Capítulo 40 _________________________
Acordei com um raio de sol forte da manhã banhando a minha face. Meus olhos demoraram a se adaptarem à luz irradiante da estrela quente e explosiva envolvendo a terra. Me senti um pouco alienado quando me deparei com a Berenice aninhada em meus braços. Dormimos abraçados, quase que de conchinha, e minha mão direita estava por cima da sua mão esquerda. Estávamos literalmente grudado no outro.
Me perguntei como havíamos nos envencilhado daquele jeito, e lembranças fracas e embaçadas acederam em minha mente. Estava um frio de tremer os dentes de madrugada e, sonolentos e praticamente inconscientes, nos abrigamos no calor do outro para tentar combater um pouco do gelo congelante que nos atormentava. Ficamos assim pelo resto da noite, pelo visto.
Sentir minha bochecha corar por ter a tido por tanto tempo entrelaçada a mim e observei seu rosto ameno debaixo do meu à proporção que fui levantando minha cabeça de levinho para conferir se ela estava dormindo ainda. Ao supor que sim, me desvencilhei com cuidado de seu corpo, temendo acordá-la caso levantasse de uma vez. Senti sua pele roçando contra a minha em torno dos meus movimentos e me perguntei se eu voltava a me abrigar em seus braços assim que as árvores dançaram e mais uma brisa gelada beijou minha bochecha. Chacoalhei-me para espantar o frio e, ainda meio alarmado por ter acabado de acordar, observei o lago transparente à minha frente e conferir as horas no meu relógio de ponteiro no pulso. Uma linha de pânico passou agressiva no meu coração.
— 09:30? — sussurrei desesperado.
A ESCOLA! A GENTE TINHA PERDIDO O HORÁRIO DE ENTRADA! E MEU DEUS! HOJE TINHA PROVA E TRABALHO PARA ENTREGAR! Meu coração bateu a mil ao se lembrar daquilo. Era a segunda prova do bimestre que eu perdia, a segunda! E O TERCEIRO TRABALHO QUE EU IRIA ENTREGAR ATRASADO! AI MEU DEUS! REPROVAR NÃO! REPROVAR NÃOO!
Embriagado de pânico, voltei meu corpo para o de Berenice e passei minhas mãos calmamente pelo seu braço, murmurando para acordá-la:
— Nice... São 09:30. A gente perdeu a aula, seus pais devem estar preocupados também.
A dona da manchete de fofocas franziu o cenho em uma careta e sussurrou sonolenta:
— Aula?...
— É — confirmei mansamente e acariciando seu braço com o polegar. — Nós tínhamos que ir para a escola hoje, esqueceu? A Queen Médias.
Berenice apertou os olhos e resmungou emburrada de sono:
— Quem se importa com a QM?
Ri. Ela ficava fofa revoltada.
— Bem... Eu... — confessei. — Tinha muitas coisas importantes para fazer lá hoje... Provas, trabalhos... Deveres e...
— Shii! — implorou fazendo careta e passando as mãos nos olhos. — Por favor, não me lembre que eu perdi tudo isso também. Estou tentando não pensar na bronca que vou levar por ter desaparecido e perdido aula num dia excepcionalmente importante do bimestre. Sua sorte, Sr Théo, é que eu sei que me garanto na recuperação, se não, iria te matar afogado nesse lago agora mesmo. — Sentou na grama espreguiçando as costas.
Sorri nervoso.
— Que bom que sua inteligência salvou meu pescoço então... — fiz graça.
Ela riu sapeca e caçoou fazendo pose de poderosa excêntrica:
— É o preço que se paga por ser tão perfeita.
Gargalhei.
— É, tenho que concordar — admiti. Ela me encarou com carinho e fez uma leve reverência com as mãos e a cabeça agradecendo o elogio das entrelinhas.
Suspirei ao sentir meu coração bater errado. O que tinha naquela menina que me deixava tão abobado assim?
— Ei... — voltou a falar depois de uns segundos. Analisando com precisão o meu rosto (que deveria estar parecendo um pão doce caseiro de tão inchado), questionou com a voz fraca — Se sente melhor?...
Tentei aniquilar toda a tristeza do meu coração para convencê-la de que eu já estava bem, mesmo que na verdade me sentia tão ou mais quebrado que no dia anterior. Berenice já tinha feito muito por mim, não era justo continuar a segurá-la ao meu lado para me consolar. Foi bom o tempo que passamos juntos, mas já deu, ela tinha que voltar para casa e eu... Encontrar uma para ficar, pois na minha eu não pretendia entrar.
Forcei um sorrisinho que torci para ter saído bem sincero.
— Sim, estou — garantir ainda que fosse uma baita de uma mentira cabulosa.
A garota assentiu.
— Ok... Acho melhor voltarmos para o centro do vilarejo então, né?... Ou podemos continuar aqui até que queira voltar. Por mim tanto faz, sério.
Balancei a cabeça de um lado para o outro e argumentei:
— Não, não, claro que podemos voltar. Aliás, não sei você, mas eu estou morrendo de fome e louco para comer alguma coisa no Helinor. Eu pago seu café da manhã, topa?
Berenice me olhou e questionou como uma gata pronta para brincar com a isca:
— Posso pedir panquecas com cobertura extra e cappuccino com chantilly e pedaços de marshmallow...???
Sorri e brinquei com a ponta do seu nariz.
— Pode pedir o que você quiser — deixei claro. — Considere meu dinheiro seu dinheiro. Tá livre para me falir hoje, se for o caso.
Ela riu e avisou:
— Olha que eu vou levar essa autorização a sério, em? — Levantou da grama e limpou o bumbum. Fiz o mesmo.
