3.4 : Rubi

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|||Angeais, Maio de 1934|||

   Ellara foi levada para a mansão Reyves pelos sentinelas. Antes de cruzar o portão, seu ombro já não era o maior incômodo que sentia, pois a perspectiva de mais uma punição por sua falha a atormentava como uma ferida bem maior.

A feiticeira segurou o braço, que pendia dolorosamente do lado do corpo, e pediu que um dos sentinelas a ajudasse a recolocar os ossos no lugar. O homem a olhou estranho, mas não se negou a ajudar a Executora. Quando o osso estalou de volta no lugar, Ellara deixou escapar um xingamento.

As portas da casa se abriram sozinhas assim que Andra ouviu sua voz e ela soube que, seja lá o que acontecesse, tinha que enfrentar a fera sozinha. Dispensou os sentinelas e pediu que eles tentassem localizar a rebelde fujona, mesmo que soubesse que aqueles ali eram muito idiotas comparados com Darvi.

Ellara passou pelos corredores escuros que a levariam para o escritório da meia-irmã. Nas paredes, as antigas fotos familiares tinham sido substituídas por retratos de Andra em diferentes fases de sua busca por poder.

Andra no casamento com Jônatas, sorridente. Andra ao lado dele numa foto mais formal, já grávida de Janine, com o rosto melancólico. Andra sozinha em uma fotografia de corpo inteiro, com um exuberante vestido branco e a Esfera Magna em mãos, a imagem de uma líder imbatível e poderosa.

A imagem de uma assassina.

Ellara espantou o pensamento, já que também não era nenhuma santa, e abriu a porta do escritório com os dedos gelados de medo.

Andra estava sentada atrás de uma mesa de madeira escura, vestindo um terninho branco e com os cabelos pretos soltos. O escritório parecia mais frio e escuro do que todo o resto da casa, de modo que Ellara se perguntou como ela aguentava trabalhar naquelas condições.

Sem mostrar sinais de desconforto, a líder lia o relatório da última colheita, que avisava com muita seriedade que os meses seguintes seriam tempos de fome, já que o solo de Angeais parecia estar ficando infértil depois que o Rio Serpente secara completamente. Para desgosto de Andra, nem as chuvas que ela provocava estavam adiantando mais.

Além disso, outro relatório alertava que os poucos animais restantes estavam ficando muito magros, como se estivessem se recusando a pastar por algum motivo desconhecido.

Aquele dia não estava nem um pouco agradável para a líder. 

— Sabe a novidade da Vila? — Andra perguntou, abandonando o relatório e encarando Ellara.

A Executora balançou a cabeça negativamente, se preparando para dar a má notícia e com medo de que ela já soubesse de tudo.

— Uma peste se alastrou por lá, naquele lugarzinho imundo.

— Uma peste? — Ellara questionou.

— Estão chamando de Desolação Púrpura — Andra explicou, com desinteresse. — Começa com uma febre, feridas abrem e aí você apodrece vivo.

— E por que púrpura?

— As gengivas e os olhos ficam roxos — disse a líder, arreganhando os dentes brancos. — Viu alguém assim lá hoje?

— Só o de sempre, gente morrendo de fome — Ellara respondeu, mordendo a língua logo em seguida.

Andra apertou os olhos verdes, sentindo a pontada de sarcasmo no comentário.

— Traidores sofrendo as próprias consequências — corrigiu.

— Com toda certeza, líder — Ellara concordou, baixando a cabeça. Sua língua ainda a mataria qualquer dia desses.

Dama do FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora