1.1 : Noite Branca

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|||Angeais, Maio de 1920|||

   Ellara tinha dez anos naquele dia terrível, que começou não tão terrível assim. Chega a ser curioso que os piores dias comecem ensolarados e agradáveis, com uma implícita promessa de calmaria que não tardará muito até ser quebrada.

A menina correu pela escada do casarão de tijolos vermelhos onde vivia e entrou na cozinha como um furacão, estava faminta.

A mãe, Maryan Reyves, sorriu ao ver a filha tão bem disposta e passou-lhe uma tigela com mingau antes que ela pedisse.

— Bom dia, raio de sol — cumprimentou o pai, Don Reyves.

Ele sentou-se na ponta da mesa e despejou uma gigantesca quantidade de café na xícara, enquanto Maryan o observava um tanto preocupada. Ellara estava ocupada demais comendo para respondê-lo.

Os dois filhos mais velhos desceram ainda com os cabelos desgrenhados e com cara de poucos amigos, William e Ben sentaram-se ao lado da irmã caçula. William bagunçou os cabelos dela enquanto Ben bocejava sonolento.

Will era o mais velho. Tinha 17 anos e era a cópia perfeita do pai, mesmos olhos azuis-escuros, o mesmo nariz aquilino em evidência numa pele castanha, mesmos cabelos pretos e até o mesmo jeito calmo e tranquilo de falar.

Por outro lado, Ben era mais parecido com a mãe. Ele tinha 13 anos e já manifestava sinais de telepatia da mesma forma que Maryan. Seus cabelos pretos eram a única coisa que lembrava Don nele, já que os olhos eram amendoados, assim como também eram os de Ellara.

— Ansiosos para hoje? — Maryan perguntou bebericando uma xícara de café, ela já sabia a resposta antes de perguntar, mas gostava de conversar com todos antes dos deveres do dia os separarem.

— Sim, sim! — Ellara exclamou mastigando um pedaço de bolo, as migalhas saltando da boca enquanto ela falava.

— Come direito ou vai se engasgar, sua selvagem — Ben reclamou, o humor dele pela manhã sempre era o pior de todos na casa.

— Mal posso esperar para ver o Simas e tirar esse peso das minhas costas — Don falou, pensativo.

Maryan olhou para ele com uma pontinha de aflição brotando no peito.

"Tem certeza que vai fazer isso?"

Ela perguntou via telepatia e seu marido a encarou, os olhos azuis brilhando com algo que ela não saberia dizer se era confiança ou dúvida.

— A família Viturino não é a certa para assumir a liderança do nosso clã, querida. E eu, como membro, não posso deixar que fiquem impunes por seus crimes.

— Eles são perigosos-

— Mãe, está tudo bem. O clã vai ficar do nosso lado, eles são boas pessoas e farão justiça — Will a interrompeu com um sorriso amigável.

Maryan queria acreditar nele, queria acreditar que revelar aquelas coisas todas não traria consequências graves para sua família, mas não conseguia deixar de pensar no pior.

Após a morte do antigo líder, era quase certeza que os Viturino seriam apontados para ocuparem o lugar da nova dinastia, já que eram influentes em toda a comunidade de Angeais.

Dama do FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora