CAP 3- Ainda não está na sua hora✉

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Capítulo 3___________________________
 
 

  Só sei que mergulhei no mar com todo esforço do mundo. Eu me sentia fraco, desprezível... MORTO. A lua cheia iluminava a água dando um aspecto brilhante de hipnotizar para a correnteza. As ondas batiam com força contra meu corpo e entravam pela minha boca me engasgando e puxando-me cada vez mais para as profundezas do oceano. Aquela altura do desespero, eu nem conseguia discerni o que me asfixiava mais... Minhas lágrimas? O líquido salgado? O pavor da morte? Eu não sabia, não tinha segurança de nada para ser sincero, só a certeza que aquela dor que só fazia crescer e crescer dentro de mim era forte demais para ser derrotada, e me imaginar obrigado a conviver com ela pelo resto da minha vida parecia um castigo muito cruel para se cumprir.

    Sem ar e sentindo a água cortante inundando meu estômago e pulmão, comecei a tossir e tentar respirar a cada vez que meu corpo subia para a superfície, mas como descia em questões de segundos para a profundeza novamente, só ocasionava com que eu engolisse e inalasse mais líquido. Quis gritar por socorro, porém a consciência já me faltava.
 
— THÉOOO! — Escutei uma voz feminina chamar.
 
    Mesmo semimorto, percebi braços trêmulos e fortes me envolverem e me arrastarem com dificuldade mar afora lutando contra a teimosia da correnteza que não parecia satisfeita em nos permitir ir embora. Quis pedir para a pessoa parar de me salvar, que estava tudo bem me deixar ali, pois eu queria isso, porém as fraquezas das consequências da tentativa de suicídio me cercaram e só sabia que de algum jeito, meus olhos tinham fechado.
 
 (...)
 
   Senti água inundar minha boca e por impulso a vomitei.
 
— Théo! — Antonêlla, que estava tão encharcada quanto eu, me envolveu num abraço trêmulo e medroso. — Graças a Deus, você está vivo! — Se aliviou. — Não imagina o susto que me deu. Quando eu te vi se afogando... Eu... Ai, nem quero pensar nisso.
 
   Tossi. Parte de mim começou a se perguntar o que ela estava fazendo na praia a essa hora da madrugada? Tudo bem que Antonêlla era uma nadadora profissional e estava treinando mais do que o comum para garantir sua vaga nas olimpíadas e vencer algumas outras competições importantes que a rodeavam, mas creio eu que pais tão sensatos e severos com medidas de proteção como os dela, não a deixariam vir treinar a meia noite e meia em pleno mar aberto com as ondas mais ferozes possíveis. Ou ela havia me seguido por ser minha vizinha e certamente ter se assustado por contemplar pela janela de sua casa um adolescente em prantos cambaleando pela rua e se dirigindo no sentido do mar, ou eu já tinha morrido, ou estava bem quieto na minha cama tendo mais um dos meus sonhos malucos de suicídio. Gosto de sal roçava minha garganta. Não, aquilo era real demais para ser julgado um fruto da minha imaginação.
   A garota se afastou de meus braços e perguntou pondo uma de suas trancinhas de box braids para trás:
 
— O que aconteceu? Você está bem? Quer conversar? — pronunciou a última parte dando a entender que tinha total consciência do que eu pretendia fazer mergulhando lá dentro, mas que queria ouvir pela minha boca.
 
   Involuntariamente, meus olhos se embaçaram e a garganta fechou. Sem forças para segurar mais, comecei a chorar em sua frente, mostrando que eu não tinha mais coragem para enfrentar o mundo, que tinha me acorrentado a esse fim para deixar de ter aquela dor teimosa me perseguindo, era isso que tinha acontecido. Chorei por tudo, como uma criancinha assustada pedindo colo, e olha que eu odiava que os outros me vissem fazendo aquilo. Bem? Eu estava tão longe de bem quanto netuno do sol.
 
