parte VII

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Fico pensando no que ele pode ter escrito no papel, sempre tive curiosidade e agora ainda mais. Ele escrevia enquanto comíamos mas não ligava para isso. Minha fome era maior que qualquer coisa naquele momento.
Enquanto estava deitada no colchão após terminar a refeição lembrava de quando era apenas eu. Em como ele conversava comigo e fazia desenhos as vezes. Cheguei a pensar que ele me deixaria ir, estávamos criando uma relação muito boa. De repente ele se fechou, não conversava direito, não me respondia mais alegremente como antes, como se algo estivesse quebrado por dentro. Nunca descobri o porque e resolvi esquecer isso.
Depois de algum tempo percebo que Noen estava me olhando, era um olhar calmo e sereno, levantei um sorriso para ele e vi seu rosto pálido se tornar um vermelho ardente. Talvez ele estivesse envergonhado.
Em um outro momento e definitivamente não nesse lugar ele seria o tipo de menino que provavelmente iria me atrair. Iria gostar dele e ele não daria a mínima. Isso sempre acontecia comigo. Ou talvez não dessa vez, quem sabe ele seja diferente.
Preciso esquecer esse assunto, não posso deixar esses sentimentos se aflorarem, não agora.
Deito meu corpo esperando algo acontecer, era tedioso estar ali.
Percebo a movimentação vinda de fora e encaro as costas do meu não tão querido sequestrador, ele pegou uma cadeira e se sentou próximo do nosso então dormitório. Noen e eu sentamos um ao lado do outro esperando algo acontecer.
- O que vocês estão achando? - ele pergunta para nós e reparo seu olhar sádico
- Sinceramente? O pior lugar que já estive em minha vida. - meu colega parece furioso
- Você pensa assim pois não quer estar aqui, talvez se pensar de outra forma pode ver o lado bom.
- Existe um lado bom? Deixe-me ver, o lado de estar trancafiado em um lugar como esse tendo que fazer minhas necessidades na frente de vocês dois e implorar praticamente por comida, ou o lado de ter que responder essas suas perguntas ridículas?
Fico surpreendida com as reações do Noen, ele explodiu de uma forma que me assustou e não sei como explicar de onde isso saiu.
- Calma, Noen - apenas consigo dizer isso.
- Deixe ele Alice, ele está apenas mostrando seu verdadeiro eu.
- Mostrando meu verdadeiro eu? Que papo é esse? Eu não sei nem seu nome e você quer dizer o que eu estou sentindo? - suas mãos foram de encontro ao seu rosto
- Por que quer saber meu nome?
- Você não tem ideia do quão horrível é ter que conversar ou se referir a alguém que não tem nome. - falo olhando para seu rosto fora da Jaula.
- Fred
- Como eu vou acreditar nisso? Você pode estar mentindo para nós. - Noen levanta voltando a sentar em seu colchão.
Fora da Jaula vejo ele se levantar e ir no armário no alto da parede. Tirou uma caixa de lá e voltou ao seu assento. De dentro da caixa tirou uma carteira, alguns papéis e uma certidão de Nascimento. Colocou a certidão contra o vidro nos mostrando o que continha no papel antigo.
Olhei cada letra de seu nome e o ano em que nasceu. Frederico Thomas Johnson, pelos meus cálculos ele já tinha seus 47 anos. Não tinha pai registrado mas o nome da mãe era o mesmo de minha avó. Minha única avó. Rosa.
Imediatamente meu coração se enche de saudade, minha avó tinha seus defeitos mas era a melhor pessoa da minha vida. Quem me cuidava enquanto eu era apenas uma criança era ela, me enchia de comida e de amor.
Volto a depressiva realidade em que me habituava mas não sei o que dizer a ele. Eu já o imaginei com todos os nomes possíveis mas nunca Fred me passou pela cabeça.
Quando minha mãe e ele tiveram um caso, eu o conhecia por Mark, combinava com a a aparência musculosa e jeito quieto que nos transparecia.
Ele tinha um visual meio homem das cavernas mas ao mesmo tempo lembrava alguém que poderia ser médico.
Eu até que gostava dele, ele comprava algumas besteiras para comer e deixava minha mãe ocupada. Era ótimo pois assim, eu e ela não brigávamos tanto, pensei que a relação deles fosse durar mais tempo. Simplesmente um dia ele pegou a mala preta e furada e saiu pela porta sem olhar para trás.
Minha mãe nunca entendeu o que aconteceu aquele dia, ele simplesmente foi embora, sem se despedir ou ao menos dar uma explicação para a partida repentina.
Depois disso os dias se tornaram mais sombrios e não muito tempo depois eu vim parar aqui.
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Logo após mostrar a certidão ele a guardou na mesma caixa porém dessa vez não a escondeu dentro do armário nos fundos do porão. Levantou posicionando a cadeira no mesmo lugar em frente a mesa e subiu as escadas nos deixando sozinhos novamente.
Minha cabeça latejava de dor. Era como agulhas em meu cérebro, precisava descansar um pouco.
Falar com ele me deixava exausta, tanto fisicamente quanto psicologicamente. Meus olhos ardiam e senti eles começando a lacrimejar, não queria chorar na frente de Noen então deitei em meu colchão de costas para ele. Por mais que quisesse um abraço e uma palavra amiga não poderia deixar ele me ver assim. Ele não pode ver meu lado fraco, não quero que pense que qualquer coisa me abala. Não sou assim. Pelo menos eu tento não ser assim, mas tem coisas que mexem com qualquer um.
Saudade é definitivamente uma dor física, nunca achei que pudesse sentir tanta falta de alguém que não se importava muito comigo como a minha mãe. E definitivamente meu coração se rasga só de lembrar dos meus avós.
Isso aqui não é vida e nem nunca vai ser mas preciso ficar aqui por eles, pela minha família.

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