Rua Jardim de Monet

parte XIII

Eu sei que o que disse a Noen pode ter machucado mas vai ser melhor assim, não podemos insistir nisso, é uma completa total maluquice. Eu não posso machucar ele, eu sempre faço isso, com todos. Inconscientemente eu uso a pessoa e sempre faço algo que acaba com tudo, eu sempre sou a culpada e talvez isso sejam traços da minha mãe. Eu odeio isso, eu odeio ser eu, odeio tudo o que eu sou. Sou um completo nada que estraga tudo o que toca ou que sente ou melhor, sentia.
Eu não sinto nada, nem medo, nem raiva, nem tristeza e muito menos alegria. É como se meu corpo e minhas emoções estivessem amortecidos e congelados guardados de forma desleixada no fundo do armário, eu sou assim. Eu reclamo e tento mudar mas no final sou farinha do mesmo saco, da mesma mulher que manipula, que passa por cima daquele que é um empecilho, que não sente nada por ninguém, molda um homem como uma dobradura e coloca em uma caixa com laço bonito.
Eu enfeito tudo a minha volta.
- Ficar remoendo suas emoções não deixará você melhor - ouço o murmúrio de fred
- e quem disse que eu quero me sentir melhor
- tá afiada hoje
- qual seu problema?
- Eu não tenho problema nenhum, já você... - ele diz alongando as palavras e deixando um silêncio continuar a frase
- meu problema é você
- tem certeza Alice?
- Sim, se não fosse por você eu não estaria nesse lixo de lugar conversando com esse lixo de pessoa
- cuidado como fala comigo mocinha
- você vai fazer o que me deixar sem comida? me dar choque? Já passamos por isso e você sabe que não vai fazer diferença nenhuma.
- Talvez não pra você mas pense no seu namoradinho, em como ele vai se sair diante desses seus atos de rebeldia - ele diz aprontado pra Noen que fingia não ouvir a conversa
- Não somos namorados - diz Noen olhando para o próprio reflexo no espelho
Fred começa a gargalhar alto com a mão na barriga como se fossemos um show de comédia. Era tudo muito hilário e divertido pra ele, como um jogo e nós somos péssimos atores.
- É, talvez não sejam mesmo mas esse joguinho de esconder sentimentos já tá ultrapassado. Conversem, briguem, façam algo. Parecem não estar vivos, parecem robôs. Nunca vi adolescentes tão fracos e antipáticos como vocês.
Nenhum de nós disse nada, eu não tinha vontade de gastar palavras com aquilo, muito menos com ele. Toda essa situação é algo que eu tento evitar mas não posso viver assim pra sempre.
Me surpreendo ao ver Noen me encarando de forma mortal, estamos um de frente pro outro novamente, cada um em um canto tentando de certa forma conversar por telepatia. Vejo seus lábios se moverem e formarem um "nós precisamos sair daqui" em um sussurro. Cada palavra dita bem devagar e sem nenhum som para se certificar de que só eu visse e ouvisse e a partir desse momento percebi que já estava fadada aquilo, já tinha me perdido na loucura e nada mais fazia sentido. Nada seria recompensado, nada seria desperdiçado. Ou eu fugia daquele lugar ou ele me consumiria por inteiro. Com um gesto de sim com a cabeça quase despercebido ele entendeu meu "sim" e nossos olhares não saiam um do outro por longos minutos.
Nem uma palavra, nem um sussurro, nenhum movimento, estávamos presos naquele sim infinito.
Eu sei que ele já tem um plano e eu faço parte dele, meu maior medo é algo dar errado, se tentarmos e não der certo não sei o que Fred é capaz de fazer, já passei por muita coisa aqui mas sei que ainda não foi o pior. Fred é capaz de muito mais para conseguir o que ele quer, as malditas respostas, respostas de algo que nem mesmo eu sei do que são. Seja lá o que aconteça eu não tenho mais forças para mudar o rumo de tudo isso, desse pesadelo que não tem fim.