Recebi recentemente a proposta de me tornar sócio da empresa de corretores em que trabalho. Tenho um ótimo histórico então não foi surpresa quando vieram falar comigo, eu era a oportunidade perfeita de se livrarem de um azarão, que é como chamamos as casas que ninguém quer.
Logo que souberam, meus colegas já vieram com o papo de "dar as condolências" pois aquele lugar era considerado assombrado por muitos deles. Vi aquilo como um desafio então estabeleci para mim um objetivo: esfregar na cara deles o que ninguém jamais conseguiu.
A casa tinha três andares (se você contar com um sótão cheio de quinquilharias), sete quartos, uma sala com lareira e espaços amplos. Era a casa perfeita, aconchegante e ventilada, mas só nas fotos e descrição.
O azarão estava com a pintura desgastada, o piso de mármore branco estava precisando ver sabão, os quartos fechados precisavam respirar e eu, é claro, necessitava de sorte pois já havia compradores de longa data à espera de um lar.
Eu não tinha ajuda para a limpeza então fui sozinho munido de um balde, sabão e muita canfurina, aquela casa fedia a coisa velha. Eu estava cego pela ambição, faria de tudo por aquela promoção. Eu só não contava que pagaria um preço tão alto por isso.
Era luz do dia quando eu vi a primeira coisa que criou um temor em minhas entranhas. Eu vi pegadas de pés invisíveis se formarem na minha frente enquanto eu lavava aquela mancha ardilosa de sangue no hall de entrada. O que quer te tivesse ali queria ser percebida.
Tentei raciocinar mas não havia como negar aquela presença no momento em que alguma coisa chutou o balde ao meu lado, quando a água limpa molhou o pano da minha calça ou quando eu me inclinei e vi refletido atrás de mim a imagem fruto dos meus piores pesadelos.
Eu me assustei, é claro, mas eu não podia me dar ao luxo de entrar em pânico. Era a minha sanidade e o meu nome que estavam em risco, não era o cadáver de uma mulher do século passado que provavelmente morrera neste hall que me colocaria para fora daqui.
Então eu cobri aquela mancha com um tapete perça e fui para o outro cômodo. Eu a ignorei de propósito achando que assim ela me deixaria em paz mas eu devia saber, aquela filha da mãe não me daria sossego enquanto não me tirasse dali.
Ela era ardilosa e me odiava. Tanto que tentou me afogar na pia do banheiro após me empurrar das escadas enquanto eu descia com um embrulho de colchas de cama logo antes de me aterrorizar ao me seguir por todos os espelhos da casa.
Foi quando ela parou de me atormentar que tudo sossegou. Não sei dizer se a casa estava satisfeita com o que eu fizera por ela ou se aquela mulher finalmente se viu vencida pela minha insistência mas não havia mais surpresas, ela havia me deixado em paz, ou foi o que eu pensava.
Recebi meus primeiros compradores que logo ficaram encantados com a casa. Mostrei a eles os cantos e dei ideias do que poderiam fazer com o espaço se o comprassem. Tudo ia bem mas foi no hall que aquela idiota resolveu sangrar sobre o tapete.
Aquele casal nunca mais voltou.
Então me dei uma segunda chance, coloquei uma estátua no hall de entrada e cobri aquela mancha com ela. É melhor que os novos compradores mostrassem alguma satisfação, eu não ficaria com a casa se aquela assombração viesse junto mas eles não precisavam saber, é claro.
O segundo casal era uma família muito bonita, tinham duas crianças que corriam pelos corredores e diziam ter adorado a casa. Foi com a ajuda delas que meus compradores assinaram o contrato de compra.
Não vou dizer que não senti remorso, os coitados não sabiam no que estavam se metendo mas eu sei que aquela assombração adora crianças, ela me dizia que queria ser mãe quando estava viva e aquela seria a oportunidade perfeita.
Ela tinha muito amor por elas e não queria que aquelas crianças partissem logo quando ambos os lados criaram um forte vínculo, o medo. Não foi surpresa quando uma delas desapareceu.
Foi engolida pela casa, diziam.
Mas foi no sótão, ao lado do meu corpo e junto da menina que encontraram as ossadas daquela assombração há tempos esquecida.
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Historietas Macabras: Para leitores que tem pressa | Vol. 01
Short StoryO ser humano é inegavelmente atraído por histórias que exprimam o horror desde os tempos imemoriais. Repassadas oralmente, elas colocam os filhos dos seus filhos para dormir, deixando subentendido o aviso de que o mal está sempre à espreita. Em "His...