3. Uma decisão

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A solidão já havia se tornado uma velha amiga, da qual eu contava histórias sobre minha vida alegre e colorida de antes.
Ela sempre ouvia. Era uma boa ouvinte.
Mas solidão é uma companhia intangível e invisível. Apenas é possível senti-la.
Numa hora ela é aconchegante e pacífica. Em outra hora ela é como uma brisa leve, apenas para se tornar um enorme furacão, capaz de destruir os pedacinhos que restaram do meu coração.
Em outros momentos ela é impiedosa, sempre me lembrando do meu passado e de como era feliz, e não dei valor.
" Você foi uma idiota em se martirizar da vida que tinha", ela dizia. " Agora irá morrer como uma boneca sexual de algum depravado. Você mereceu isso."
Normalmente a vítima sempre se culpa quando coisas assim acontecem. Comigo, infelizmente, não foi diferente.
Mas, parece que meu sequestrador não quer que eu perca completamente a sanidade.
Depois do livro 9 de Novembro, ganhei mais dois.
Esses não eram meus, mas também não eram romances quaisquer. O primeiro tinha uma capa branca com galhos de árvore secos, onde uma coroa repousava em um deles, e uma joaninha verde em outro. O título era O Príncipe Cruel.
Uma fantasia, com seres que pareciam elfos. Uma história que me faria viajar. Sumir da minha própria realidade.
O outro, chama-se Caraval. Também uma fantasia, porém com um universo totalmente diferente do anterior.
Apesar minha grande quantidade de tempo livre, devorei 9 de Novembro em poucos dias, pois não sabia se conseguiria outro livro.
Aproveitar cada pagina e cada linha daquele belíssimo livro manteve um pouco da minha sanidade no lugar.
Três dias depois, comecei a ler Caraval.
Simplesmente incrível, diferente de tudo que eu já havia lido na vida.
Depois de mais alguns dias, comecei O Príncipe Cruel. Do qual já terminei de ler.
Permiti que aqueles personagens me fizessem companhia. Permiti que trouxessem luz para minha escuridão e que espantasse a solidão.
Aqueles personagens tão complexos e cativantes fizeram com que eu me sentisse menos sozinha. E, com toda certeza, fizeram eu me sentir livre.
Aqueles livros me fazia sentir como uma andarilha, uma exploradora. Mas eu não andava nas ruas de uma cidade qualquer. Eu viajava entre mundos, conhecia pessoas inimagináveis e presenciava a magia e suas diferentes formas.
Atravessava universos.
Tudo isso, em algumas centenas de páginas. Eu havia me esquecido como era passar meu tempo lendo.
Estava sempre tão ocupada estudando e me dedicando no curso, que esqueci de mim. Esqueci de me divertir.
Apesar de sair algumas vezes com as minhas colegas de trabalho, e falar com minha melhor amiga por Skype.
Eu não me lembrava da última vez que peguei um livro que não tinha páginas com desenhos de órgãos humanos.
Mas ainda sim, essa companhia literária tão agradável não estava sendo suficiente.
Eu ainda travava uma guerra diária comigo mesma, com minha mente. E, na maioria das vezes, eu perdia.
Dessa vez, estava determinada a decepcionar meu sequestrador.
E já estava preparada para o possível aconchego que viria depois.
Estava pronta para partir, para deixar a morte me receber em seus braços.
A escuridão que a morte oferecia não me assustava mais, na verdade, parecia acolhedora e gentil. Uma escuridão que acabaria com a dor.
E com toda essa situação de merda.
Mas não hoje, não ainda. Não aqui. Eu não deixaria que jogassem meu corpo em qualquer lugar, o que com certeza fariam.
Então tive um plano melhor, e se tudo corresse como planejado, eu teria minha chance.
Vou até a mesa e  pego a faca, minha futura salvadora.
E marco mais um dia.
— 250.

Fragmentada (PAUSADA)Onde histórias criam vida. Descubra agora