6. Perdida

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Antes de virar a esquina daquele primeiro corredor, eu ainda podia ouvir os barulhos na porta de aço, baixos, quase inaudíveis agora graças a distância.
Aquele prédio fedia a urina, mofo e qualquer outra coisa desagradável que não consegui identificar.
Mas eu estava livre, finalmente.
Eu havia ficado 257 dias trancada, 257 dias pensando na melhor forma possível de morrer, imaginando que estava louca. Mas agora estou livre.
Não sou mais um animal enjaulado. Sou uma sobrevivente, e me recuso a não ser forte. Eu vou conseguir. Eu preciso.
Apesar da euforia de meus pensamentos, me mantenho atenta e continuo descendo as escadas. Quando chego no que acredito ser o terceiro andar do prédio, escuro passos apressados vindos da estaria há 10 metros de mim. Olho para os lados, desesperada, com o coração batendo mais rápido do que eu imaginária e entro no primeiro cômodo que avisto, bem a minha esquerda.
Segundos depois, ouço duas vozes masculinas.
— Ele disse que ela saiu há alguns minutos.— disse um deles, com a voz rouca.— Não deve estar muito longe.
— Ele disse que havia dias que ela não comia direito, então deve estar fraca. — disse o outro, com a voz menos rouca e mais suave. Trêmula até, eu diria.
Isso era verdade. Meus músculos estavam reclamando, minha cabeça estava começando a ficar zonza. Mas eu não iria ceder a fraqueza. Iria aguentar, e pedir ajuda no estabelecimento mais próximo depois que sair daqui.
— Procuramos ela primeiro ou soltados o Daven?
Daven. Então era esse o nome do Olhos Castanhos. Eu jamais esqueceria esse nome, ou aquele rosto. Muito menos aquele olhar malicioso.
— Não. Primeiro soltados aquele idiota, e depois procuramos ela. De toda forma ela não vai conseguir ir tão longe, não se realmente estiver fraca como ele disse.
— O chefe vai nos matar se a perdermos.
— Deixa de ser medroso, Richard!
— Não sou medroso, só estou tentando manter meus ossos exatamente onde estão.
— Medroso. — repetiu o de voz rouca.
— Cale a Boca!
Um som chiado surgiu, como de um walkie talkie.
— Onde vocês estão seus idiotas?
Aquela voz eu conhecia. Daven.
Eles não responderam, apenas escutei o som seus passos ficaram cada vez mais baixos.
Me esgueiro pelo portal do que viria a ser uma porta e olho ao redor, me certificando de que não estavam aqui.
Não estavam.
Segurei ainda mais firme o pedaço de madeira em minhas mãos e continuei meu trajeto, jamais me esquecendo de checar o meu redor.
A luz do sol não era das melhores ali, desde o momento em que sai daquele quarto. Então, eu sabia que ficaria muito incomodada quando saísse do prédio, afinal, meus olhos perderam o costume com uma quantidade tão grande e forte de luz. Minhas órbitas doeriam, e eu veria vários pontos coloridos, provavelmente. Talvez até dor de cabeça me daria.
Mas eu não me importava. Eu seguiria, e prenderia esses filhos da puta.
2° andar. Ninguém.
1° andar. Ninguém.
Térreo. Ninguém.
Sorrio comigo mesma, de forma espontânea e seguro as lágrimas que ameaçam escorrer de Meus olhos e deslizar pelas minhas bochechas.
Só pelo fato de estar a um passo da minha liberdade fazia com que eu me esquecesse da dor latejante no braço.
Eu penso que, talvez, haja mais deles. Provavelmente deve haver. Por isso, piso para fora do prédio e corro. Mesmo com os olhos doendo por causa da claridade. Mesmo com os músculos reclamando pela movimentação repentina e totalmente fora de rotina.
Sigo tateando os muros, as construções. Quase dou de cara com um poste.
Meus pulmões também começaram a reclamar, mas os ignoro.
Viro a direita e saio em uma ruela, com dois carros estacionados e alguns sacos de lixos jogados no chão.
Eu não sabia onde estava, apenas segui em frente. Virando aqui e ali. Eu nem sabia mais há quanto tempo estava andando.
Os barulhos de carro passando, bicicletas, e o frequente mal cheiro de Nova York surgiu em minhas narinas. Em minhas memórias.
Meus olhos já haviam se acostumado com a claridade, e então, olho para a placa na esquina da rua em que sai e li o que estava escrito.
47th street. Ótimo, eu estava perto da 6th Avenue. E também perto da Broadway.
De onde eu tinha saído? Não faço ideia. Quanto havia andado? Disso eu sabia menos ainda.
Mas estava com sede. Muita.
Ando mais alguns metros e encontro uma lanchonete.
Quando começo a andar novamente, uma Blazer preta para de forma brusca na minha frente. A porta se abre rápido demais para que eu conseguisse correr ou gritar. Apenas sou puxada para dentro do veículo. Me debato, tento gritar, mas me seguram com força e tapam minha boca, um cheiro invade minhas narinas, me deixando sonolenta.
A camionete sai cantando pneu, buzinando e furando faróis. O homem que me puxou para dentro da Blazer me encara, ouço sua risada, que parecia tão distante.
Mas mesmo com a visão ficando enevoada, reconheço aqueles olhos castanhos. Daven.
Sinto as lágrimas escorrerem, e antes de a inconsciência me tomar para si, percebo que cantei vitoria cedo demais.
Percebo que eu voltaria para aquele inferno, e que seria ainda pior.

Fragmentada (PAUSADA)Onde histórias criam vida. Descubra agora