— Por que não acorda? — perguntou Heiryn, recuperando o fôlego. — Porque é que ele não acorda? — Se questiona de novo, lutando para manter a calma enquanto olhava para Gabriel, o jovem caçador no chão.
— Está apenas a descansar, um pouco de veneno nunca matou ninguém — respondeu Daniel, ajeitando o cabelo loiro, como se tudo estivesse sob controle.
Gabriela, com a espada ainda na mão, rangeu os dentes de frustração. "Como pode ele estar tão tranquilo?", pensava, enquanto o sangue do irmão ainda escorria. Os ensinamentos de uma vida inteira rugiam na sua mente: vampiros não andam à luz do dia, vampiros queimam ao sol. Mas ali estava ele, de pé, durante o dia, intocado, como se as regras do mundo não se aplicassem a ele.
— Seu demónio! — gritou Gabriela, furiosa, com os olhos fixos no vampiro. "Aberração da natureza!" Tudo o que sabia sobre monstros parecia estar a ser desmontado naquele momento. Como podia confiar nos seus próprios olhos, se o que via desafiava toda a lógica?
Heiryn olhava para Gabriel com um olhar de culpa. Sabia que, de certa forma, era responsável pelo que tinha acontecido, mas não compreendia por que razão Daniel os tinha ajudado. O que ganhava ele com isso?
"Vampiros não andam de dia", pensava Heiryn, o medo e a dúvida a crescerem dentro de si. "Então o que é ele?"
Daniel cruzou os braços, um sorriso traiçoeiro a dançar nos seus lábios, enquanto observava as emoções a desmoronarem-se à sua volta.
— A culpa é minha? — perguntou ele, num tom de falsa perplexidade. — A culpa é minha porque os caçadores se arvoram em deuses, prontos para fazer justiça com as suas espadas?
— Nós protegemos os inocentes! — ripostou Gabriela, as palavras carregadas de orgulho e ira. — As aldeias e cidades estão seguras graças a nós, caçadores, que arriscamos as nossas vidas contra criaturas como tu!
Daniel soltou uma risada fria, cheia de desdém.
— Seguras, dizes? E quantos morrem nessa tua cruzada por justiça? Quantos sacrificais em nome da vossa paz?
Antes que Gabriela pudesse responder, uma voz nova se fez ouvir entre as árvores.
— O que se passa aqui? — perguntou uma jovem loira, vestida com uma armadura prateada e reluzente. Letícia, cavaleira da realeza, aproximou-se empunhando a espada, os olhos a percorrerem rapidamente o cenário: o corpo de Gabriel, o canibal morto, e Daniel de pé, sorrindo.
Daniel virou-se para ela com um ar descontraído, quase como se estivesse a receber uma velha amiga.
— Tudo sob controlo, milady — disse, com um leve aceno.
— Nada está bem! — exclamou Gabriela, a voz carregada de desespero. — O meu irmão está ferido, inconsciente, e é tudo por causa daquele maldito vampiro! — apontou, cheia de fúria, na direção de Daniel.
A jovem cavaleira ergueu uma sobrancelha, confusa.
— Por causa dele? — questionou, apontando a espada na direção do vampiro.
Daniel, sempre o manipulador, deu um passo à frente, o sorriso a alargar-se.
— Permitam-me explicar — disse ele, num tom calmo. — Estava simplesmente a passar por aqui quando ouvi gritos. Ao aproximar-me, deparei-me com duas donzelas presas numa armadilha e um canibal prestes a atacar. Fiz o que qualquer cavalheiro faria. Matei o canibal e salvei o dia.
Gabriela soltou uma gargalhada de incredulidade, os olhos cheios de raiva.
— Salvaste o dia? — gritou ela.
Daniel suspirou e encolheu os ombros, como se estivesse exausto com tanta acusação.
— Minha jovem caçadora — disse ele com um tom paternalista —, se te armas em justiça e proteção, tens de aceitar os riscos. O teu irmão está apenas a dormir. O canibal usou um veneno fraco para deixar as suas presas mais fáceis de manusear, mais vulnerais, mas mansinhas. Ele vai acordar, não te preocupes.
A Cavaleira observava a situação com atenção, tentando processar a informação. "Um vampiro a caminhar à luz do dia? Isto não pode ser real." Toda a sua formação, todo o seu treino como cavaleira da realeza diziam-lhe que vampiros queimavam ao sol. "Mas ele está aqui... E ainda assim, as suas palavras...
Empunhou a espada com mais força, mas Gabriela, com o olhar fixo no irmão, interveio.
— Não temos tempo para isto — disse ela, com um tom cansado. — O meu irmão precisa de ajuda. Temos de o levar para um local seguro.
— Temos que cuidar dos ferimentos. — disse Heiryn. — Temos que voltar para a charrete — declarou ela, nervosa.
A jovem fitou Heiryn e Gabriela com descrença.
— Se é verdade que te alimentas de sangue, porque te poupas às presas que tens diante de ti? Que plano perverso escondes? - questiona a cavaleira ao vampiro, num tom solene e formal. Continuou — Não confio em ti, criatura — disse ela, com firmeza. — Mantém-te afastado ou juro pela honra da minha casa que te farei pagar.
— Ele salvou-nos, — Heiryn, a voz hesitante mas firme. — Se não fosse por ele, estaríamos mortas.
— Não te deixes enganar — respondeu Letícia, em tom grave. — Vampiros não salvam vidas. Eles alimentam-se delas. Há sempre uma intenção oculta.
— O meu irmão está inconsciente. Nada importa para mim neste momento. — Esse nos salvou. — fala a jovem caçadora entre dentes, revoltada por ser verdade. — Entretanto, Heiryn segurou num braço e Gabriela o outro, tentando erguer o corpo do jovem caçador. Foi sem sucesso; Heiryn não tinha forças suficientes, estava débil e não sabia como conseguia manter-se em pé.
Letícia percebeu que elas não iam conseguir levantar o corpo dali. No entanto, havia um perigo bem à sua frente que não podia ignorar.
— Prazer, sou Leticia.
— Gabriela.
Daniel observou a cavaleira guardar sua espada, depois, indo em seguida, ajudar a jovem caçadora que se encontrava desesperada. E fixou nos pares de olhos verdes que o encaravam. A dona daqueles olhos lindos tinha um ar cansativo, traumatizante, débil e perdido. Ela não estava em condições de ajudar a ninguém, nem a si mesma, por isso, a cavaleira ocupou o seu lugar, ajudando a jovem caçadora carregar o corpo do irmão. Começaram a trilhar o caminho.
Daniel achou melhor segui-las. Não estava nos seus planos, logo teve de seguir os seus instintos. "Três mulheres completamente diferentes," começou a pensar — "com toda a certeza e nenhuma dúvida, elas não chegarão longe, por causa do caçador inconsciente e também por não saberem que caminho seguir. O que me dá vantagens."
Fim do capítulo.
Boa leitura. 😘😘😘
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Hidryss Isto não é um conto de Fadas
ContoTodos querem viver na Grande Cidade de Hidryss, suas ações definiram seus caminhos e os seus olhos negarão seus destinos. Não basta ter razão, mas sim, saber tê-la. Heiryn sempre sonhou em um dia viver na Grande cidade e se casar com um conde, ser...