Tinha uma conhecida que acreditava muito em visagens. Era tão crente que qualquer contato com o outro mundo era motivo de comemoração. No entanto, era um pouco triste quando a gente sabia que aquilo tudo não passava de fingimento, minha amiga era uma mentirosa compulsiva.
Ela inventava histórias mirabolantes à respeito de mortes sinistras em sua antiga casa, de vultos que via pelo canto do olho ou de encantados charmosos que conhecia na beira do rio. Quando ela se punha a falar, era um Deus nos acuda pois cada história era mais bizarra que a outra.
Até que um dia ela foi ficando mais retraída, não conversava mais sobre essas coisas e foi se afastando de tudo e de todos. Era um estado preocupante que foi se agravando. Eu e meus amigos pensávamos que ela estava com problemas, então fomos juntos ao apartamento dela.
Éramos uma turma de três pessoas ansiosas do no corredor, pensando nos piores cenários possíveis. Só quando ela abriu a porta é que ficamos aliviados. Ela estava bem, só muito gripada e cansada. Pediu que sentássemos que ela iria servir um chá.
A casa antiga de que falei era um apartamento de alguns metros quadrados que ela herdou dos avós. Não era um lugar sinistro, só cheio de plantas que afastavam o mal-olhado e energia ruim de uma dona mal-humorada que deixou murchar todas elas.
Quando ela voltou e se sentou, disse que havia uma história para contar e que não acreditaríamos se escutássemos. Tentei não suspirar mas foi em vão, logo nos acomodamos no sofá e escutamos a história da vez.
Uma certa noite, minha amiga disse que mexeu com uma tábua ouija, que ficou dias e dias brincando com aquilo e que nada aconteceu. De tão frustrada que estava, ela descartou a tábua e nunca mais a viu. Só que o objeto, antes inerte e inofensivo, voltou.
A tal coisa era encontrada nos lugares mais aleatórios que se possa imaginar. Com a voz ranhenta, ela contou animada que viu a tábua quebrada em pequeninos pedaços pela casa ou espalhadas no interior de seu travesseiro (o que, sem dúvidas, rendeu alguns pesadelos até que ela estripasse a fronha da almofada e descobrisse o pequeno presente).
O que quer que estivesse naquele apartamento, queria mandar uma mensagem. Dava a impressão que não sossegaria até que obtivesse o que desejava. Minha amiga, é claro, se sentiu lisonjeada e de tão tonta que era, não considerou a presença indesejada.
De lá para cá, ela foi ficando doentinha. Suspeitava ser consequência do que invocou e que precisava da sua vitalidade para habitar esse plano.
Meu grupo foi ficando desconfortável à medida que ela contava as travessuras daquele ser que, segundo ela, "era muito exigente!". Exigia dela submissão total, que não saísse de casa e que não conversasse com outros homens do prédio. Ela só saía para comprar comida e olhe lá!
Aquela visagem não me parecia amigável e não me agradou em nada quando ela tirou um objeto do canto do sofá e mostrou para nós três. Era o indicador móvel em formato de gota que possibilitava o contato com os mortos. Tinha pensado que ela havia destruído aquilo, mas não.
A palheta passou de mão em mão, sempre com uma sensação estranha descrita pelos demais. Quando chegou à mim, não senti nada. Só levei o objeto aos olhos e vi. Aquilo se ligava como um parasita espectral a minha amiga e se alimentava dela, desde a boca até o umbigo.
Devolvi aquilo e perguntei se ela havia presenciado algo mais. Assoando o nariz, ela fez que sim. Nos inclinamos em sua direção enquanto ela se punha a falar baixinho, como se o simples fato de proclamar aquilo fizesse com que a frase ganhasse vida e se concretizasse.
Saímos de lá descrentes mas sei que cada um se viu impressionado pela história que passou a ganhar contornos sinistros para o nosso próprio bem.
Semanas depois me ligaram do Pronto-Socorro. Minha amiga estava internada e como eu era seu contato de emergência, fui chamada. Quando cheguei, o médico disse que ela estava sedada e que por pouco não levou a pior em um assalto.
Foi só quando ela acordou que eu tive a real dimensão do que acontecera. O homem que tentou assaltá-la disse uma coisa antes de atirar em sua perna e aquilo ficou ecoando em minha mente por dias pois já havia escutado aquilo muito antes vinda de sua própria boca. Era a mesma frase que ela disse antes de sairmos daquele apartamento: "Você está morta, vadia!".
Era o que o homem que se alimentava espiritualmente dela disse antes de matar a ex em outra vida.
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Historietas Macabras: Para leitores que tem pressa | Vol. 01
Short StoryO ser humano é inegavelmente atraído por histórias que exprimam o horror desde os tempos imemoriais. Repassadas oralmente, elas colocam os filhos dos seus filhos para dormir, deixando subentendido o aviso de que o mal está sempre à espreita. Em "His...