CAP 4- Que eu encontre mais motivos para sorrir e menos para chorar✉

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Capítulo 4 ___________________________


     Desespero: Estado de profundo desânimo de uma pessoa que se sente incapaz de qualquer ação; desalento. Estado de consciência que julga uma situação sem saída; desesperança, em outras palavras, Théo Azevedo van de Berg.
    Bastou eu abrir os olhos pela manhã e não ver a Senhora Margo ao meu lado e no lugar ouvir vozes mais que conhecidas que evidentemente vinham de Alíce e Jorge, especificamente meus pais, para meu coração começar a dar quinhentos pulos seguidos.
 
— Não, não, não! — me apavorei em sussurros e já começando a chorar de medo. Eles. Me. Comeriam. Vivo.
 
   Sabendo que o que me aguardava atrás daquela porta seria bem pior que uma sepultura, decidi pedir recursos ao único ser que poderia me ajudar de verdade, em uma oração completamente trêmula:
 
   “Clamo pelo poder e a vida que há no sangue do Senhor Jesus, Pai, me perdoa por todos os pecados que eu cometi, me perdoa por ter sido mais que burro e ter tentado me matar, tirar a vida que o Senhor com todo o carinho fez, e muito, muito obrigado mesmo por ter enviado recursos para me deixar vivo, mas por favor, eu imploro de todo o meu coração, não deixa os meus pais surtarem comigo, não deixa, por favor, por favor, eu estou arrependido de verdade, de verdade, me desculpa, eu imploro. É este o clamor que eu lhe faço agradecendo desde já por tudo, em nome de Jesus amém...
 
   Tomei um susto ao sentir meu corpo bater em alguma coisa, com a mão no peito e a sensatez esgotada, virei com um pulo na direção do que eu tropiquei e até permiti meus olhos marejarem mais ao deparar com aquela imagem deplorável que refletia de mim no espelho. Aquele era eu? Eu havia me tornado aquilo?...
Com o choro se intensificando e a garganta fechando, comecei a passar completamente trêmulo a mão pelo meu rosto por ver que eu estava literalmente na minha versão mais desprezível o possível. O pijama (que nem era meu) todo amarrotado e encharcado de lágrimas, o cabelo castanho claro extremamente bagunçado (e nem dava para colocar a culpa no fato de eu ter acabado de acordar, pois o normal dele tinha se tornado aquilo, eu não tinha mais forças de vontade de alinha-lo), os olhos castanhos escuros assustados acompanhados de gigantes bolsas de olheira. O rosto 24 horas inchado, cercado de espinhas (mas isso pelo menos é normal) mal cuidadas e inflamadas. Semblante cansado, nariz escorrendo. A pele branca sem graça cheia de cicatrizes e a coluna que fazia minha altura normal ser mediana, acompanhada de uma encurvação que eu passava a ganhar de presente de pouco em pouco, como se carregasse um peso enorme nas costas.
   A visão embaçada por suportar tanta água em meus olhos tornava a cena cada vez pior. Sem ar e o pavor de me ver daquele jeito tomando conta de mim, pus uma palma no reflexo do espelho e despenquei com tudo de joelhos no chão permitindo o soluço do choro, que logo se tornou vários, saírem em disparado. EU NÃO QUERIA SER AQUILO! EU NÃO QUERIA SER AQUILO!!
   Acho que o som do meu pranto se expandiu para fora do quarto, pois, tão apavorados quanto eu, duas figuras humanas entraram com tudo no cômodo.
 
— Théo! — minha mãe chamou alarmada ajoelhando-se enfraquecida ao meu lado e juntamente ao meu pai, começou a me envolver em um abraço sufocante, mas que era exatamente o que eu precisava no momento.
 
   Não sei como a sessão iniciou, mas quando me dei conta, começamos a chorar os três juntos.
 
— O que foi? O que está acontecendo com você? — papai questionava atordoado.
 
— Fala com a gente, filho, diz o que está havendo — mamãe pedia aflita e segurando meu rosto.
 
   Chorei com mais força. A dor de cabeça se alastrava com intensidade sobre meu cérebro. Meus olhos ardiam, minha garganta doía e minha consciência sumia. A única coisa que eu tinha certeza, a única declaração que eu tinha em mente era bem simples, mas com uma solução totalmente impossível no meu ponto de vista.
 
— Eu não quero ser isso — choraminguei me escondendo frágil nos braços de minha mãe. — Não quero ser... Acho que me perdi na minha própria loucura, socorro!
 
   (...)
 
