Naquela noite enevoada onde homens e mulheres se escondem, as criaturas que habitam as terras isoladas saem à noite para caçar. Os chamam de encantados, você pode se perder ou morrer de loucura se não os respeitar.
Regras são levadas muito à sério.
José bem sabia, escutava as histórias da matriarca da família à beira de um fogão desde quando era pequeno. O alertava sobre os perigos e sortilégios dos seres fantásticos que manipulavam a mente fraca dos homens.
Ele cresceu temente, crente de todo o respeito que devia dar mas como todo homem, em algum momento ele duvidaria. Nunca viu para comprovar, sua alma pedia por uma prova e assim foi.
Sua casa de pau a pique se mesclava com as demais da pequena vila. Lá, José dormia com a esposa, Alma, que estava para dar à luz.
Momento inoportuno aquele quando a esposa se remexeu na rede agoniada com as dores do parto. José, já pronto para o que o aguardava, preparou as coisas para a parteira, água quente e panos limpos, de lá correu afobado para buscar a mulher que ajudaria a trazer a filha ao mundo.
Naquele momento complicado, José não percebeu que estava sendo observado da mata.
Pacientes, viram aquele homem afobado bater na porta da parteira e levá-la para a casa de taipa, a anciã que o seguia olhou para onde eles estavam e assentiu.
O caboclo, líder do grupo, sorriu e se esgueirou.
Horas se passaram e sua mulher gritava, chorava ao empurrar aquele bebê. Preocupado, o homem fumava um tabaco nervoso atrás de casa. Passos chamaram sua atenção, José pegou sua espingarda e atentou os ouvidos.
Ao seu lado, uma voz grave falou:
"Atirar em mim não ganhará minha simpatia, homem."
José ficou sem palavras. Via aquele homem com os olhos afiados e aquela pele escura rir dele com os dentes serrilhados.
Deu um passo para trás.
"Com medo de mim? Tu pediste uma prova e aqui estou eu!"
José não perguntou ou sequer falou. Memórias de sua avó alertavam sobre os truques de tal criatura. O caboclo não se deu ao trabalho de retrucar.
"Vim para te avisar. Saiba que nunca peço, eu tomo. Verás em breve."
Em choque, o homem atormentado balbuciou e viu aquele ser tocar na aba do chapéu de palha e sumir como se nunca tivesse aparecido.
Sugando o ar com força, ele correu dali. Entrou no cômodo e encontrou a mulher com a filha nos braços. Esquecendo da tormenta passada, ambos sorriram aliviados um para o outro.
Passado um tempo, sua filha crescia cheia de saúde e florescia aos olhos vistos daquela vila. Dez, quinze, vinte anos pesavam sobre a beleza sobrenatural da menina.
José e Alma estavam satisfeitos!
Um certo dia, a filha disse que se apaixonara pelo homem mais belo e inteligente que encontrara, que se casaria com ele e que só seguiria em frente com a benção dos pais. Vendo a ansiedade da filha e como ela parecera mais feliz desde então, os pais da menina deram a bênção com relutância.
Quanto ao noivo, nunca haviam visto aquele homem. Esse, o casal só conheceu na cerimônia.
Em pé, de terno alinhado e branco com uma bengala na mão o noivo esperava pacientemente. Alma ficou no canto esperando pelo marido que levaria a filha ao altar.
Quando os dois entraram Alma chorou.
Mais bela que todas as rosas, o botão que era sua filha desabrochou. Até o noivo que estava ao seu lado soltou um suspiro trêmulo de apreciação.
José seguia orgulhoso para o altar com a filha nos braços mas no caminho estancou. Viu aquele homem de anos atrás no altar. E já em pânico quis fugir.
Percebendo o rumo dos pensamentos do sogro, o caboclo o paralisou da cabeça aos pés e ele lá ficou.
Parado na sua frente, o encantado sorriu genuinamente. Ele logo desviou os olhos escuros para a noiva que lhe devolveu um sorriso extasiado. E sem pressa alguma, o caboclo tomou o que lhe foi prometido nos braços e sumiu como se jamais tivessem existido.
No fim, Alma morreu de tristeza e José solitário ficou.
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Historietas Macabras: Para leitores que tem pressa | Vol. 01
Short StoryO ser humano é inegavelmente atraído por histórias que exprimam o horror desde os tempos imemoriais. Repassadas oralmente, elas colocam os filhos dos seus filhos para dormir, deixando subentendido o aviso de que o mal está sempre à espreita. Em "His...