas que ao invés de fazê-lo parar apenas o fazia girar mais rápido.
Eu me sentia tonta. Enjoada.
— Eu sou você.— repetiu ela.— eu sou seus medos. Sou sua inocência. Sua condenação. Esta sala, — ela começou a andar pela vastidão daquele lugar.— é sua cabeça. Sua prisão. E você está sozinha. E vai morrer.
Acordei mais rápido do que o esperado, a respiração ofegante.
A primeira luz que eu vi foi a do teto.
Não era a do quarto do cativeiro. Essa era mais forte, mais brilhante.
Até mesmo o ar aqui tinha um cheiro diferente.
Meus sentidos quase não estavam funcionando direito, minha cabeça doía e meus olhos se recusavam a aceitar a luz da lâmpada.
O cheiro de água sanitária me faz lembrar do hospital, e me faz perceber que é em um que eu estou.
Alguém me achou, e me resgatou, sem eu ter conseguido pedir ajuda.
Abro os olhos por completo dessa vez, franzendo o cenho e colocando a mão na frente.
Em minha mão havia pequenos tubos de plástico presos em um esparadrapo branco.
Eles me colocaram no soro.
— Que bom. Você acordou.
Sôou uma voz masculina dentro do cômodo. Eu já estava com os sentidos normais de novo e pude reconhecer o rosto que estava parado no batente da porta. Era o Gavin, chefe da cirurgia no Grace Hospital, onde eu com certeza estava.
— Como está se sentindo? — Ele diz e se aproxima, puxando uma cadeira para perto da maca.
Eu ofereço a ele um sorriso pequeno, frágil.
— Me sinto como um saco de lixo. Mas acho que vou ficar melhor.
Levo meus olhos até minhas pernas, sem perceber, e então acabo reparando que há uma elevação no lençol, maior do que quando eu dormia naquele lugar. Eu não tinha as coxas tão grossas.
Levanto o tecido azul e o branco, e encontro minha coxa direita com um roxo enorme e alto na mesma, mas com algum tipo de pomada.
Gavin pareceu desconfortável quando fiz aquilo. Preocupado e buscando um meio de me falar o que já era óbvio.
— Seu músculo sofreu danos demais e acabou inflamando.
— É, eu... — pisco algumas vezes, tentando afastar de minha mente as lembranças do espancamento.— eu sei.
— Sei que é um assunto delicado para você...— começou Gavin, mas eu não deixei que ele continuasse.
As lágrimas já ameaçavam cair.
— Gavin... olha. Não, por favor. Não quero falar sobre isso.
Ele me encarou por um tempo e fez um aceno positivo com a cabeça.
— A Margaret está ajudando em uma cirurgia, mas virá te ver assim que sair da sala de operação. A Kayla já ligou para saber de você também.
— Que bom... — respiro fundo e olho para o teto, ainda tentando controlar o choro.— vou ficar feliz em vê-las.
— Eu vou deixar você descansar, agora. Está bem?
Faço um aceno positivo com a cabeça para ele.
Ele se dirige até a porta.
— Gavin.— o chamo antes que ele vá de vez. Ele se vira, com as mãos nos bolsos do jaleco.— Eu queria... queria falar com quem me tirou de lá. Você sabe quem foi?
— Sei. Vou pedir para ele vir aqui, está bem?
Mais uma vez eu balanço a cabeça em concordância.
— Obrigada.
— Conte comigo sempre que precisar.
Ele me ofereceu um sorriso gentil e então se foi.
Aproveito que estou sozinha e deixo as lágrimas caírem, desabarem como cachoeiras que vão de encontro à um poço.
Meu corpo todo ainda doía, ainda ardia com a lembrança da violação e da surra.
Minha cabeça ainda se lembrava daquela voz tão rouca, que não parecia ser real.
Eu ainda me lembro daqueles olhos verdes e doentios dele.
Eu me sentia tão... fraca, e inútil. Me sentia tão descartável quanto um copo plástico.
Eu estava em chamas, queimando de angústia. Chamas tão fortes que minhas lágrimas, minha cachoeira não era capaz de apagar.
Minhas lágrimas, meu soluço era apenas uma pequena forma de aliviar aquela dor gigantesca em meu peito.
Eu fui uma boneca sexual. Fui sequestrada e espancada, usada como um brinquedo e ameaçada e torturada.
Aquele desgraçado roubou de mim única coisa que eu tinha. Minha própria vida.
Eu ainda irei o decepcionar. Ele provavelmente sabe que não estou mais naquele quarto horrível. Deve saber que fui salva e que estou sendo bem cuidada agora, que não sou mais seu brinquedo particular.
Talvez ele já esteja planejando me pegar de volta, ou me matar. Eu não importo mais. Por que quando ele me achar de novo, quando vir atrás de mim, meu corpo, meu eu não estará vivo.
Eu irei ser encontrada no chão de minha casa, no mesmo dia que sair daqui, com a boca espumando graças a overdose.
Vou sentir meus batimentos cardíacos me abandonando aos poucos, vou sentir as contrações de meu corpo.
E quando meu sangue parar de correr pelas minhas veias, quando meu coração parar de bater e meu cérebro não mais exercer suas funções, quando ele não conseguir fazer com que eu funcione, terei paz.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Fragmentada (PAUSADA)
RandomHá exatos 257 dias, Julie Andrews, de 19 anos, não vê a luz do sol. Confinada em um quarto sem janelas, a enfermeira mantém a mente ocupada, buscando uma forma de não enlouquecer. Ou coisa pior. Sem qualquer contato com o mundo fora daquele quarto...