parte XI

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- Você só pode estar maluco. - disse com todas as forças que me restavam no corpo.
- É só bolarmos o plano perfeito - Noen parece eufórico ao pensar em todas as possibilidades
- Noen... - me aproximo e passo meus dedos sobre seus fios loiros - Acredite, eu já tentei, é impossível.
Ele não parece se intimidar com as minhas palavras, vejo em seus olhos a confiança, ele realmente acredita que pode fugir daqui mas, infelizmente não tem como, eu já tentei de tudo, e tentei muitas vezes. Ficava dias, semanas presa, ele me punia por tentar escapar daqui. De alguma maneira eu sentia que conseguiria salvar a mim e minha família. Acontece que se passaram anos e eu me encontro completamente derrotada. Já não sou mais a mesma, não tenho mais aquela ambição que tinha antes, tudo se tornou cômodo. Não que eu quisesse ficar aqui pra sempre mas, minha avó depende de mim, ela não tem mais ninguém.
- Pensa bem, se conseguirmos dar um jeito dele entrar aqui, somos em dois, vai ser mais fácil atacar ele. - ele diz enquanto da pequenos saltinhos
- Noen.
- Nos batemos na cabeça dele com a bandeja e ele apaga e assim conseguimos fugir.
- Noen - digo alto demais
- Oi - ele se assusta e finalmente me escuta
- Eu realmente não posso, e mesmo que pudesse, não tem como, ele é mais inteligente que nós dois. - vejo sua reação triste ao ouvir minhas palavras
- Se ele é tão inteligente por que ainda tranca as portas?
Noen me deixou pensativa, realmente eu não sei porque, talvez por precaução ou costume, ele sempre trancou as portas.
- Como eu vou saber? ele sempre tranca todas as portas.
- Essa porta tem duas trancas - ele disse apontando
Olhei para o alto e vi as duas trancas, como eu nunca reparei nisso antes? Estou aqui a mais tempo do que posso me lembrar e nunca percebi isso?
- Que seja, nao é tão fácil sair daqui quanto você pensa. Eu não sei nem onde fica a entrada disso aqui.
- Tem que haver um jeito, ele colocou a gente aqui por algum lugar, só precisamos saber como.
O resto do dia foi relativamente calmo, não conversamos mais sobre isso, a ideia ainda me perecia muito fora dos eixos, tentei não tocar mais em nenhum assunto. Fred entrou e saiu mais algumas vezes, mexendo em seus papéis, escrevendo e voltando como se não estivéssemos ali. O que não me deixava inquieta mesmo era a tensão que nos prendia, poderia estar olhando para outro canto, longe dele e de tudo o que o cercava, tentava esquecer da sua presença mas era impossível já que ele estava a um metro de distância, todo meu esforço era facilmente desviado a pequenos barulhos, estávamos tentando esquecer do beijo, daquele momento rápido porém definitivamente inesquecível pra mim.
Parece que a cada fração de segundo eu sentia vontade de falar sobre isso, tentar achar uma explicação pra explosão que senti ao tocar seus lábios, queria dizer o quanto eu gostei e o quanto eu queria mais, queria ele perto, me abraçando, sentindo seu gosto. Mas algo dentro de mim insiste em dizer que tudo foi um erro, eu não deveria ter feito isso, o atacado desse jeito como uma peça de carne. Eu não quero machucar seus sentimentos, não quero brincar com ele e o deixar confuso. Estando nessas condições que estamos a tanto tempo eu já não sei se o que eu penso é certo ou errado mas tentar criar um relacionamento seria absolutamente uma ideia maluca. Posso me torturar o dia todo pensando nisso e por mais que uma hora ou outra não tenha escapatória, vou tentar adiar o máximo possível, não estou preparada pra jogar na cara dele e na minha que seja lá o que estamos tendo, não tem como acontecer de jeito nenhum. Sinto calafrios só de pensar no que Fred poderia fazer conosco se descobrisse que estou completamente apaixonada pelo meu colega de cela, sinto que ele tende a ter uma certa paternidade sobre mim mas não vejo problema nisso, pelo menos não por enquanto. Caso ele descobrisse acho que me deixaria longe de Noen e eu não posso suportar ficar sozinha de novo, inclusive longe dele. Sinto que somos muito mais próximos do que um dia já fui com qualquer outra pessoa.