— Théo... — ficou com pena e me abraçou novamente. — É por causa de Eliza? — Sugeriu, mas isso só me fazia chorar mais. — Você está tremendo — sussurrou preocupada. — Quer que eu te leve para casa?
 
— Não, não, por favor — foi à primeira coisa que consegui falar. — Meus pais... Eles nunca me perdoariam se descobrissem que eu tentei fazer isso... Eu... Não posso voltar para lá... Sou uma vergonha para os dois... Um lixo... Eu... Eu...
 
— Ei — segurou meu rosto. — Já entendi, não quer ver eles agora, mas não posso te deixar nesse estado no meio da praia... É perigoso continuarmos aqui. Vou te levar para minha casa. — Mesmo sem minha autorização, começou a me guiar pela trilha e eu completamente derrotado, obedeci.
 
   Não demorou muito para eu me ver debruçado em sua cama, coberto de edredons, morrendo de frio, tremendo, tossindo, com o nariz escorrendo, roupas do seu irmão mais velho e quentinhas sobre meu corpo, olhares preocupados me observando e a sanidade dividida entre voltar a raciocinar e criar mais armadilhas para eu cair e começar a me torturar internamente.
 
“Meu Deus, estou na casa de Antônella depois de tentar suicídio!”, pensei apavorado. “O que ela vai pensar de mim?! O que seus pais vão pensar de mim?! A mãe dela é a melhor amiga da minha! Com certeza vai tentar conversar sobre isso com meus pais! Ai não! A mamãe vai me matar... A mamãe vai me...”
 
— Théo — a voz da Senhora Margo me chamou suave e baixa enquanto sentava ao meu lado.
 
   A olhei de sobressalto me acanhando um pouquinho para longe por estar morrendo de vergonha de ser visto naquele estado lamentável. Uma coisa que eu odiava era que os outros tivessem motivos para me criticar, e tentar me matar, definitivamente era um enorme pedido de: Briga comigo, joga na minha cara que passei dos limites.
Passando confusa as mãos sobre meus cabelos e ajeitando os fios para trás com carinho, fez a mesma pergunta que a filha fizera quando me salvou na praia:
 
— Está tudo bem com você?
 
   Hesitei. Eu queria muito colocar para fora tudo o que estava acontecendo comigo, mas como? Eu não tinha coragem nem determinação para olhar na cara de uma pessoa que eu quase nunca conversava e falar: Então, é o seguinte, acho que estou ficando louco. Tenho medo do que os outros pesam de mim, tenho medo de conversar com as pessoas e elas me acharem chato e desprezível, tenho pavor de coisas que eu faço gerarem consequências gravíssimas no futuro, e isso é muito estranho, porque eu literalmente sou medroso para caramba e nunca faço nada de errado, mas meu cérebro teima em ficar martelando que tudo o que eu vivo é uma bela de uma ficha criminal e que deveria me envergonhar por isso. O tempo todo me preocupo em não decepcionar as pessoas, e se decepciono (o que na realidade anda acontecendo em uma frequência avassaladora) entro na mais forte e terrível crise de ansiedade por medo de as perder, delas ficarem com raiva de mim, delas pensarem mal de mim e praticamente não consigo respirar, raciocinar, parar de chorar, de me culpar, de me preocupar, não posso dormir e não tenho paz, isso sem contar as crises que eu tenho também com coisas que meu cérebro simplesmente inventa para sair do tédio e ficar me culpando, com por exemplo: Por que você comeu tanto? Por que não respondeu a última questão do dever de história? Por que dormiu um minuto a mais hoje? Por que você não é perfeito? Por que é desse jeito?! Ninguém gosta de gente que vive de cara fechada! Por que você não consegue ser tão legal quanto às pessoas ao redor? POR QUE VOCÊ É TÃO ESTRANHO?!... Enfim, pelo o que deu para perceber, eu estou preso no mesmo corpo que meu maior inimigo do momento: Meu cérebro. Ah, e sem contar que para piorar tudo, minha melhor amiga morreu, MORREU ME ODIANDO! E ele fica me lembrando disso por todas ás 24 HORAS DO DIA! Está bom todo esse relato para perceber que estou muito longe de bem? Ou quer que eu conte mais? Podemos ficar aqui o dia todo.
 
— Théo — chamou novamente por eu ter simplesmente paralisado e não responder a sua pergunta. — Pode se abrir comigo, eu juro que não vou contar nada a ninguém — garantiu. — Só quero te ajudar.
 
   Eu acreditava nela e de verdade queria me abrir com ela, mas o medo do que a mulher pensaria sobre o filho da sua melhor amiga era muito mais forte do que a força de vontade para desabafar. Por isso, mesmo com raiva de perder a oportunidade de suplicar auxilio a quem estava disposto a me socorrer, o que fiz foi me esquivar, virar a cabeça para o lado oposto e me afundar no travesseiro sentindo uma leve lagrimazinha se formando na lateral do olho — Eu estava apavorado —, porém abafei qualquer capacidade dela conseguir sair e me fazer mergulhar em mais uma sequência de choro. Eu não podia mais chorar, não na frente dessa família, tinha certeza de que quando eu saísse de sua casa, minha mãe ficaria a par de toda a situação e prontamente me encaminharia para um psiquiatra garantindo que meu caso necessitava de uma internação, urgente.
Senhora Margo percebeu que eu não estava disposto a conversar. Abalada, ela murmurou:
 
— Tudo bem, não precisa confidenciar nada comigo, caso não queira... Mas eu estou aqui do lado para qualquer coisa, tá?
 
   Balancei a cabeça afirmativamente. Ela assentiu.
 
— Creio que também não está a fim de voltar para sua casa agora, então, pode ficar aqui no quarto de Antônella, ela vai dormir com a irmã.
 
   Mais uma vez balancei a cabeça afirmativamente. Me olhando preocupada e deixando seu lado mãe falar mais alto, questionou só para ter certeza de que eu ficaria confortável mesmo ali dentro:
 
— Você se sente bem de verdade para dormir sozinho aqui? Ou...
 
   Antes que ela completasse, segurei sua mão com firmeza. Eu definitivamente não queria ficar sozinho, reconheço, ainda mais com pensamentos apavorantes de medo e prontinhos para me fazer entrar em uma crise de ansiedade nova já estarem martelando dentro de mim esperando a brecha perfeita para a solidão me atingir e eles conseguirem me sufocar.
   Trêmulo, observando atentamente seus olhos meio esverdeados, porém castanhos e grandes, seus cabelos cacheados pretos presos em um rabo de cavalo desajeitado, sua pele parda, sua estatura alta e suas rugas de preocupação evidentes em sua expressão facial, supliquei com a voz frágil e embargada:
 
— Fica aqui comigo, por favor?
 
   O cansaço e a derrota em minha voz eram mais que perceptível. Sem pestanejar, sem fazer perguntas, sem me humilhar, sem me criticar, o que fez foi deitar ao meu lado, me cobrir suavemente, se certificar que eu estava confortável e acariciar meus cabelos de levinho cantarolando baixo uma canção de ninar que de pouco em pouco, me acalmava. Já quase dominado pelo sono, escutei a voz de Antônella perguntando num sussurro quase inaudível para não me despertar:
 
— Ele está bem? Falou alguma coisa? Conversou com você?
 
— Não — a mãe respondeu infeliz. — Só pediu para eu ficar... — compartilhou. Em meio a suspiros pesados, revelou — eu não sei o que é, mas tem alguma coisa muito grave acontecendo com o Théo, e precisamos descobrir.
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Ps: Foto de representação da Antônella lá em cima!

Comentário da escritora: Tadinho do Théo😢😢

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