|||Angeais, Fevereiro de 1929|||
O Welly's Bar estava prestes a fechar, apenas um trio de amigos e um cavalheiro estranho ocupavam as mesas, e Lou mal podia esperar até fechar tudo e finalmente se jogar na cama, ela estava exausta.
A jovem enxugava os pratos, sabendo que dali a dois dias Welly estaria de volta e ela teria que voltar a fazer trabalhos para ele, coisas que envolviam mais violência do que apenas cobrar alguns clientes caloteiros. Ela podia se acostumar aquela vida de calmaria, mas parecia sempre ter alguém para puxá-la de volta para o abismo da morte e fazer dela responsável por tanta dor. Sempre havia um motivo, uma mágoa, uma dívida.
Sempre havia mais trabalho.
Ela já estava cansada.
Lou guardou os pratos na prateleira acima da pia e enxugou as mãos no avental, o torso da mão esquerda tinha uma enorme cicatriz horizontal, esbranquiçada pelo tempo, mas que fazia questão de permanecer ali para lembrá-la de quem realmente era. Como se ela algum dia fosse capaz de esquecer.
— Lou, querida, já estamos indo — um dos rapazes disse, ele usava a farda branca dos sentinelas.
Lou foi até a mesa dele com um sorriso gentil, ela sabia parecer gentil às vezes.
— É melhor você ir antes que Doralice apareça por aqui pra te buscar de novo — a jovem comentou, recebendo o pagamento. — Como vai o pequeno Jil?
— Ah, está grande o suficiente para correr atrás do cachorro, o coitado já não aguenta mais ele — o rapaz respondeu e seus amigos riram, os sorrisos mais falsos que Lou já vira em toda a vida.
— Quando vai aparecer lá na boate, Lou? Você ainda me deve uma dança — o rapaz loiro perguntou.
— Verdade! Dora e eu vamos amanhã, que tal você nos acompanhar? Aí só precisamos achar alguém pra ir com o Ligeirinho! — O sentinela falou todo empolgado segurando o ombro do tal Ligeirinho, que Lou sabia ter ganhado o apelido por ter as mãos leves.
— Ah meninos, tenho muito trabalho e com Welly viajando tenho que manter tudo em ordem, desculpem. — Preciso descansar enquanto posso, ela pensou em dizer.
— Fica para uma próxima, minha flor — o loiro respondeu com uma piscadela.
Lou se limitou a dar um sorriso sem mostrar os dentes e abriu a porta para que os três passassem.
Dentro dos parâmetros da moral, os três eram um grupo improvável: um sentinela, um ladrão e um trapaceiro, mas pareciam se dar bem e davam boas gorjetas à Lou e era isso que importava. No entanto, ela não se surpreenderia se algum dia o jovem sentinela procurasse pelo relógio e não o encontrasse em seu bolso, velhos hábitos não morriam tão facilmente.
Só quando entrou novamente no bar foi que ela lembrou que ainda restava alguém ali dentro.
O homem estava perto de uma das janelas, já havia comido e bebido, mas por alguma razão se mantinha ali lendo um livro de capa verde há horas. Ocorreu a Lou que ela poderia tê-lo enxotado dali junto com o trio, mas havia simplesmente esquecido do sujeito.
Ela tocou na faca que mantinha no avental e se aproximou dele, algumas mechas de cabelo caíam sobre os olhos cansados e emoldurados por olheiras escuras.
— Estou fechando, senhor. É hora de ir.
O sujeito baixou o livro e encarou Lou de um jeito que fez suas estranhas revirarem, aquele olhar não pertencia a nenhuma criatura de Angeais.
As íris eram amarelas e as pupilas se abriam na vertical, como olho de gato ou de serpente. Era essa a energia que ele passava, a energia de uma serpente muito venenosa prestes a morder Lou ou sufocá-la num abraço mortal.

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Dama do Fogo
Viễn tưởngDepois de uma tragédia acontecer na Cidade Mágica de Angeais, a vida da feiticeira Ellara é completamente destruída. Sem poderes, sem família e sem aliados, ela se viu forçada a crescer como uma perigosa assassina de aluguel num mundo dominado por f...