|||Angeais, Março de 1929|||
Ellara tinha nascido no meio de uma tempestade, durante um evento causado pelo deslize de um feiticeiro que ajudava a controlar o tempo, mas que estava bêbado demais para realizar a tarefa naquele dia.
A falha de uma única pessoa tinha sido suficiente para destruir as plantações, o que fez a comunidade ficar um bom tempo sem verduras.
Naquela madrugada, enquanto caía sob o peso do corpo e sufocava com o próprio sangue, Ellara sentiu-se tão estúpida como o feiticeiro bêbado tinha se sentido dezenove anos atrás. Eles não se conheciam e ela só sabia daquela história por conta do pai, que às vezes usava o tal cachaceiro como exemplo a não ser seguido, mas de certa ela forma entendia aquele coitado.
Por sua culpa, algo terrível também tinha acontecido.
O plano estava dando errado.
Por sua culpa, Alastair e Hyas estavam mortos, assim como muitos outros.
Por sua culpa, a rebelião tinha sido um fracasso.
Tudo porque não tinha esperado o maldito sinal.
Enquanto sofria os espasmos finais, Ellara imaginou como as coisas poderiam ter sido: Ela ficaria sentadinha em seu lugar, as luzes apagariam, os feiticeiros seriam atacados em três direções diferentes num ritmo rápido o suficiente para que não conseguissem reagir. O trio deixaria a boate e ajudaria a equipe da praça. Juntos, marchariam na direção da casa de Andra, onde a matariam.
Mas ela fracassou. A luta na boate demorou demais e não conseguiu ajudar os aliados na praça, que acabaram sendo abatidos como gado.
Agora, tudo que lhe restava era remoer sua escolha, enquanto o reconfortante abraço da morte se aproximava para acabar com tudo.
Talvez no fim, Ellara encontrasse a paz que tinha falhado em encontrar na vingança.
******
A feiticeira acordou, mesmo que achasse que jamais faria aquilo novamente.
Estava em uma cela úmida e escura, cercada por corpos que gemiam de dor e se lamentavam. Ela não sabia de certeza, mas começava a achar que estava no inferno.
Tentou se levantar, mas uma dor terrível a deixou cega por um instante. Sentiu o estômago arder como se estivesse em chamas, ao olhar para baixo viu uma faixa e sentiu o cheiro familiar de unguento de ervas-solares.
Embora parecesse impossível ter sobrevivido a um golpe daqueles, ela estava ali - onde era ali, exatamente? - e precisava de respostas para as perguntas que surgiram.
Por que tinha sido salva? Alguém teria escapado dos sentinelas? Que lugar era aquele? Quem eram aquelas pessoas chorando?
Com um pouco de esforço, conseguiu se sentar e, quando seus olhos acostumaram com a escuridão, reconheceu alguns rostos rebeldes que tinham ido lutar ao seu lado.
Nenhum deles era Alastair.
Ela sentiu um mal-estar e levou as mãos ao rosto, para esconder a careta de dor e o olhar de constrangimento, mas suas mãos pararam na metade do caminho, limitadas por correntes grossas e pesadas.
— Ela acordou — murmurou um dos companheiros de cela.
O choro diminuiu e os lamentos viraram sussurros que mais pareciam uma oração. Correntes foram arrastadas e Ellara temeu que as pessoas estivessem tentando se aproximar dela, pois não aguentaria ser tocada pelas pessoas que tinha ajudado a condenar.

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Dama do Fogo
FantasíaDepois de uma tragédia acontecer na Cidade Mágica de Angeais, a vida da feiticeira Ellara é completamente destruída. Sem poderes, sem família e sem aliados, ela se viu forçada a crescer como uma perigosa assassina de aluguel num mundo dominado por f...