Capítulo um

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Vinícius

2021

Nada tinha um poder tão forte de mudar uma pessoa quanto a ação do tempo. E os doze últimos anos haviam sido tão intensos na minha vida, que eu poderia afirmar, sem qualquer dúvida, de que eu agora era um homem completamente diferente do garoto de dezoito anos que saiu da casa dos pais e foi tentar reiniciar a vida na cidade grande.

Na verdade, muito diferente. Não completamente. Eu ainda seguia tendo a determinação como minha maior característica.

Nesse espaço de tempo, eu tinha estudado muito, trabalhado intensamente e me apaixonado perdidamente. Conheci Luana no meu segundo ano de faculdade, e logo estávamos completamente envolvidos. Com alguns meses de namoro ela engravidou, nós passamos a morar juntos e tivemos uma filha, Cecília, que agora estava com dez anos, e iniciamos a criação de nossa própria empresa de publicidade.

Porém, três anos depois que nos formamos, Luana sofreu um acidente, e... eu a perdi.

Nós a perdemos. Agora, éramos apenas Cecília e eu. Após a perda, mergulhei mais no trabalho, empenhado em crescer cada vez mais com a V&L Publicidade.

E tal esforço vinha dando resultados. A empresa vinha crescendo cada vez mais, fechando mais e mais contratos. Eu sabia que Luana estaria orgulhosa em ver onde tínhamos chegado.

Terminei de arrumar a mesa, colocando sobre ela alguns pacotes de biscoitos, pão de forma, geleia, manteiga e uma caixa de suco industrializado. Foi impossível deixar de me lembrar do quanto Luana amava organizar as mesas das refeições, e sua favorita sempre foi o café da manhã. Ela com certeza faria um suco natural, fritaria alguns ovos ou talvez fizesse algumas panquecas ou me mandaria à padaria para comprar pães frescos. Desde que ela se foi que praticidade e a agilidade controlavam a minha vida.

— Cecília! — chamei, com a voz alta. — Venha logo tomar o seu café, ou vamos nos atrasar.

Puxei uma das cadeiras da mesa redonda da sala e me sentei, começando a me servir, até que, instantes depois, minha filha chegou, já vestida com seu uniforme escolar e puxando sua mochila de rodinhas. Ela se sentou diante de mim, mas sequer me olhou, já que parecia entretida demais com qualquer coisa que via em seu smartfone.

Aos dez anos, ela era completamente viciada naquele maldito aparelho.

— Quem vai me buscar na escola? — A dúvida dela não era em vão.

O dia anterior tinha sido o último de trabalho da moça que trabalhava como sua babá. Ela deixou o emprego de forma súbita, informando com apenas alguns dias de antecedência que ela e o marido tinham decidido se mudar para outro estado. Eu não tive tempo para procurar por uma substituta.

— Vou ficar na empresa apenas na parte da manhã. Passo na escola para te buscar e à tarde sigo fazendo o meu trabalho de casa.

Eu apenas não sabia até quando eu conseguiria seguir aquela rotina. Trabalhando com publicidade e design e sendo o dono da empresa, eu podia perfeitamente realizar o meu trabalho de maneira remota. Mas sempre gostei de estar por perto e de fiscalizar se tudo estava indo bem. Eu tinha ciência de ser um completo viciado em trabalho, mas este era um vício que eu não tinha planos de abandonar. Sentia como se fosse ele o que me mantinha vivo.

— E amanhã? — Cecília questionou, sem tirar os olhos da tela do celular.

— A mesma coisa. Todos os dias, até conseguir uma nova babá.

— Não precisa ser todos os dias. As aulas terminam depois de amanhã.

Claro! Já estávamos em dezembro, afinal de contas.

Seguindo o Coração [DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora