Capítulo 6___________________________
Ir para a escola nunca foi tão assustador. A cada passo que eu dava, sentia que alguém me vigiava. Alvos, todos os estudantes da Queen Médias (QM) viravam alvos perfeitos na minha lista de infindáveis nomes de possíveis vingadores escolhidos por minha ex-melhor amiga para tirar nota de todos os eventos seguintes da minha vida.
Olhei ao redor e avistei Ayla Martins, uma menina magricela, não muito alta, com cabelos loiros esvoaçantes, que cursava o terceiro ano e tinha fama de ser uma popular vingativa que, aparentemente, havia retirado sua atenção de sua trupe esnobe para me ver passar afobado pelo corredor. Ayla era uma ótima escolha para espionar alguém. Era misteriosa, calculista, gananciosa e intimidava qualquer oponente só de lhe lançar um olhar. Definitivamente preenchia todos os requisitos de espiã, ainda mais pelo fato de não ter tirado sua atenção de mim durante todo o caminho que percorri até a sala. Bom, ou ela era participante do jogo de Eliza, o que fazia todo o sentido, já que as duas faziam parte de um grupo de estudos avançados no começo do ano, ou era só mais um aluno que me encarava de volta por não entender o porquê de eu estar o fitando pelo olhar.
Por cogitar isso, voltei a observar meu caminho reto e esbarrei minha vista em Victor Shehu. Arregalei os olhos, um espião perfeito! Alto, musculoso, intimidador, repetente, desleixado nas aulas, mas com uma geniedade para tramar pegadinhas e fazer serviços sujos tão grandes, que até professores o contratavam fora do expediente acadêmico para armar supostas vinganças a companheiros amorosos. Sim, Victor seria uma ótima escolha de Eliza para realizar suas vinganças para jogadores fraudulentos.
E Berenice Furquim então? Líder do grupo de fofocas da cidade. Ela era tão boa em fuxicar a vida dos outros, que tinha ganhado até uma manchete no jornal do colégio onde uma vez por semana decapitava a imagem de alunos que davam qualquer deslize considerado muito bom para não ser anunciado para toda Queen Médias. Com sua pele negra maravilhosa, seus cabelos de cachos definidos nos ombros e franja, seu par de olhos verdes, seu primeiro ano no ensino médio e uma trama muito interessante que Eliza lhe propôs onde ela ficaria a par de todos os acontecimentos das suas cartas e poderia anunciar em primeira mão o desenrolar de tudo, Berenice Furquim era a aliada competente que minha ex-amiga estava procurando, tão interessada em ter uma boa fofoca, que seria capaz de vigiar até a pessoa mais desconfiada do mundo e passar despercebida por ela só para ter um bom furo para contar.
Franzi o cenho meditando nas últimas palavras que minha ex-colega tinha dito para mim a respeito das cartas: "Quero que as pessoas se lembrem de mim no futuro, e só posso fazer isso, através disso."... Eliza queria ser inesquecível, e que coisa melhor do que montar emboscadas através de um jogo que em segredo ela arquitetou? Era por isso que ela vivia andando com aquela caixa de um lado para o outro... A Blanchart não pretendia que as pessoas lessem sua despedida e depois jogassem os restos mortais da carta fora, ela queria obriga-las a viver algo que ela esquematizou, queria depositar todos os envelopes nos lugares que suas charadas demandavam e entregar os bilhetes no momento certo, quando estivesse morrendo, para sentenciar as pessoas a não se esquecerem dela tão facilmente, para se tornar memorável, a garota que antes de morrer planejou uma caça ao tesouro. Parte de mim começou a se perguntar há quanto tempo minha ex-amiga tinha pensado em tudo aquilo? Bastante, acredito.
As dúvidas e suspeitas de pouco em pouco viravam um tumultuo contínuo em minha mente ansiosa. Eu corria perigo, era tudo o que conseguia pensar... Mas pior, pessoas além de mim também tinham caído naquela emboscada e deveriam estar tão encrencadas quanto eu, erámos forasteiros em um jogo armado e pensado para ser irreversível, e tínhamos serio risco de nos sequelarmos caso desacatássemos as regras, estávamos perdidos dentro de um labirinto sem saída.
Entrei na sala tão alarmado e me joguei na cadeira tão esbaforido, que não pude não receber olhares curiosos de meus colegas e despertar o gatilho de preocupação da minha agora salvadora sobre o que se passava dentro dos meus pensamentos confusos. Não demorou muito para me deparar com Antônella sentando na carteira em frente a minha com um sorriso acolhedor.
- Oi! - saudou animada.
- Oi... - Devolvi desconfortável sentindo o peso de todos os episódios posteriores da minha então tentativa de suicídio voltando à tona. - O que está fazendo aqui? Sua turma é no final do corredor, não? - perguntei seco. Antônella podia ter me salvado, sim, ok, eu era grato, mas imaginá-la passando o resto dos dias correndo atrás de mim para me vigiar e virar minha amiga não era muito agradável. Já tínhamos tentado ser aquilo no passado e não deu certo, na primeira oportunidade ela foi ter o vislumbre de como seria ser uma adolescente popular e eu fiquei sozinho me perguntando o que tinha feito para ela ir embora da minha vida tão rápido quanto chegou. E andar com os idiotas que ela andava não era a praia que eu estava disposto a entrar.
A garota abriu um sorriso sem graça.
- Sim... Mas a Felícia me chamou para ver uma coisa aqui e bem... Eu queria saber como estava também... Depois de, você sabe.
- Estou bem - respondi rapidamente. - Valeu por se preocupar e mais uma vez obrigado por tudo o que fez por mim.
- De nada - ficou corada e ajeitou uma de suas trancinhas de box braids que certamente seriam retiradas logo, logo por causa do trabalho que tinha para cuidar delas depois dos treinos de natação diários.
A encarei por um segundo. Antônella era linda. Sua pele negra, seu par de olhos grandes e castanhos, sua boca grossa, seus cabelos que trançados ou não trançados estavam sempre impecáveis e tinham uma tonalidade castanha escura brilhosa de se invejar. Ombros largos por causa do esporte que praticava, altura mediana e uma áurea alegre e boa tão grande, que contagiava qualquer um que estivesse abatido.
- Hum... Seus pais brigaram com você? - Quis se aprofundar no assunto.
- Não, só conversaram sério comigo, mas não chegaram a discutir.
- Que bom - sorriu feliz. - E o que eles te falaram? Não querendo ser intrometida, claro, é assunto pessoal.
Dei de ombros e balancei a cabeça negativamente demonstrando que não me importava dela estar fazendo questionamentos.
- Disseram que vão procurar ajuda médica.
- Hummm, ótimo.
- Sim... Acho que já passou da hora de eu ter auxílio de quem pode me ajudar.
- Concordo - garantiu com veemência.
Assenti dando um sorrisinho nervoso. Ela pegou minha mão. A olhei de sobressalto.
- Théo... - chamou acariciando minha palma. - Eu só queria dizer que... Bom, Eliza se foi... E... Para você ter chegado ao ponto de tentar fazer aquilo, significa que não está bem, acredito. - Me encarou séria. - E queria deixar claro que estou aqui, ok? Para o que der e vier, pode contar comigo.
Forcei um sorrisinho.
- Ok.
- Estou falando sério. Para qualquer coisa, não hesite em me procurar.
- Tá... - Retirei minha mão da sua me sentindo desconfortável com sua atenção, pois sabia que era motivada pelo o que aconteceu na praia. Em outra época, ela nem olharia na minha cara.
A garota percebeu meu mal estar com sua oferta. Suspirando com pesar, começou:
- Théo, olha? Não precisa ficar... - Petrificou assim que contemplou a imagem de um garoto todo machucado e acanhado entrando esquivo dentro da sala. Arregalando os olhos e levantando com um pulo correndo ao auxílio do menino, chamou assustada - Heitor? O que fizeram com você?!
Me assustei ao admirar nada mais nada menos que o ex-namorado de Eliza, Heitor Castros Andrade, todo sequelado daquele jeito. Um arrepio na espinha percorreu todo meu corpo ao ouvir o primeiro pensamento que me veio à cabeça: Será que Heitor era um dos jogadores das cartas da falecida companheira e não havia completado a missão e por isso tinha sido espancado?! Levando em consideração a maneira conturbada que o relacionamento deles teve fim, fazia todo o sentido ela querer se vingar de algum jeito, armando para ele emboscadas incompletaveis nos seus bilhetes. Isso significava que era mais sério do que eu imaginava! Caso minhas suspeitas estivessem certas, claro.
Preocupada, Antônella passava aflita as mãos pelo rosto do amigo.
- Você está machucado, vamos para a enfermaria.
Nervoso e enfurecido, o menino deu um tapa de leve nas mãos dela e vociferou entredentes se jogando na carteira.
- Me deixa em paz.
- Bateram em você! Temos que limpar os machucados - não obedeceu e ajoelhou aborrecida na sua frente. - Foram eles que fizeram isso? Ou... Ele?... - Quis saber num murmuro quase incompreensível.
Cheguei a prender o ar. Eles?... Eles quem?... Participantes do jogo de Eliza talvez? Engoli em seco, as peças do quebra cabeça só ganhavam mais espaços a cada minuto. A fuzilando pelo olhar, repetiu ríspido:
- Me. Deixa. Em. Paz.
- Heitor...
- Vai para sua sala, Antônella! Que saco!
Bufando e levantando, resmungou ofendida:
- Eu só queria ajudar. - E saiu batendo os pés porta afora, esbarrando sem querer os ombros nos de Victor Shehu que entrava na sala.
O impacto fez o garoto lhe olhar feio e grunhi:
- Ei!...
Mas ela sequer virou para trás, foi embora.
- Eu em! - Victor resmungou entrando aborrecido na sala.
Misterioso e irritadiço, tudo o que Heitor fez foi puxar as mangas do agasalho preto até as palmas e pôr o capuz sobre a cabeça, escondendo seus cabelos castanhos escuros bagunçados e deitando sobre a mesa com os braços sobre seu rosto logo em seguida, deixando fora de evidência qualquer vista da sua pele branca machucada.
Expirei com força e voltei minha atenção aos meus pensamentos que de repente gritavam: Antônella sabe de alguma coisa!... E eu não sabia como, mas tinha que descobrir o que era.
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Ps: Ft de representação do Heitor lá em cima!
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Loucuras da aventura
Mistério / SuspenseProblemas psicológicos, ansiedade, fobia social e falta de motivação para viver de longe era um dos maiores problemas de Théo, um garoto totalmente fechado e incompreensível que tinha como companhia somente uma amiga doente, prestes a morrer, que al...