Incidente com a lista de novatos
A secretaria da Seattle High School estava mais movimentada do que eu gostaria naquela manhã. O ambiente, que já não era grande o suficiente, comportava uma fila de mais ou menos meia dúzia de alunos, onde todos esperavam preguiçosamente para assinar uma lista de frequência dedicada apenas àqueles cujo era seu primeiro ano na instituição. Eu não compreendia qual a necessidade daquilo, era o mesmo que fazer uma exposição de todas as caras novas da escola, quietos e deslocados, esperando impacientemente a sua vez de assinar para poder sair dali e se misturar com o restante dos alunos "normais".
O aquecedor da sala estava configurado em uma temperatura bastante agradável apesar de tudo, o que me fez agradecer mentalmente, já que esqueci meu casaco no carro. Mas essa sensação gostosa durou apenas enquanto estávamos só os 6 ali dentro e a secretária ruiva gordinha que aparentava ter seus 30 e poucos anos. Por algum motivo, repentinamente alunos, que eu julgava serem veteranos, começaram a entrar na sala para falar sobre qualquer coisa banal com ela: mudar algum horário de aula, pedir para adicionar ou tirar alguma matéria da sua grade, até mesmo se queixar por não conseguir abrir o próprio armário. Suspirei revirando os olhos, pois a cada um que aparecia ela parava a assinatura das listas para lhes dar atenção.
Foi aí que eu entendi, a maioria dos alunos daqui estudavam juntos desde sempre e para sempre, se conheciam desde cada nível de ensino que se passou e aposto que já deviam ter trocado mil vezes de nichos de amizade ao longo dos anos. A lista de novatos era uma forma de memorizarem mais rápido nossos rostos e nos tirar do posto de únicos estranhos da Seattle High.
Pareceu demorar uma eternidade, mas finalmente chegou a minha vez de assinar a maldita lista. No momento em que me pus em frente à secretaria ela sorriu e buscou sua caneta em cima do balcão, esperei por longos segundos ansiosamente enquanto ela procurava, até parar para me olhar e exclamar:
– Acho que fui roubada! – a ruiva declara soltando uma risadinha. Eu não acreditava ser possível que ela tenha deixado o último cara que assinou a lista roubar a caneta bem de baixo do seu nariz. – Você tem uma caneta aí? Pode assinar com a sua. – a secretária conclui como se tivesse encontrado a solução para a fome no mundo, me fazendo suspirar e tirar uma das alças da mochila do ombro a puxando para a frente. Apenas quando abro o zíper é que me lembro de uma fatalidade: eu não era boa em organização. Havia um amontoado de papéis, alguns amassados e outros não, logo por cima das outras coisas: minha necessaire, a qual apelidei carinhosamente de "kit de sobrevivência", comportando todas as coisas que um ser humano precisa para sobreviver por mais de 6 horas longe de casa; um exemplar surrado de "Morro dos Ventos Uivantes", meu livro preferido, que eu relia sempre que precisava lembrar que minha vida não era tão ruim assim; meu celular plugado nos fones com cabos emaranhados; mas nada da caneta. Xingo mentalmente percebendo que a secretária e o restante da fila me fitavam com expectativa, eu podia sentir seus olhares queimando sobre mim, uma sensação que eu odiava. Estava prestes a desistir das aulas e cavar um buraco no meio dessa sala para me enfiar quando finalmente meus dedos encontram o tubo transparente e fino no fundo da mochila, graças a Deus, penso pronta para puxar o papel e procurar meu nome para assinar, o que seria perfeitamente possível se, assim que eu o fizesse, meu nome estivesse lá. Engulo em seco e ergo o rosto para encarar a secretária que parecia se perguntar o que havia de errado comigo, eu também gostaria de saber, às vezes eu acreditava mesmo na possibilidade de ter herdado todo o azar do mundo.
– Não tem meu nome aqui. – explico empurrando a lista para ela sobre o balcão enquanto lhe lanço um sorriso nervoso. A ruiva ajeita os óculos que usava sobre o rosto antes de puxar a o papel para si.
– Qual o seu nome? – ela me pergunta no mesmo instante em que a porta se abre e a faz desviar os olhos para a mesma automaticamente. Não me dei ao trabalho de olhar, provavelmente mais veteranos mimados. Na verdade, o que tento fazer é me colocar na frente da ruiva e atrair seu olhar para mim, já que só queria resolver aquilo logo para sair de uma vez dali.
– Anna Gabriela, Anna Gabriela Louis. – repito duas vezes em alto e bom som, para meu tom habitual de fala aquilo era quase um grito. Engulo seco quando ela mal parece se importar ou escutar o que eu falei.
– Johnson! Harris! Martin! – ela fala animada se dirigindo para quem quer que estivesse atrás de mim. Reviro os olhos esfregando as têmporas levemente enquanto esperava que minha irritação a obrigasse a olhar para mim – Desculpe, querida, por que não assina seu nome aqui em baixo? – Ela aponta o fim da lista e eu apenas assinto antes de puxar o papel ansiosamente e assinar meu nome com pressa e de qualquer jeito. "Aqui meninos, os horários especiais de vocês, vai Águia! Bom treino!", podia ouvir ela dizer enquanto eu terminava de escrever.
Quando entreguei a lista e me virei para ir embora aparentemente não havia mais nenhum jogar de futebol americano superestimado na sala, o que era aliviador. Eu não gostava nem um pouco desse tipo de gente, pessoas populares e muito visadas costumavam não ter nada além teias de aranha dentro da cabeça, além de que me incomodava profundamente observar o que as meninas se submetiam a fazer para conquistar os fortões que faziam parte dos times. Faço uma careta já do lado de fora da secretaria, onde o clima estava um pouco menos agradável, e me viro para o corredor pronta, que piada, para procurar a sala da primeira aula.
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Florescer
Teen FictionEssa não é uma história de amor, bom, depende do ponto de vista. Eu diria que essa é a história de como eu me perdi e me encontrei sozinha, de como eu precisei sofrer para aprender a me colocar em primeiro lugar e de como eu precisei abrir mão de al...