   O dia passou mais rápido do que eu imaginava, entretanto os acontecimentos posteriores certamente iriam rodear minha mente por um período de tempo maior do que meu intelecto humano seria capaz de prever, e não julgava isso como ruim, eu gostaria de olhar para trás e recordar de todo o carinho que pude vivenciar naquela manhã de quinta feira ensolarada.
   Diferente do que eu acreditava, não recebi críticas dos meus pais e nem olhares de pena dos amigos da minha mãe durante todo o tempo que passaram tentando me acalmar e relembrando meu pulmão de como se fazia para respirar, já que por causa da crise de ansiedade eu estava a ponto de desmaiar de tanto mal estar que ela me acarretou após me observar no espelho. De todo o coração, agradecemos os cuidados dos vizinhos comigo e com veemência demonstramos nossa gratidão a Antônella por ter arriscado sua vida para me tirar do mar.
   Quando chegamos em casa, tive uma conversa bem séria com a minha família e expliquei parte do que eu entendia do que deveria estar acontecendo na minha vida. Eles compreenderam, me deram uma leve bronca por eu não ter desabafado antes e garantiram que procurariam ajuda médica, e quando menos eu esperasse, estaria fazendo terapia e voltando a sorrir como costumava fazer.
   Pode ter sido a tarde mais dolorida da minha vida, mas também foi a que eu mais percebi como mamãe e papai se importavam comigo. Eles me amavam, muito, e independentemente da ação que tentei cometer, não me trataram com desprezo e nem cogitaram que eu estava tentando chamar atenção, os dois me abraçaram, me acolheram e me deram todo o afeto e carinho que seriam capazes. Me distraíram de qualquer armadilha que minha mente poderia criar pelo resto da tarde, até brincar que um parafuso teimoso tinha caído dela e só precisava ser reposto eles brincaram. Fiquei imensamente grato por isso. Hoje, eles não foram só meus pais, foram meus melhores amigos, e era exatamente com o maior deles que eu almejava falar agora, com Deus. Eu não era evangélico (não ainda), mas tinha a consciência que o Senhor era meu Pai e a preocupação de chegar mais perto d’Ele. Eu sabia como o amor de Deus era grande e tinha total conhecimento que nas horas em que você se sente o pior ser humano da terra e chora tanto que chega a temer desidratar, Ele estar lá. Do. Seu. Lado. Te abraçando, te consolando e tomando sua dor para si, retirando de pouco em pouco seu fardo pesado. Com o Senhor por perto, pode ter certeza que em nenhuma batalha você estará sozinho, enquanto você acha que guerreia, na verdade Ele está na frente sendo seu escudo e recebendo todas as flechas e investidas que eram só para você. O Senhor é o seu exército e luta por você, e sabe por que Deus faz isso? Simples, Ele te AMA.
   Por saber disso, comecei a orar, não reclamando de eu ser daquele jeito, mas pedindo com educação uma solução para eu me reencontrar:
 
   “Clamo pelo poder e a vida que há no sangue do Senhor Jesus, mais uma vez, Deus, me perdoe por todos os pecados que eu cometi na minha ignorância humana, e muito obrigado de verdade por ter me salvado da morte, das coisas que pareciam tão erradas antes transparecerem finalmente ter encontrado formas de se encaixar e por meus pais terem me entendido e não surtado. Hoje, eu quero pedir perdão, quero agradecer de todo o meu coração e suplicar, Pai, que me ajude a me reencontrar, eu quero melhorar, voltar a sorrir. Não aguento mais estar assim, não aguento mais ser assim. Me liberta dessa angustia, por favor? Me ajude a ficar livre dessa dor que me persegue, que eu encontre mais motivos para sorrir e menos para chorar. Que eu melhore e me renove, é isso que eu te peço. Muito obrigado por me ouvir e sempre me abraçar nos momentos mais difíceis, eu sei que eu não te mereço, mas obrigado por me amar mesmo assim. É este o clamor que eu lhe faço agradecendo desde já por tudo, em nome de Jesus, amém.”
 
   Sorri e me levantei. Agora mais que nunca eu sabia que tudo daria certo, estava nas mãos d’Ele e no momento ideal eu veria a vitória acontecendo. Com um suspiro cansado, me direcionei para o guarda roupa com a intenção de arrumar meus materiais para ir para a escola amanhã, eu sabia que não conseguiria fugir por muito mais tempo das aulas, pois uma coisa que meus pais cobravam sem medo de me sugar, era os estudos. Eu tinha que ser o melhor e ponto.
   Acabava de colocar meu livro de português na mochila, quando mais uma vez esbarrei meus olhos teimosos na carta de Eliza. Estremeci. Eu tinha que lê-la ainda, todavia com tudo o que aconteceu estava evitando esse momento, pois uma leve sensação de que nela eu encontraria uma infindável lista de xingamentos contra a minha pessoa me deixava receoso de ir avante naquela leitura. Eu realmente queria ler aquilo?... Bom, querer era uma palavra muito forte... Porém, por consideração a Eliza, teria que me aventurar mais cedo ou mais tarde em seus versos (bem intencionados ou não) e repousar meus olhos por sua caligrafia conhecida aceitando o peso de qualquer palavra direcionada a mim. Eu merecia ser torturado por ela, merecia ser esmagado por minha ex-amiga, pois Eliza Blanchart Albert era a única com histórico suficiente para fazer citações de motivos pelos quais seres humanos devem manter distancia máxima possível de mim. Teria sorte se ela, só por prevenção, não tivesse tirado uma cópia de seu depoimento e enviado para NASA alegando que sou uma espécie desconhecida de alienígena perigosa que tem a capacidade de destorcer seu corpo, o que proporciona que fique na forma humana terrestre passando despercebido entre a urbanização, que veio para cá para estudar até onde vai à paciência dos seres vivos mundanos e se divertir os vendo cada vez mais saturados, só para evitar que mais alguém fosse obrigado a conviver comigo e sofrer tudo o que ela sofreu ao meu lado por eu descontar meus sentimentos nas pessoas ao redor... Sinceramente? Eu merecia mesmo aquele fim, ser isolado da sociedade era uma grande vantagem para as pessoas, pelo menos dessa forma, ninguém mais se machucaria por minha causa.
 
 
— Vamos acabar logo com isso — resmunguei me jogando esbaforido na cama e me obrigando a parar de inventar histórias sem nexo como aquela. Cópia para NASA... Sério? Até onde as loucuras do meu cérebro iriam? Aff. — O mínimo que pode acontecer, é ela te humilhar... — dei de ombros fingindo que acreditava na minha própria mentira. Correção, o mínimo que pode acontecer é você enlouquecer de culpa e remoço e morrer de asfixia por não conseguir respirar de tanto congestionamento de catarro líquido nas suas fossas nasais.
 
   Respirei fundo e abri. Agora não tinha mais volta.
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Loucuras da aventuraOnde histórias criam vida. Descubra agora