Enquanto estou concentrada absorta em meus pensamentos sinto Noen se aproximando, seu corpo se aconchegou no colchão e ele se pôs na mesma posição que eu, seus joelhos tocaram os meus e ficamos um de frente ao outro com as pernas cruzadas.
- Me ensina a fazer isso - fala de forma calma
- ensinar o que?
- como você não perde a cabeça aqui - solto uma gargalhada fraca
- Eu já perdi a cabeça a muito tempo
Seus olhos penetravam os meus de uma forma que me queimava, sem dizer uma palavra estávamos nos encarando, formando uma aliança única entre a imensidão azul em seus olhos e o castanho amadeirado dos meus. Molhei os lábios soltando o ar que não percebi até então que estava prendendo, minha respiração estava pesada, eu nunca fui assim, levada por sentimentos mas perto dele era tudo diferente.
Levantei apressadamente, me tirando do transe que ele me prendia, mais um segundo e eu o agarraria ali mesmo.
- Vocês vão esconder isso por quanto tempo?
Me assusto com a voz de Fred saindo das sombras dos armários, não percebi que ele estava ali nos observando
- Esconder o que? - Noen se pronuncia enquanto levanta do colchão tão surpreso quanto eu
- O que vocês sentem um pelo outro - na mesma hora congelo ao ouvir sua voz, eu já deveria saber que ele sabe sobre meus sentimentos
- O que? - digo quase lacrimejando
- É impossível não perceber que vocês sentem atração um pelo outro. Agora, a real questão aqui é.. - ele segue seu dedo indicador sobre a boca, pensando em como colocar suas próximas palavras - por que estão escondendo isso? Estou a dias em claro tentando entender mas simplesmente não consigo.
Ao mesmo tempo em que posiciono meus olhos no de Noen, sinto seu olhar insólito. Estava tentando entender como ele dizia sobre aquilo com tranquilidade, mesmo que em outras ocasiões seja comum a sua falta em demonstrar sentimentos, agora eu sinto em sua voz, em seus movimentos ao falar. Ele está curioso, quer realmente saber sobre essa situação, sobre como me sinto em relação a tudo, a Noen, ao beijo e até mesmo a minha mãe.
É isso que está mantendo ele firme todo esse tempo.
- Meus últimos relatórios estão praticamente em branco, antes eu lia você como a palma da minha mão. Conhecia cada expressão sua, se estava feliz, triste e até mesmo confusa. Depois que eu trouxe esse menino você mudou, tem tentado não demostrar o que está te incomodando. Você só abre um sorriso quando olha pra ele e isso reflete muito sobre você. Minha pergunta é, toda essa sua mudança, são traços da sua personalidade refletidas sobre como você está em relação a ele ou você está criando uma nova personalidade para se sentir melhor com ele?
Fred articulou de forma perfeita, acho que nunca o vi tão interessado em algo.
Seus olhos brilhavam e ao terminar de falar pousou um semblante desafiador ao meu, eu por vez estava completamente estagnada no lugar, comecei a sentir zumbidos e formigamentos.
Era como se apenas meu corpo estivesse ali, minha alma estava muito longe, longe demais para sentir minhas pernas bambearem e meus olhos lacrimejarem. Longe demais para perceber que em minha cabeça haviam se passado horas em que eu estava presa nesse loop de culpa mas que fora dali, para os dois haviam se passado apenas segundos.
A luz começou a oscilar, o branco futurista agora se tornou cada vez mais escuro em um amarelo queimado. O barulho agudo e incômodo da lâmpada quase se quebrando por completo, quase como se fosse uma taça é o que me tirou daquela paralisia sem fim.
- Droga de afiação - fred corre para o painel de luz
- você tá bem? - As mãos agora frias e trêmulas de Noen são a única coisa que me mantém de pé.
Ao olhar em seus olhos azuis mais uma vez sinto a preocupação e o carinho verdadeiro que ele tem por mim.
- Não. - um suspiro pesado é a última coisa de que me lembro

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