Quando a sede pelo ouro explodiu em 1980, Serra Pelada acabou se tornando a fonte primal de histórias cabulosas e palco central do sofrimento humano.
Eram muitos os que chegavam em caravanas levando consigo uma trouxinha de coisas e o desejo de enriquecer da noite para o dia.
Meu padrinho, um homem de 60 anos (que prefere não se identificar), conta que quando chegou, eram retiradas toneladas de ouro no maior garimpo à céu aberto do mundo e por ouvir falar, ele já estava crente de que conseguiria bamburrar. Só que muitos morriam pelas condições precárias de trabalho antes mesmo de terem uma pepita em mãos.
Era 2002, já com 42 anos, que meu padrinho e os demais garimpeiros receberam a autorização do governo para a execução das suas atividades por meio de um decreto.
"Gente nova apareceu, tudo piorou."
Disputas e mais disputas eram travadas pelos líderes sindicais, pelas mineradoras e pelos antigos garimpeiros. Ninguém queria ceder de verdade, a eclosão de um conflito era iminente.
"Eu dormia de olho aberto e com uma arma escondida nas calças."
Nem toda a precaução do meu padrinho daria jeito para o que aconteceria naquela quinta-feira chuvosa.
Já faziam cinco meses que ele estava à procura de ouro em outra jazida, ele havia investido todo o dinheiro que juntou nos anos em que passou naquele formigueiro em busca de uma única chance.
Era tudo ou nada.
Jurou para si mesmo que se encontrasse alguma coisa, daria o fora dali.
"Aquilo não era vida, eu não queria ter o mesmo fim que meus colegas. Ou tu saia doido ou saia morto."
E foi por muito pouco que ele quase deixou Serra Pelada dentro de um saco preto quando um desmoronamento caiu sobre sua cabeça.
"Foi coisa de momento, quando eu vi já tava soterrado."
Foram três dias de agonia, três dias de fome e desidratação. E por mais estranho que pareça, três dias de visões que mais pareciam alucinações.
"Eu vi um barraco, desses que a gente constrói em invasões que nem essa. Eu entrava e saía de foco e tava cavando algo pra enterrar."
Foi o momento que ele entendeu. O que "ele" estava enterrando eram aquelas botijas de ouro que segundo a lenda, eram enterradas com o intuito de esconder moedas, pratas e brilhantes de possíveis ladrões. E cá entre nós, era a Serra Pelada, esconder esse ouro era questão de sobrevivência.
Meu padrinho saiu vivo dali, delirando e contando aos quatro ventos que havia uma botija de ouro escondida entre os barrancos daquelas jazidas.
"Besta eu não era, boato que é boato tem que ser aproveitado. Então eu encontrei aquele barraco enquanto alguns bestas que ouviram meu chamado escavavam do lado errado do garimpo."
O barraco, segundo meu padrinho, era daqueles barrelinha de um quarto só.
"Era antigo, acho que era propriedade de um velho garimpeiro que morreu, me apossei dali e tirei o que tinha que tirar."
A botija estava enterrada entre as ripas que dividiam o chão. Se você pisasse no lugar certo dava para ouvir o ranger característico de uma ripa solta.
Meu padrinho ouviu e cavou até os dedos sangrarem.
"Eu tava é feito! Era um saquinho com uma pepita de ouro gigante!"
Ele saiu de lá e voltou para o interior, comprou o que tinha que comprar e deu uma vida boa para os filhos.
Eu perguntei se ele se arrependia de alguma coisa depois de ter gasto todo o dinheiro. Ele calou e olhou para o que tinha atrás de mim, como se em transe, sussurrou:
"Não me arrependo de nada, só de não ter ofertado uma missa pro defunto, dono da pepita. O fantasma dele me persegue até hoje, minha filha."
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Historietas Macabras: Para leitores que tem pressa | Vol. 01
Short StoryO ser humano é inegavelmente atraído por histórias que exprimam o horror desde os tempos imemoriais. Repassadas oralmente, elas colocam os filhos dos seus filhos para dormir, deixando subentendido o aviso de que o mal está sempre à espreita. Em "His...