— Pois pode levar, princesa... — mordi a língua ao perceber que mais uma vez aquele apelido tinha escapulido da minha boca, mas para Berenice dessa vez. QUE DIABOS ESTAVA ACONTECENDO COMIGO?!?!?! —... Estou... As suas ordens esta manhã...
Berenice suspirou ao ouvir o apelido e se pôs a andar ao meu lado. Depois de alguns segundos de silêncio desconfortável, alegou:
— Certo, já que está às minhas ordens hoje... Tenho que te contar uma coisa e te pedir um favor. Queria ter contado ontem à noite, mas achei que não era o momento de te preocupar com as coisas do jogo.
Meu ouvido chegou a ficar mais aguçado para ouvi-la.
— Pode dizer — a incentivei a continuar ficando tenso de imediato.
A Nice esfregou as mãos demonstrando nervosismo e desabafou:
— Eu... Já... Sabia que a prefeita estava envolvida, desconfiava para ser sincera. E já sabia que ela era a mãe de Victor...
Franzi as sobrancelhas.
— Como assim?...
A dona da manchete de fofocas me olhou e confessou com o coração na garganta:
— Eliza... Antes de morrer, passou na minha casa.
Arregalei os olhos.
—... E me contou sobre o jogo, superficialmente, mas contou... Pediu para que eu pelo amor de Deus publicasse na minha manchete para que ninguém abrisse as cartas dela. Eu obedeci, em pânico, mas obedeci. No dia seguinte, estava indo colocar no jornal, mesmo sem a autorização da minha supervisora, e, quando abri a porta da sala de edição, a prefeita estava lá dentro, junto com dois caras fortes. As máquinas e tintas e tudo que fazia o jornal acontecer, estavam estraçalhados no chão, completamente quebrados.
“Tomei um susto e perguntei o que tinha acontecido. Sarah Grigio alegou que vândalos haviam invadido a escola à noite e destruído a sala de edição, mas que haviam deixado um bilhetinho em cima da mesa que dizia:Os amigos de Eliza estiveram aqui.”
Estremeci.
— Me-Meu Deus — gaguejei.
— Eu entrei em pânico. Amarelei completamente e dei para trás na promessa que fiz para Eliza. Não publiquei seu aviso. Fiquei cega de medo, temendo que se eu publicasse, viessem atrás de mim... E algo naqueles dois seguranças da prefeita me era estranho. Eles não pareciam cidadãos de bem que prometeram guardar a vida da prefeita custe o que custar... Algo nos olhos deles tinha ódio... E nos dela também. Fiz uma verificação rápida na sala e notei que a tinta da impressora ainda escorria fresca... E se tudo aquilo tivesse sido causado à noite, então, já era para ela estar seca. Foi então que saquei, foram eles que fizeram aquilo.
“Fingir demência nos próximos dias e, como uma ótima jornalista que sou, comecei a investigar a vida de Sarah. Passei a vigiá-la quase 24 horas ao dia, encontrei os vídeos da câmera da sala de edição e confirmei minhas suspeitas: Havia sido ela e os capangas quem destruíram tudo, minutos antes de eu chegar.”
“Quis sair correndo e contar para Eliza o que eu tinha descoberto, mas... Ela tinha falecido naquela manhã e alunos da QM já estavam sendo ameaçados com o jogo. Decidi ir contar à polícia que eu sabia que Sarah Grigio estava envolvida... Mas então, a vi conversando com Victor e chamá-lo de filho...”
A olhei sério, tentando assimilar tudo o que Berenice revelava.
— Sarah Grigio estava entregando a carta de Eliza para o próprio filho e praticamente chorando ao fazer isso. Percebi que algo no meu quebra cabeça não encaixava e que era cedo demais para entregar alguém aos militares, eu teria que ir mais fundo, ter mais respostas e provas. Cheguei em casa, rasguei o envelope e li minha carta, entrei no jogo de propósito em dois segundos e fiz meus amigos entrarem também, porque sabia que eu não conseguiria sem eles e que só possuiria minhas respostas se estivesse envolvida dos pés a cabeça no jogo. Mas eu tenho um aliado precioso que nunca contei a ninguém. Eu e ele agimos em silêncio, até agora.
Franzi as sobrancelhas.
— Quem? — Questionei com o coração na garganta. Nossos passos eram lentos caminhando até a cidade.
— Heitor — revelou perspicaz. — Eliza me aconselhou várias vezes a me juntar ao garoto, que ele saberia ajudar, que os dois já estavam conversando há tempos e combinando de criar um grupo especial, o LDA 2.0, para agrupar todos os jogadores valentes o suficiente para enfrentar essa história, todos que estavam dispostos a correr atrás de um ponto final. Heitor jurou de joelhos para Eliza que iria servir de isca para qualquer proposta que fizessem, mesmo que ela estivesse tentando o convencer do contrário, pois sabia que era perigoso. Ele estava disposto a espionar, a se entregar para dar um fim nos bandidos, e foi isso que fez.
— Como assim? — questionei tremendo.
Ela me olhou com o semblante perturbado.
— Eu o contei sobre minha desconfiança em relação a prefeita e deixei claro de que realmente existia alguma coisa errada com Sarah e que precisávamos de mais provas, e só tinha um jeito: Nos infiltrando dentro da casa dela. — Meu cérebro chegou a explodir com aquela revelação. — Então, bolamos um plano: A fuga forjada dele. Onde só eu e Heth no grupo saberíamos para onde ele foi e por que. Era nossa missão secreta. Foi tudo minimamente arquitetado para dar certo e funcionou... Pelo menos até agora.
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Loucuras da aventura
Mistério / SuspenseProblemas psicológicos, ansiedade, fobia social e falta de motivação para viver de longe era um dos maiores problemas de Théo, um garoto totalmente fechado e incompreensível que tinha como companhia somente uma amiga doente, prestes a morrer, que al...