O dia estava surpreendentemente ensolarado e com uma temperatura agradável quando saí de casa. Fatos que apenas comprovavam a minha teoria sobre o universo girar a favor dos planos de Dave Harris. A ansiedade consumia cada terminação nervosa do meu corpo enquanto eu esperava em pé na calçada coberta pelo sol das cinco da tarde. Christin havia me feito prometer que vestiria algo além de jeans e camiseta hoje, o que fez a ocasião parecer significativamente mais relevante do que ela realmente era. Eu gostaria de entender a motivação dele em me convidar para sair e essa seria a primeira pergunta que eu faria quando entrasse naquela picape, mas, por hora, eu me contentava em acreditar que era apenas por satisfação pessoal, ou seja, se divertir me constrangendo de todas as maneiras possíveis. Mesmo assim, resolvi seguir o conselho de Christin, vesti uma saia de fundo claro com estampa xadrez, por cima de uma regata preta sobreposta por um cardigã fino, caso esfriasse ao anoitecer e, contrariando a mim mesma com todas as forças, também me obriguei a colocar um par de sapatilhas nos pés, ao invés do meu allstar habitual.
Eu não queria dizer para minha mãe que iria sair com um garoto, aquilo seria tornar realidade o pior dos meus pesadelos: ela me chamar para ter aquela conversa sobre homens, sexo e gravidez na adolescência. Nada do que eu já não soubesse de fato, mas Ally faria questão de dramatizar e fazer o máximo de rodeios possíveis antes de me comprar uma cartela de anticoncepcionais. Por isso, repensei várias vezes a desculpa que eu daria, a começar que eu estava arrumada demais para qualquer uma delas, o que me fez descartar a hipótese de dizer que eu iria fazer um trabalho da escola ou que só iria pegar uma carona até o mercado. Restou-me apenas dizer que haveria um sarau de artes no teatro do colégio valendo pontuação e eu iria aproveitar a carona para economizar a gasolina da semana que vem, uma desculpa que eu tinha graças a sugestões vindas do próprio Dave Harris. E foi só depois de convence-la que ela não poderia ir comigo porque as apresentações não eram abertas ao público, que finalmente saí de casa e fiquei esperando ele aparecer.
Mais ou menos por volta das cinco e dez, Dave saiu de dentro da residência elegante e moderna em que ele morava, usava óculos escuros e uma camisa de verão branca de botões com mangas curtas, ele estava vestido de forma apropriada para um passeio de fim de tarde. Um sorriso largo e vitorioso apareceu em seu rosto instantaneamente quando me enxergou do outro lado da rua, erguendo a mão para acenar e sinalizar que eu esperasse enquanto ele manobrava o carro. Me limitei a devolver o aceno e assentir, abraçando meu próprio corpo e me mexendo de forma ansiosa enquanto aguardava.
Ele optou por deixar os vidros da picape abertos dessa vez e eu não reclamei, o vento refrescava o carro de um jeito mais confortável do que o ar condicionado poderia fazer. Hoje também tocava Wallows na rádio, mas não fiz nenhum comentário sobre a música, apenas deixei que minha cabeça balançasse quase que involuntariamente seguindo o ritmo da canção, pronta para finalmente virar e perguntar por que estávamos fazendo aquilo, bem na hora em que ele resolveu se pronunciar:
- Você está muito bonita hoje. - Dave faz questão de dizer e eu podia sentir seu olhar queimando sobre mim quando o fez, consciente do meu constrangimento. Não haviam dúvidas de que eu ficaria corada, a vergonha e o rubor vieram sobre mim como uma fatalidade. Umedeço os lábios devagar e assinto sem motivo aparente, colocando uma mecha de cabelo que o vento soltou atrás da orelha. A dificuldade em reagir a elogios era algo presente em mim e eu sabia que ele fazia isso de propósito, apenas para me ver constrangida e sem reação. Respiro profundamente tentando me recompor antes de virar em sua direção, confirmando que estava me observando durante todo esse tempo.
- Obrigada. - respondo baixo, ignorando a falha na minha voz. Eu não podia deixar que ele me vencesse usando meus próprios defeitos contra mim, precisava me manter firme e não demonstrar que ele era capaz de me abalar com tamanha facilidade, talvez assim ele desistisse de uma vez por todas de insistir naquela espécie de "amizade".
- Por que estamos fazendo isso? - finalmente crio coragem para perguntar, desviando meus olhos para seus dedos longos que trabalhavam no volante preguiçosamente. - Por que quer sair comigo? - acrescento e assisto ele dar de ombros, demorando mais do que eu gostaria para responder.
- Eu não sei. - escuto por fim e volto a fitar seu rosto, incrédula. - Eu apenas quero. Talvez para contrariar seus planos de não socializar com ninguém durante um ano inteiro. - Dave admite, deixando que um riso patético escapasse por seus lábios.
Não era possível, ele realmente fazia tudo aquilo apenas para me contrariar? Era assim que ele se divertia? Provando que, independente do que as pessoas quisessem, ele sempre sairia ganhando?
- Incrível. - acabo pensando alto e volto a olhar para frente. Aperto meus dedos nas mangas longas do cardigã que atingiam minhas palmas, uma maneira de tentar descontar pelo menos uma fração de toda a frustração que aquele garoto me causava.
- O que foi? - sua voz soa um segundo depois, como se tivesse levado esse tempo processando o fato de que seus propósitos me irritariam.
- Eu estava começando a acreditar que as pessoas tinham uma ideia errada sobre você, mas estou duvidando disso agora. - respondo mais ríspida do que de costume, o suficiente para me fazer piscar surpresa pela tonalidade da minha própria voz.
- Bom... - Dave começa a responder e, por incrível que pareça, não aparentava estar nenhum pouco abalado com meu comentário. O seu tom de voz era tão sereno que cheguei a pensar que poderia vê-lo sorrindo mesmo sem estar olhando para o seu rosto agora. - Isso você só vai descobrir se me conhecer - ele batuca os dedos no volante de forma audível e quase categórica depois de falar. - O que nos resta é saber se vai ter coragem. - completa e eu não pude resistir ao impulso de olhar para ele, mais uma vez, encarando seus olhos com perplexidade enquanto o mesmo me desafiava. Contudo, eu não quis responder, apenas engoli em seco e voltei a olhar para frente.
Era curiosa a capacidade que ele tinha de brincar com meu humor de maneiras diferentes, fazendo com que meu estômago se revirasse em retribuição, porque sempre que eu acreditava que estava começando a compreende-lo, ele vinha e destruía tudo.
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Florescer
Teen FictionEssa não é uma história de amor, bom, depende do ponto de vista. Eu diria que essa é a história de como eu me perdi e me encontrei sozinha, de como eu precisei sofrer para aprender a me colocar em primeiro lugar e de como eu precisei abrir mão de al...