"Existem boatos de que a família Harris é uma farsa, que ele e o pai se odeiam e vivem um inferno na própria casa." As palavras de Robert ecoavam na minha mente todas as vezes em que eu pensava no garoto de olhos negros que morava do outro lado da rua. Ir à igreja no domingo não havia sido uma ideia totalmente ruim, é claro que, se tirar a parte do vestido ridículo que ganhei da minha avó no meu aniversário de 15 anos e fui obrigada pela minha mãe a usar, foi bom poder conversar com Robert e saber que ele e Christin tinham um padrão de relacionamento que eu, provavelmente, nunca iria conseguir alcançar. Mas a melhor parte, de fato, foi conhecer pelo menos um pouquinho das fofocas que envolviam a família Harris. Não que eu quisesse essas informações por algum motivo específico além de poder saber algo sobre Dave que não fosse só o que ele queria me mostrar. Me recordei da sua preferência em falar sobre a irmã no outro dia, o que também poderia ser um ponto chave para minha mais recente "investigação", já que, entrar na cabeça do Harris parecia justo, visto que ele mesmo havia se enfiado na minha vida sem nem mesmo pedir permissão.
No entanto, eu não esperava que, no início dessa semana, o jogador de futebol de quase dois metros de altura fosse simplesmente ignorar a minha existência. Pelo menos foi o que pareceu em todas as vezes que ele passou direto por mim, agarrado em Lauren Jonhson, que parecia mais um cosplay da Barbie muito realista. Cheguei a abrir a boca para dizer "bom dia" uma vez na qual nos esbarramos no corredor, na esperança de conseguir trocar pelo menos uma palavrinha com o garoto, mas ele seguiu fingindo que não me conhecia e que nem sequer saímos sozinhos no fim de semana. Lá pela quarta-feira acabei desistindo de socializar com Dave. Em partes eu sabia que aquilo era exatamente o que eu queria: ele me deixando em paz e eu voltando a ser uma estranha anônima sem nenhum tipo de relação com pessoas do seu tipo, mas agora, toda aquela situação me mantinha aflita e curiosa para entender o motivo do seu afastamento repentino.
Não se falava de outra coisa na Seattle High naqueles dias a não ser o aniversário de Christin Londson no próximo sábado. A escola se revirava em murmúrios de felicidade ou indignação porque, não satisfeita em chamar atenção com toda a sua beleza e genialidade, Chris decidiu dividir o colégio no meio e convidar apenas a metade que considerava "digna". O que incluía, de acordo com o que ela mesma descreveu: qualquer pessoa que não fosse um(a) atleta desagradável, líder de torcida patricinha, maconheiro indiscreto ou tivesse o ego intelectual mais elevado que o dela. Por sorte, eu não me encaixava em absolutamente nenhum desses nichos, não que eu me encaixasse, de fato, em algum lugar na sociedade estudantil, mas Christin também havia deixado bem claro que minha presença estava confirmada na sua festa, querendo eu ou não, quando compramos aquele vestido. Eu ainda tinha minhas dúvidas se realmente teria coragem de usá-lo. Contudo, na mesma proporção em que eu estava confirmada no aniversário da Londson, Joe Jonhson e seu grupinho de jogadores super populares estavam completamente "proibidos" de pôr os pés lá, o que poderia soar como uma ofensa e tanto aos considerados "donos da escola".
O papel machê delicado se acomodava entre meus dedos enquanto eu observava a letra dourada do convite com as seguintes palavras impressas: "Christin Londson convida você para sua memorável festa de 18 anos...". Seguidas da data, o local e o horário.
Eu estava sozinha no corredor, escorada no meu armário depois ter conseguido acabar a atividade de álgebra primeiro do que o casal que me adotara como amiga. O clima em Seattle era ameno esses dias, o que me permitiu voltar a usar minha combinação favorita de regata com flanela vermelha e jeans gastos. Minhas pernas estavam confortavelmente cruzadas enquanto eu usava o envelope branco para me abanar por distração. Aos poucos o prédio da SH ficava cada vez mais familiar para mim, com seus corredores brancos e os armários vermelhos desbotados, o piso era gasto, mas era perceptível o esforço que faziam para mantê-lo encerado, já que o brasão de águia estampado na cerâmica quase sempre estava brilhando. Sou dispersada da minha décima leitura do convite ao ouvir o barulho de passos no final corredor que naquele horário estava mais vazio do que o comum por conta das aulas, mas elas também não demorariam muito mais para acabar e enche-lo novamente. Ergo os olhos para reparar de quem se tratava, meu coração chegou a dar um solavanco em ansiedade e expectativa, mas soltei um suspiro, misturando alívio e frustração, ao perceber que era apenas Ben Martin.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Florescer
TienerfictieEssa não é uma história de amor, bom, depende do ponto de vista. Eu diria que essa é a história de como eu me perdi e me encontrei sozinha, de como eu precisei sofrer para aprender a me colocar em primeiro lugar e de como eu precisei abrir mão de al...